segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Chama o síndico, por Ricardo Melo ( brilhante, como sempre, na FSP)


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O ministro Nelson Barbosa fez o que sabe fazer ao pregar mudanças no salário mínimo. Ele, assim como os dois outros membros da troika da economia nacional —Joaquim Levy, ministro da Fazenda, e Alexandre Tombini, do Banco Central—, perseguem o azul nas contas, custe o que custar. Fugir do prejuízo não está errado. A questão é escolher de onde tirar.
Esperar que eles tenham maiores preocupações sociais é como pedir a um cantor de ópera que faça um concerto de rock. Não funciona. A chance de desafinar é quase total. A troika brasileira é formada na escola que acha porque acha que os salários no Brasil subiram demais. Ponto. Não há Cristo que os faça pensar o contrário. Os três, aliás, não escondem isso de ninguém. Neste ponto, identificam-se com a chamada troika que afundou a Europa, composta pelo Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia.
Com uma tesoura na mão e a ideia fixa na cabeça, a equipe econômica pretende defender o programa neoliberal ortodoxo. Não lhe cabe culpa: é isso o que ela aprendeu. O problema está em quem a contratou. A troika trabalha como aquelas consultorias que todo mundo já viu nas empresas do dia a dia. Ao primeiro sinal de dificuldade, a providência automática é cortar "custos", diga-se, empregos e salários. Desde que, bem entendido, resguardados o quinhão dos controladores e acionistas majoritários.
Valendo-se de abstrações matemáticas e jargões economicistas, tenta-se vender no Brasil a impressão de que os pobres passaram a ganhar muito e vivem refestelados em benefícios sociais nababescos.
Como se diz, o papel aceita tudo. O fato de o sujeito deixar de ser miserável vira objeto de comemoração, de um lado, e de alerta, de outro. Se alguém deixa de passar fome, mesmo sem nunca ter sido apresentado a uma fatia de carne, vira símbolo da redenção social para governantes. Para outros, os endinheirados, é sintoma de gordura a eliminar.
Chamado às falas pela presidenta, Barbosa teve que soltar uma nota desmentindo mudança nas regras do salário. Alguns viram nisso uma afirmação da supremacia da presidente. Os mais realistas enxergaram aí o começo da guerra de posições que, no limite, ameaça levar à paralisia da administração e, aí sim, a desarranjos difíceis de consertar.
Num momento em que as previsões são de aumento do desemprego e diminuição da renda, soa injustificável, para um governo ungido pelos mais humildes, iniciar "correções" justamente arrochando instrumentos como o seguro desemprego. É muito pra cabeça de qualquer um. Certamente por isso nem mesmo dirigentes de centrais sindicais mais conservadoras compareceram à festa de posse em Brasília.
Independentemente do mérito, existe uma agenda muito clara para o novo governo. Por que, em vez de "ajustar benefícios", o Planalto não anuncia o engajamento de fato em projetos como o de taxação de grandes fortunas, cerco à evasão fiscal das grandes empresas, correção justa na tabela do imposto de renda, imposição de limites à precarização desenfreada do mercado de trabalho e regulamentação da lei anticorrupção? Tudo isso sem falar nos juros nas alturas, feitos sob medida para engordar a banca e emagrecer o orçamento já curto dos assalariados.
Dar bronca em auxiliares pode dar impressão de autoridade; não resolve, porém, o cotidiano das famílias, que no fim é o que deveria importar. Mas tudo parece possível num país em que mesmo biografias são revisadas ao gosto de terceiros. Em que a história de gente como Tim Maia é reescrita ao vivo e em cores para limpar a ficha de quem preferiu "ajustar" seus próprios interesses em vez de olhar para quem ajudou na escalada do Planalto das celebridades. 

domingo, 4 de janeiro de 2015

Dinastias sucroalcooleiras, os Biagi e os Junqueira Franco devem deixar o setor


MÔNICA SCARAMUZZO - O ESTADO DE S.PAULO
15 Dezembro 2014 | 02h 02

As duas famílias, que já figuraram entre as mais importantes do setor, hoje detêm menos de 6% da Biosev, controlada pela gigante francesa Louis Dreyfus; sem voz ativa, sócias locais buscam 'pacote' de remuneração para sair do negócio

As famílias Junqueira Franco e Biagi, que já figuraram entre os grupos sucroalcooleiros mais poderosos do Brasil, podem deixar de vez o setor. Os acionistas minoritários da Biosev, braço de açúcar e etanol do grupo francês Louis Dreyfus, as famílias - reunidas na Santelisa Participações, que detém 5,85% da empresa - negociam com os franceses um pacote de remuneração para deixar a companhia, apurou o 'Estado'.
Sem poder de voz na Biosev e descontentes com o rumo tomado pela companhia, as duas famílias devem seguir caminho próprio, afirmaram fontes.
A expectativa era de que os minoritários pudessem sair do negócio após o processo de abertura de capital da empresa (IPO, em inglês), realizado em abril de 2013, depois de uma tentativa frustrada em 2012. "A maneira como o IPO foi conduzido e as decisões estratégicas tomadas pelo grupo frustraram os acionistas", disse uma fonte do setor.
As ações da Biosev acumulam queda de 40% desde 19 de abril de 2013, quando foi à Bolsa. "A intenção é fazer um acordo que dê maior liquidez aos acionistas", disse a mesma fonte. No entanto, fontes do mercado financeiro ouvidas pelo Estado acreditam que será muito difícil um acordo. A saída mais óbvia seria a venda das ações no mercado. "A Biosev está altamente endividada e a matriz fechou a torneira", disse uma fonte.
União. Até 2007, as famílias Junqueira Franco, dona da Vale do Rosário, e Biagi, da Santa Elisa, ambas da região de Ribeirão Preto (SP), atuavam de forma independente no setor. Quando a Cosan fez uma proposta hostil para a compra da Vale do Rosário no início daquele ano, o patriarca da família, Cícero Junqueira Franco, um dos responsáveis pela implementação do Proálcool, programa desenvolvido nos anos 70 para estimular a produção do etanol, rejeitou a oferta de Rubens Ometto e tentou buscar alternativas para se fortalecer no setor. No mesmo ano, deu início a conversas para a fusão com os Biagi.
Os dois grupos criaram a Santelisa Vale, mas a nova companhia, altamente endividada, foi incorporada no fim de 2009 pela francesa Louis Dreyfus, uma das maiores tradings de grãos do mundo. A múlti se tornou a segunda maior produtora de cana do Brasil, atrás da Raízen (joint venture entre Cosan e Shell).
De tradicionais usineiros do setor, as famílias Biagi e Junqueira Franco tiveram de se acomodar no bloco Santelisa Participações, como acionistas minoritários, à época com 14% de participação. A fatia foi diluída para 5,85% após o IPO - relegando-os ao papel de coadjuvantes.
Procurado para falar as negociações, o representante dos acionistas minoritários, Cristiano Biagi, disse que não tem informações sobre o tema. Rui Chammas, presidente da Biosev, disse desconhecer as negociações entre os acionistas e controladores.

Etanol - matriz energética

O ESTADO DE S.PAULO
03 Janeiro 2015 | 02h 02

SHIGEAKI
UEKI
O competente ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que atualmente exerce a presidência do Conselho da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), fez no Estadão de 14 de dezembro de 2014 um desabafo: "Precisamos entender qual a matriz energética que o Brasil quer ter. O governo tem de definir qual é".
Com dezenas de usinas fechadas ou funcionando precariamente e outras com graves problemas financeiros, entendo que, com justa razão, a paciência do ex-ministro está atingindo o limite. Tudo por causa da política energética do governo, imediatista, populista, equivocada e danosa para o País.
Como um dos principais responsáveis pelo setor energético durante cerca de duas décadas, exatamente quando o mundo, particularmente o Brasil, enfrentou duas grandes crises, vou sintetizar a matriz que adotamos na época, porque, até agora, não houve resposta ao questionamento do presidente da Unica.
Posso falar por experiência vivida. Cheguei a comprar uma carga de petróleo por US$ 2 milhões, como diretor da Petrobrás (1970); a mesma carga por US$ 24 milhões, como ministro de Energia (1974); e por US$ 64 milhões, como presidente da Petrobrás (1979).
Há um ano, ela custava US$ 200 milhões e, hoje, com a baixa do preço, custa US$ 120 milhões. Quanto custará nos próximos anos?
Por causa da grande volatilidade do mercado, do alto custo e da insegurança, julgo que as prioridades que estabelecemos naquela época continuam válidas. Essas prioridades são:
Economia de divisas,
segurança de suprimento,
modicidade de tarifas e preços
e menor impacto ambiental.
Não é difícil de justificar essas quatro prioridades. Vejamos: o Brasil registra hoje um déficit cambial de US$ 85 bilhões/ano. Temos uma medalha de bronze negativa. Os Estados Unidos têm de ouro e a Inglaterra tem de prata. Entretanto, ambos podem imprimir impunemente as suas moedas e manter a taxa de juros próxima de zero. E nós? Temos ou não temos de levantar a bandeira vermelha? Importar gasolina e etanol, deixando de produzir etanol no País? Importar gás natural para gerar energia elétrica, quando temos bagaço de cana disponível, além de carvão mineral nacional, biomateriais e energia nuclear, entre outras fontes? Faz sentido em termos cambiais, ou de segurança, ou de modicidade de preços e tarifas?
Enquanto formos devedores líquidos em divisas, e se não quisermos onerar gerações futuras, temos de somar, além dos custos diretos, os juros sobre os débitos que temos de pagar até nos tornarmos credores. Quanto vai custar, afinal, um metro cúbico de gasolina/etanol/gás natural importado?
É possível que em 2014 a conta de energia (petróleo, derivados, etanol, gás natural) tenha sido negativa em, aproximadamente, US$ 20 bilhões. Se acrescentarmos os aluguéis de plataformas, navios, sondas, etc., além do custo de milhares de profissionais estrangeiros contratados, a conta final deve ultrapassar US$ 40 bilhões por ano.
Ora, professor Roberto Rodrigues, o seu setor de cana-de-açúcar, sem engenharia ou mão de obra estrangeiras e operando com apenas alguns insumos que ainda importamos, processa de 600 milhões a 700 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, transformadas em etanol, açúcar, eletricidade, além de sucroquímicos.
Dependendo do critério de cálculo que for adotado, o seu setor deve proporcionar ao Brasil uma economia de divisas superior a US$ 100 bilhões.
A sua luta é boa, professor. Tenho a certeza de que vencerá. Ou será que teremos de ir às ruas para que as autoridades do setor respondam ao seu questionamento?
FOI MINISTRO DE MINAS E ENERGIA
(GOVERNO GEISEL) E PRESIDENTE DA
PETROBRÁS (GOVERNO FIGUEIREDO)