terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O fantasma do distritão - BERNARDO MELLO FRANCO (pauta)


FOLHA DE SP - 15/02

BRASÍLIA - Tudo o que está ruim pode piorar. A máxima, que nos últimos dias vitimou a Petrobras e o ex-bilionário Eike Batista, começou a assombrar o debate da reforma política. O maior fantasma responde pelo nome de distritão e ganha força velozmente no Congresso.

A proposta muda a forma como são eleitos os deputados. Hoje, no sistema proporcional, as vagas são divididas pela soma dos votos acumulados por cada partido ou coligação. Com a mudança, as cadeiras passariam a ser dos candidatos mais votados individualmente.

A fórmula é simples e agrada ao senso comum, mas enfraquece ainda mais o papel dos partidos. Se o distritão for adotado, o voto de legenda vai sumir e a eleição se tornará uma luta de todos contra todos. Dois candidatos filiados à mesma sigla serão tão adversários quanto dois que pertençam a siglas diferentes.

"Os partidos vão ficar absolutamente em segundo plano. No distritão, é cada um por si", resume Antonio Augusto Queiroz, diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

Os defensores do modelo, patrocinado pelo PMDB, dizem que ele corrigiria uma distorção atual: a eleição de candidatos quase desconhecidos graças ao desempenho de celebridades. Em 2002, Enéas Carneiro recebeu 1,5 milhão de votos para deputado e arrastou para a Câmara um aliado com míseros 275 votos.

O problema é real, mas podem surgir outros piores. Entre eles, o encarecimento das campanhas, já que cada candidato investirá o máximo para se eleger por conta própria, e o lançamento de mais famosos, como artistas e ex-jogadores. Se a coerência partidária já está em falta, um sistema eleitoral que só valoriza indivíduos pode condená-la à extinção.

O cientista político Jairo Nicolau, que considera o distritão uma ideia desastrosa, levanta um argumento adicional. O sistema só é adotado hoje em quatro países: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn.

A reforma política - SACHA CALMON (pauta)

CORREIO BRAZILIENSE - 15/02

Estudiosos condenam dois fatores existentes em nosso sistema político: o "presidencialismo de coalizão", em que dezenas de partidos se coligam, tanto nas eleições (subsistema eleitoral), quanto depois delas. No poder, as agremiações formam as "bases de sustentação", no Legislativo, dos chefes do Poder Executivo (presidentes, governadores e prefeitos). O segundo fator seria a infidelidade partidária ou, quando nada, os períodos em que a lei permite aos políticos mudar de partido ou aderir a novas agremiações.

Dizem alguns, além disso, que a reforma política não se materializa porque os próprios parlamentares tiram proveito do atual sistema. Penso o contrário. É do interesse dos grandes partidos sustar a proliferação de novas siglas que os levam à fragmentação, além de enfraquecer os atributos com os quais reivindicam fatias de poder no aparato do Estado.

Há uma proposta com chances de aprovação patrocinada pelo professor de direito constitucional Michel Temer, atualmente vice-presidente, e do quadro histórico do PMDB desde a fundação como MDB.

Sou a favor de três providências básicas antes de discutir, para apoiar, as ideias de Michel Temer, cuja reputação jurídica é nacionalmente reconhecida: a) diminuição do tamanho do Estado (quanto mais Estado, maior a corrupção); b) profissionalização das "carreiras de Estado", de tal modo que a alteração dos mandatários políticos implicasse apenas na substituição dos "cargos de recrutamento amplo" ou "de confiança", de resto três vezes mais que nos EUA com 330 milhões de habitantes e maiores atribuições - é preciso acabar com os "cabides de emprego" -; c) fim da reeleição para o Executivo - obriga o mandatário e estimula a boa gestão, em prol do partido.

Temer quer eliminar o voto proporcional para as casas legislativas, exceto o Senado, cuja eleição é majoritária, sem adotar o distrital misto (PSDB). Cada estado seria como que um "distritão". Acabaria o quociente eleitoral, elegendo-se os candidatos mais votados, independentemente dos partidos. Ficariam automaticamente inviáveis as coligações para os legislativos. Assim, diminui-se o número de partidos com assento nessas casas. Os partidos não mais teriam interesse em lançar centenas de candidatos para aproveitar as "caudas" (somatório dos votos dos candidatos que não alcançaram o quociente eleitoral), nem arregimentar "puxadores de votos" caricatos. A cláusula "de desempenho" ou "de barreira" nem precisaria existir. Haveria reflexos no horário gratuito. Temer exemplifica com São Paulo, com 30 candidatos em vez de 105, em seu partido. Teriam tempo para dizer a que vieram. Eduardo Cunha, entretanto, ainda quer coligação e cláusula de desempenho. Sua liderança é forte.

Quanto ao financiamento de campanha, propõe que seja individual e por empresas, mas com limites e sanções severas. É hipocrisia afastar as empresas e pior ainda colocar nas costas dos contribuintes o custo das campanhas (financiamento público defendido pelo estatista PT), vedado o patrocínio duplo ou múltiplo, este sim cínico! Ademais, a proibição pura e simples seria facilmente burlada em prejuízo do controle sobre as empresas. É o que prevalece nos EUA.

Temer postula eleições gerais para os Executivos, o Senado e as Casas Legislativas. Eleições de 2 em 2 anos tornam-se onerosas, acrescenta. Defendo que seja como nos EUA. Uma eleição para o Executivo, outra para o Legislativo, alternadas. É salutar. São propostas diferentes e se contrabalaçam.

São tantos os poderes do Poder Executivo que não vejo razão para medidas provisórias com força de lei. Para isso, existe o regime de votação das leis em caráter de urgência urgentíssima. É preciso fortalecer o Poder Legislativo. Mas Temer e Cunha não cuidaram disso.

Temer almeja que a reforma seja votada ainda em 2014 para vigorar em 2022, de modo a evitar a resistência dos interesses imediatistas. Em 2016 teremos eleições para prefeitos e vereadores. Nisso discordo. Penso que dá para vigorar em 2018. Teremos tempo de sobra para nos adaptar. Fora dos esquadros previstos por Temer, nada é factível. Com o apoio do PSDB, do DEM, do PDT, do PTB e do PSD em torno do PMDB, teremos dado o primeiro passo para uma reforma mais ampla no futuro.

No tangente à corrupção, insisto na criação de tribunais específicos nos Estados e na União, com recursos diretos para o STJ (o STF julgaria apenas os presidentes do Poder Legislativo, os ministros, os senadores e o presidente da República). Os ditos tribunais julgariam ações de improbidade administrativa e os crimes, inclusive conexos, dos particulares e funcionários contra as administrações públicas. As penas devem ser decuplicadas. No Brasil - isso precisa acabar - a corrupção compensa.

A proposta de reforma política do PT (lista fechada, financiamento público e plebiscito) foi para a lata de lixo.

Tem luz no fim do bagaço - CELSO MING


O Estado de S. Paulo - 17/02

Um potencial gerador de energia elétrica, equivalente a uma Itaipu e meia, a maior hidrelétrica do Brasil, está aí à mão, mas, por falta de planejamento e problemas de gestão, segue subaproveitado.

Trata-se do bagaço de cana-de-açúcar que sobra nas usinas produtoras. A queima dessa biomassa pode aquecer caldeiras que produzem vapor e acionam as turbinas geradoras de energia elétrica.

Em 2014, essa fonte renovável produziu 21 mil gigawatts/hora (GWh), volume capaz de abastecer 11 milhões de residências ou 24% do que produz Itaipu. Mas, com visão estratégica e decisão política, poderia ser multiplicada por seis.

Hoje, cerca de 25% da energia elétrica consumida no Brasil provém de termoelétricas movidas a queima de derivados de petróleo. É a fonte de energia mais cara que se produz no País. Seu único mérito está em que, pelo menos, ainda não deixou o País na escuridão.

Cálculos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) mostram que a biomassa da cana foi responsável por poupar 14% do volume de água dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que hoje está em apenas 17,8% de sua capacidade. No mesmo período de 2014, estava em 34,6%, quase o dobro do nível atual. Uma das vantagens que poderiam vir com o maior uso da biomassa é a de que o pico da oferta coincide com o período mais seco do ano, quando os reservatórios estão no nível mais baixo.

Esse potencial está subaproveitado por falta de investimentos. Uma das causas foram os baixos preços definidos nos leilões para a energia produzida por essa fonte, o que desestimulou o setor. "O governo derrubou o preço do Kw da biomassa. Ficou inferior ao da energia gerada por hidrelétrica. Não foi por falta de aviso. Foram inúmeras as advertências de que essa decisão produziria estragos. Agora, o governo quer correr atrás do rabo", desabafa o professor do Departamento de Produção Vegetal da USP de Piracicaba Edgar de Beauclair.

Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostram que, nos últimos cinco anos, a participação da biomassa foi de apenas 6,2% da energia negociada nos leilões.

As novas incertezas no suprimento de energia parecem ter acordado o governo federal para a importância que a biomassa pode ter no equacionamento da crise do setor. Ainda no primeiro semestre deste ano, foi admitida no leilão de fontes alternativas a ser realizado dia 27 de abril. Os analistas apostam em que, dessa vez, os preços serão mais atraentes.

A curto prazo, o gerente de Bioeletricidade da Unica, Zilmar de Souza, acredita em que, ainda em 2015, é possível aumentar a geração de bioeletricidade entre 10% e 15%, ou seja, em até 3,2 mil Gw/h, energia suficiente para atender a 8% do consumo residencial do Estado de São Paulo ao longo de um ano. "Temos potencial para crescer no curto, no médio e no longo prazo. O que falta é decisão. Não se sabe o que o governo espera da biomassa e do etanol."

Para Souza, uma das saídas é a elevação do teto do preço de energia de curto prazo (PLD), o que poderia incentivar mais usinas a investir na produção de bioeletricidade não só a partir do bagaço da cana, mas também de palha e cavaco de madeira. Outra vez, falta apenas decisão política./ Colaborou Laura Maia