As chuvas esperadas para dezembro apenas reduzirão os efeitos da seca. Em vez de só torcer por mais chuva, teremos de mudar a forma como usamos a água
ALINE IMERCIO, BRUNO CALIXTO, JÚLIA KORTE, MARCELO MOURA E RAPHAEL GOMIDE
16/12/2014 07h02
O período de chuvas mais intensas na maior parte do país deverá começar agora, em dezembro, e se estende até março. A meteorologia prevê chuvas. Se elas vierem no volume normal, trarão alívio imediato para a falta d’água que ameaça as regiões Sudeste, Nordeste e Sul. Por quanto tempo? “A meteorologia não previa a seca de 2014. É incapaz de dizer se foi um episódio isolado ou se representa um novo padrão”, diz Alceu Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) em São Paulo. “O Sistema Cantareira foi dimensionado para resistir à crise hídrica de 1956.” A atual seca no Rio São Francisco, a pior em um século, e a de São Paulo, a pior em 85 anos, impõem novas referências. Redimensionar os sistemas de abastecimento e recuperar nascentes custará tempo e dinheiro.
A Sabesp, empresa paulista de água e esgoto, prepara-se para abastecer mananciais com água de reúso. Os governos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro entraram em acordo pela transposição do Rio Paraíba do Sul, para reforçar o abastecimento de São Paulo. Nada disso ficará pronto antes de 2016. Antes, entre maio e novembro, o Brasil enfrentará mais um período seco. Há duas opções para os próximos 12 meses: apostar na generosidade das nuvens ou combater o desperdício. A seguir, exemplos para inspirar governos, empresas e você a combater a crise da água.
Governos
Conter vazamentos
De cada 10 litros de água tratada, em média 4 se perdem antes de chegar às torneiras. Escorrem pelo caminho por rachaduras na tubulação. Se o Brasil diminuísse sua média de perdas de 40% para menos de 20%, como em bons sistemas de distribuição do mundo, não haveria risco de faltar água. “Teríamos duas décadas para planejar para uma escassez futura”, diz Carlos Henrique Lima, diretor do grupo Águas do Brasil. Baixar as perdas de 40% para menos de 20% foi o que a Águas do Brasil fez em Niterói, no Rio de Janeiro (leia no quadro). “Apenas cumprimos as metas do contrato de concessão”, diz Lima. “Empresas públicas, como a Cedae (companhia fluminense de água e esgoto), não se submetem a regulação tão rígida.”
Encarecer o excesso
A Sabesp oferece desconto de 30% na conta de água para quem baixar o consumo em pelo menos 20%. Segundo a empresa, a campanha recebeu a adesão de 75% da população paulistana e leva à economia de 3.600 litros por segundo. Para Bittencourt, da Abes-SP, mais que incentivar a economia, o Estado deve punir o desperdício. “É a hora de estabelecer limites de consumo individual e cobrar caro de quem excedê-los”, diz.
Baratear a economia
Criado nos anos 1980, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) levou à criação de um selo de eficiência para eletrodomésticos. Em 2009, o governo federal zerou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os eletrodomésticos mais eficientes. A medida aqueceu a indústria e estimulou a economia de eletricidade. Programa semelhante poderia favorecer torneiras, descargas, lavadoras de roupa e de louça com menor consumo de água. Hoje, o governo não estimula a compra de produtos de baixo consumo de água, nem os exige em programas de habitação popular, como o Minha Casa Minha Vida. A prefeitura de Nova York, nos Estados Unidos, dá US$ 100 a quem trocar um vaso sanitário antigo por outro moderno, com metade ou um terço do gasto de água.
Informar o cidadão
Em ano eleitoral, os Estados afetados pela seca no Nordeste e Sudeste resistiram a alertar a população. “Quando cheguei à Inglaterra, em 1974, o alerta era objetivo, em placas pedindo ‘economize água’”, diz Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe, a pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Sabesp faz campanhas pela economia, mas não informa com clareza que risco corre o abastecimento. Com informações mais claras, empresas e famílias poderiam se empenhar mais em evitar o colapso – ou em se preparar para ele.
Impor hidrômetros
O cidadão que vive em condomínios com hidrômetros coletivos não é adequadamente premiado por economizar nem punido por desperdiçar. A Sabesp diz que hidrômetros individuais podem baixar o consumo em até 15%. Deveriam ser exigidos como padrão. E deveria haver incentivos financeiros para custear as obras em condomínios que mudassem seus sistemas de medição.
Apertar lava a jatos
As prefeituras têm de reforçar a fiscalização aos lava a jatos de automóveis e impor restrições à atividade. Os maiores sacrifícios nesta crise deveriam vir de consumidores grandes e irregulares, que prestam serviços não essenciais.
Regular o reúso
O Brasil não tem um padrão de qualidade para a água de reúso. Isso inibe o investimento de condomínios e empresas em estações de tratamento de esgoto. “Faltam parâmetros a uma água adequada para regar plantas, lavar carros ou ruas”, diz Diego Domingos da Silva, engenheiro da Mizumo, fabricante de sistemas de reaproveitamento de água. “Certos Estados, como São Paulo, adotam exigências mais rígidas que os Estados Unidos.” Silva diz que regras menos rígidas derrubariam o custo da água de reúso pela metade.
Empresas
Empresas
Equipar os prédios
Edifícios com certificados de eficiência energética consomem de 20% a 80% menos água que seus similares sem selo verde, afirma Sergio Mendes, diretor de sustentabilidade da empresa de administração imobiliária Cushman & Wakefield. “Edifícios verdes são até 6% mais caros, mas o custo adicional se paga com gastos menores de manutenção ao longo da vida útil”, diz.
Guardar chuva
Empresas e condomínios podem investir em sistemas de captação de água da chuva e reciclagem do esgoto. Após uma reforma, a sede de São Paulo da Câmara Americana de Comércio (Amcham) reduziu o consumo de água em 35%. Por ano, isso equivale a mais de 1,6 milhão de litros.
Trocar torneiras
A Sabesp e a fábrica de louças e metais sanitários Docol investiram R$ 800 mil na troca de torneiras, vasos sanitários e válvulas de descarga de 50 escolas estaduais em São Paulo. “Ao consumir 40% menos água, o investimento foi recuperado em quatro meses”, diz Felipe Faria, diretor do Green Building Council Brasil, ONG responsável por certificar prédios verdes. “Válvulas e torneiras eficientes não custam mais que as convencionais”, afirma Levi Garcia, diretor da Docol.
Treinar o time
A Amcham treinou melhor a equipe de limpeza. “Usávamos 100 litros de água para limpar o salão de convenções”, diz a diretora de eventos Daniela Aiach. “Com treinamento e tecnologia, baixamos esse consumo em 90%.”
Aposentar o regador
Sistemas de irrigação automáticos, com intervalos e quantidade de água programados, podem reduzir o consumo de água à metade. “Alguns condomínios complementam a irrigação automática com sistemas de previsão do tempo”, diz Faria.
Você
Você
A receita do molho
“Não podemos mais lavar louça como faziam nossas avós, com torneira aberta”, afirma Gabriela Yamaguchi, coordenadora da campanha “Água pede água”, do Instituto Akatu. É possível remover boa parte da sujeira de pratos e panelas com pano ou guardanapo. Depois, ponha a louça de molho numa bacia com água e gotas de detergente. “Como a sujeira amolece, basta esfregar de leve com a esponja, para a louça ficar limpa”, diz a empresária Márcia Chigança. Depois, uma outra bacia cheia de água limpa pode ser usada para enxaguar toda a louça. Com medidas como as apresentadas nestas páginas e disciplina, Márcia reduziu a conta de água de casa de R$ 180 para R$ 28.
Torneira sem goteira
Uma torneira gotejando desperdiça cerca de 50 litros de água por dia, segundo a Sabesp. Uma borrachinha de vedação – conhecida em lojas de material de construção como “courinho” ou “carrapeta” –, por menos de R$ 3, pode acabar com o desperdício e aumentar a vida útil da torneira.
Máquina de poupar
Máquinas de lavar roupa consomem cerca de 135 litros para lavar 5 quilos de roupa. É metade do gasto para lavar roupas no tanque, ao longo de 15 minutos. A economia se esvai ao usar a máquina para lavar pouca roupa.
Toalha impermeável
Toalhas de mesa e descansos de prato impermeáveis, de plástico, não precisam ir à máquina de lavar. Para limpá-los, bastam detergente e pano úmido.
Válvula redutora
Pequenas peças de plástico, para encaixar em chuveiros, torneiras e descargas, diminuem a vazão de água e podem reduzir o consumo em até 70%. Fechar parcialmente o registro geral da casa surte efeito parecido.
As respostas na borra do café
Despeje um pouco de borra de café no vaso sanitário. Se o pó não se depositar no fundo, é sinal de que a válvula de descarga deixa água passar.
Registro de ocorrência
Para descobrir vazamentos na tubulação de casa, feche o registro geral por pelo menos uma hora, depois abra. Se o hidrômetro acusar consumo de água, há perda em algum ponto do encanamento.
Do chuveiro para As roupas...
A água que escorreria pelo ralo, enquanto o chuveiro não aquece, pode ser acumulada num balde. Use-a para lavar roupa. Como ela ficará no balde, evite usá-la para escovar os dentes ou cozinhar. Cuide para que a água fique coberta ou seja rapidamente usada, a fim de não atrair mosquitos da dengue.
...e das roupas para o chão
A água expelida pela máquina de lavar, com sabão e pouca sujeira, pode ser aproveitada para lavar quintais e outros pisos. Mesmo com sabão, a água pode atrair insetos, se ficar parada por mais de um dia.
Dos peixes para as flores
A água do aquário dos peixes pode ser reaproveitada para regar o jardim. Ela é rica em nitrogênio e fósforo, nutrientes importantes para as plantas.
Caldo de legumes
Cozinhar verduras e legumes numa panela de pressão requer cerca de 5 litros de água. Em vez de ir para o ralo, o caldo pode ser aproveitado para cozinhar arroz, feijão ou frango, além de fazer sopas.
Lave menos sua calça de brim
Chip Bergh, presidente da fábrica de roupas Levi’s, diz que passa mais de um ano sem lavar suas calças jeans. Quando muito, limpa sujeiras leves com esponja ou escova. Em 2011, Josh Le, um estudante canadense, usou uma calça por 15 meses sem lavar. Um exame mostrou que a calça de Josh tinha tantos micróbios quanto uma calça lavada.
Não lave o carro
Lavar o carro gasta entre 250 litros e 500 litros de água. Para evitar o desperdício, a ONG The Nature Conservancy lançou a campanha “Não chove, não lavo”. “Manter a frota de São Paulo limpa consumiria 3,5 bilhões de litros”, diz o manifesto. Segundo Gerson Burin, coordenador técnico do Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi), sujeiras como fezes de passarinho e seiva de árvores atacam a pintura e precisam ser removidas rapidamente. De resto, o automóvel pode passar semanas sem água. “Lavar o carro para deixar bonito é desperdício”, diz. “O banho é necessário quando a sujeira compromete a segurança.” Faróis, vidros e retrovisores sujos podem distorcer a luz e ofuscar o dono do carro ou quem estiver ao redor. Para evitar esse problema, basta a água da chuva ou o banho comum nos postos de combustível.
Não dê banho no banheiro
Passar um pano úmido no chão do banheiro ou da cozinha, com produto de limpeza diluído em 1 litro de água, é mais econômico do que lavar com baldes de água e sabão. “O brasileiro começou a mudar seus hábitos ao cuidar da casa”, diz Carolina Graciano, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Unilever. “Produtos sem enxágue são mais práticos e eficientes.”
Não afogue as plantas
“Não é necessário regar o jardim diariamente”, diz Marcel Giovani Costa França, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em fisiologia vegetal. Além de desperdiçar água, regar em excesso acaba por lavar os nutrientes da terra. “As plantas podem ficar desnutridas”, afirma. Para saber se a planta tem sede, basta encostar um dedo no solo. Terra úmida e folhas viçosas mostram que a planta não está com sede.