quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Opinião - Hidroanel metropolitano: uma solução possível para os problemas ambientais, hídricos e de transporte da região metropolitana

18/12/2014 10:31


João Caramez*, no DO


Com a crise hídrica que tem afetado grande parte do território brasileiro, especialmente o Estado de São Paulo, estamos finalmente constatando que é preciso olhar a água como o bem precioso que é, e cuidar com mais zelo do meio ambiente, pois as ameaças climáticas que pareciam estar muito distantes estão presentes aqui e agora.

O recente alerta lançado pelo Painel do Clima da ONU foi bastante enfático ao afirmar que, caso não haja diminuição das emissões de carbono nesta década, o planeta ficará dois graus mais quente, com impactos irreversíveis no clima e na redução de oferta de água, comida e moradia.

E o que temos feito para evitar que isso aconteça? Com certeza, pouco, haja vista o estarrecedor aumento do desmatamento da Amazônia que, segundo o pesquisador Antônio Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, concorre para a falta de água nas regiões mais populosas do país, incluindo o Sudeste. Para ele, a diminuição da quantidade de árvores no bioma impede o fluxo de umidade entre o Norte e o Sul do país. Portanto, está mais do que na hora de envidarmos todos os esforços antes que seja tarde demais.

É preciso que o governo e a sociedade se unam para conter os avanços da degradação e enfrentar alguns dos desafios que temos pela frente para a efetiva diminuição das emissões de CO2 e a implementação de uma gestão integrada dos múltiplos usos da água. É nesse contexto que se insere a mudança da nossa matriz de transporte com o incremento da hidrovia.

Embora a energia brasileira seja predominantemente proveniente das hidrelétricas, não se conseguiu, a nível federal, compatibilizar energia limpa e transporte, diferentemente do que foi feito em São Paulo, graças aos investimentos do Governo do Estado na Hidrovia Tietê-Paraná, que permitiu a construção de barragens com eclusas, viabilizando a navegação fluvial.

Hoje, o trecho paulista tem mais de 800 km de vias navegáveis perfazendo 2.400 km até Goiás e Minas Gerais, ao norte, e Mato Grosso do Sul, Paraná e Paraguai, ao sul. Trata-se de uma excelente rota para o escoamento dos produtos brasileiros, cujo aproveitamento será fomentado com os novos investimentos para sua extensão e com o transporte do etanol.

Mas é na região metropolitana de São Paulo, onde há grande disputa pelo espaço viário, com grandes problemas de mobilidade e de logística, que a hidrovia também pode desempenhar um papel de destaque. Com os rios Tietê e Pinheiros e as represas Billings e Taiaçupeba, São Paulo é quase uma ilha, sendo possível, com algumas obras, viabilizar 170 km de hidrovias urbanas, para o transporte de cargas e passageiros. Configura-se, assim, com esse hidroanel e o sistema rodoviário do rodoanel e ferroviário do ferroanel, um sistema viário estratégico na Região Metropolitana de São Paulo, com três pontos de intersecção.

Vale destacar que só nessa região, temos uma frota de cerca de 11 milhões de veículos, com inúmeros pontos de congestionamentos, que causam grande stress para todos os usuários e grande volume de poluentes, que contribuem para o efeito estufa. São mais de 400 mil viagens realizadas por caminhões pesados na região para transportar anualmente mais de um bilhão de toneladas de cargas, além daqueles que cruzam a cidade para outros destinos.

É evidente que esse grande movimento de carga, retrato do dinamismo de São Paulo, requer outras vias para o seu escoamento, para não interferir tanto no dia a dia dos cidadãos e na qualidade ambiental. Por isso, defendo o hidroanel metropolitano, que além dos ganhos de logística, propiciará uma grande vantagem ambiental e para o abastecimento, com o aumento da quantidade de água na Billings e a conseqüente ampliação da captação de água pela SABESP. Além disso, com maior fluxo de água, decorrente da interligação dos cursos d"água, o hidroanel contribuirá para o saneamento dos rios paulistanos, permitindo levar água de melhor qualidade a toda a população.

Um importante passo para essa conquista já foi dado pelo governo de São Paulo, com a construção da eclusa da barragem da Penha, cuja conclusão está prevista para setembro de 2015. Esta obra que possibilitará a extensão da hidrovia em mais 14 km é a primeira obra do hidroanel, que permitirá o transporte fluvial entre os rios Tietê e Pinheiros.

Por outro lado, a mera construção do canal já gerará uma capacidade de armazenagem de três milhões e meio de metros cúbicos de água, que poderá chegar a 10 milhões, viabilizando um grande piscinão como uma solução parcial para conter enchentes.

Para que o hidroanel seja uma realidade há necessidade de construção de mais 20 eclusas, além de outras obras, a um custo estimado de R$ 4 bilhões, de acordo com o projeto elaborado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. O custo financeiro é alto e exige uma parceria dos governos federal, estadual e municipal para a sua realização ao longo dos próximos 20 anos.

Todavia, levando-se em conta as graves consequências de um clima fora do controle, certamente o custo de fazer o hidroanel será bem menor do que o de não fazer, ganhando com isso o nosso sistema de transporte, o meio ambiente e o controle hídrico.



* JOÃO CARAMEZ, 63, é deputado estadual pelo PSDB-SP, presidente da Comissão de Transportes e Comunicações e coordenador da Frente Parlamentar das Hidrovias da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Foi chefe da Casa Civil de São Paulo do Governo Mário Covas (2000/2001)


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A internet não esquece

Demi Getschko


O que nos cerca muda rapidamente e nem sempre nos damos conta disso. Nos velhos tempos, por exemplo, se alguém recebia uma carta de que não gostava ou que o ofendia, podia rasgá-la ou queimá-la e ela desapareceria para sempre, sem vestígios. Hoje, com os meios baratos e quase infinitos de armazenamento eletrônico de informações, pode ser impossível nos livrarmos de um simples e-mail.
Claro que podemos apagar a mensagem que nos incomodou, mas é pouco provável que ela, de fato, suma definitivamente. Para manter a confiabilidade e garantia contra erros involuntários dos clientes, os provedores sérios de correio eletrônico guardam cópias – os “backups” – que, queiramos ou não, podem preservar coisas à nossa revelia. E sem falar do que nós mesmos colocamos impensadamente na rede e, mais tarde, concluímos que foi uma bobagem ter feito aquilo. Ah, se arrependimento matasse… Como Turiddu diz a Santuzza na ópera Cavalleria Rusticana, depois de uma acalorada discussão, “pentirsi è vano dopo l’offesa”, ou seja, é inútil penitenciar-se depois de cometer uma ofensa.
Assim, o que é colocado na internet pode tornar-se irremovível na prática: ou os próprios sistemas de armazenamento irão guardá-lo ou, se causou algum impacto bom ou mau entre os usuários, alguém terá tirado uma cópia. A conclusão é fácil de dar e difícil de cumprir, como todos os bons conselhos: não devemos colocar nada em rede aberta de que possamos nos arrepender mais tarde. Mas quem resiste à tentação de replicar algo interessante que leu, mesmo sem ter nenhuma certeza de que seja um fato real e não uma simples invenção de alguém? Minha avó usava uma expressão grega para coisas que fazemos impulsivamente e depois não mais podemos desfazer. Dizia: “pronto! caiu o açúcar na água”. Se jogarmos uma colher de açúcar num tanque de água, por mais que filtremos não conseguiremos removê-lo: sempre algo sobrará diluído lá no meio.
Essa característica da rede compromete também a eficácia de um eventual direito que se postula hoje: o direito ao esquecimento. Um parêntese aqui: como engenheiro, tenho sérias dúvidas lógicas de como poderíamos ter direito sobre algo que não está em nosso controle. Eu, certamente, tenho direito de esquecer – e certamente esquecerei – coisas que estão em minha memória, mas não imagino como ter direito a que você esqueça coisas que estão na sua memória. Mesmo que esse “sua” se refira à internet.
Bem, supondo que esse direito exista, líquido e certo, não há como magicamente apagar todas as referências a algo na rede. Mesmo que os buscadores recebam ordens para ignorar o tal conteúdo e não indexá-lo, em algum lugar estará armazenado, pronto para sair à luz num momento futuro.
Hoje, quando floresce o narcisismo e o individualismo, popula-se a rede com autofotografias nas mais variadas situações, às vezes para documentar, muitas vezes só para satisfazer o ego. O demônio, pela boca de Al Pacino no filme Advogado do Diabo, afirma categoricamente: “vaidade é meu pecado preferido”. A internet não esquece, e aí é que mora o perigo.
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Luciano Martins Costa: O que esconde o bombardeio da Petrobras pela mídia?

Os jornais fazem um retrato tenebroso da situação em que se encontra a Petrobras, um mês depois de revelada a extensão das negociatas que envolveram políticos, dirigentes da estatal e grandes empreiteiras que fazem parte de sua constelação de negócios. Os números são tão grandiosos que o leitor é incapaz de imaginar o volume de dinheiro desviado em negócios superfaturados.
O resultado é que, quanto mais atenção coloca no noticiário, menos capaz fica o cidadão de abranger todo o contexto. Na terça-feira (16/12), porém, surge uma ponta da meada que permite entender a lógica da imprensa: com seu valor reduzido seguidamente por conta do escândalo, sob ameaça de ações judiciais nos Estados Unidos e no Brasil, e ainda sob risco de ver seus principais fornecedores serem condenados e proscritos, analistas começam a afirmar que a estatal estaria impossibilitada de seguir explorando a reserva de pré-sal (ver aqui e aqui).
Como se sabe, os 149 mil km2 da província do pré-sal apresentam uma taxa de produtividade muito acima da média mundial e já são a fonte de quase 30% de todo o óleo extraído pela empresa. Feita a projeção de crescimento dos atuais 550 mil barris por dia em 25 poços produtores, daqui a três anos, com quase 40 poços ativos, o pré-sal deverá suprir 52% da oferta de petróleo no Brasil.
Num cenário em que o preço internacional do óleo cai abruptamente, cresce o valor estratégico da empresa brasileira justamente pelo fato de estar próxima de dar ao Brasil a oitava maior reserva do mundo, com 50 milhões de barris ou mais, qualificando o país como protagonista no setor.
Qual era a vantagem estratégica da Petrobras em relação às demais gigantes do setor? Exatamente o fato de possuir suas principais áreas de exploração em uma região sem conflitos militares, sem instabilidade política e plenamente conformada às normas e regulações internacionais. Até mesmo os riscos ambientais alardeados na década passada, quando foi anunciada a decisão de explorar as reservas de alta profundidade, foram desmentidos com o tempo.
O escândalo envolvendo a empresa a torna vulnerável a ataques de todos os tipos, mas principalmente abre caminho para as forças que têm interesse em alterar o marco regulatório do pré-sal.
Interesses poderosos
Há corrupção nos negócios da Petrobras? Certamente, muito do que tem sido noticiado nos últimos meses acabará sendo comprovado, mas há um aspecto que não vem sendo considerado pela imprensa: a corrupção é parte do processo de gestão do setor petrolífero em todo o mundo e, no caso presente, a estatal brasileira se encontra no papel de vítima. Portanto, há uma distorção no noticiário que esconde muito mais do que o propósito de expor a relação deletéria entre negócios e política.
Embora os contratos de partilha do óleo de grande profundidade sejam geridos pela empresa Pré-Sal Petróleo S.A, criada como subsidiária da Petrobras para executar o novo marco regulatório, a operadora do sistema é a Petrobras. Cabe à estatal criada por Getúlio Vargas o ônus do processo de depuração que está em curso com as investigações que ocupam diariamente as manchetes dos jornais. Embora a maior parte dos danos seja debitada na aliança que governa o país desde 2003, principalmente ao Partido dos Trabalhadores, é o modelo do negócio que corre risco.
É pouco conhecido o fato de que a Petrobras não se tornou uma estatal com o novo marco regulatório: apenas 33% do capital pertencem ao Estado, e 67% estão em mãos privadas. O que mantém o controle da empresa em mãos do Estado é o fato de que este controla metade mais uma do total de ações com direito a voto, o que preserva a Petrobras como sociedade de economia mista.
Não é, então, a condição legal da empresa que pode mover interesses poderosos, mas o sistema de exploração do pré-sal: pelo modelo antigo, de concessão, as companhias concessionárias podiam fraudar facilmente os custos de extração, reduzindo a parcela a ser paga tanto em royalties ao Tesouro quanto em barris de petróleo a serem entregues ao sistema de refino e distribuição. O modelo de partilha, criado pelo novo marco regulatório de 2009, mantém sob controle mais rigoroso o usufruto dessa riqueza natural por parte do Brasil.
O bombardeio constante e diário de notícias sobre a corrupção esconde outros aspectos desse jogo.
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