Greve termina, mas crise da universidade é mais grave; problemas administrativos devem ser enfrentados durante reforma do estatuto
Após quatro meses, os funcionários e professores da USP que estavam de braços cruzados enfim voltaram ao trabalho. Foi a mais longa greve da história da universidade.
O movimento aceitou, na sexta-feira passada (19), o acordo proposto pelo Tribunal Regional do Trabalho: reajuste salarial de 5,2%, além de abono de 28,6%. Em contrapartida, os paredistas deverão repor uma hora de trabalho por dia, por no máximo 70 dias.
O fim da paralisação, no entanto, não encerra a crise da USP --e nunca será demais insistir nesse ponto, ao menos não até que a principal universidade do Brasil, sustentada com recursos do contribuinte e imprescindível para o avanço do ensino e da pesquisa de ponta no país, consiga se reestruturar acadêmica e financeiramente.
Não será fácil. Só a folha de pagamento da USP supera em 5% seu orçamento. Considerando-se outros gastos, como manutenção, obras e benefícios, a instituição deve terminar o ano com despesas 35% acima das receitas (cerca de R$ 5 bilhões, quase inteiramente advindos da arrecadação do ICMS). A situação é insustentável.
O reitor, Marco Antonio Zago, acredita ser possível equilibrar as contas transferindo dois hospitais da USP para a administração estadual e estimulando adesões a um plano de demissões voluntárias.
Pode até dar certo de um ponto de vista contábil, mas nem por isso melhorará a natureza dos dispêndios. E se, por exemplo, entre os 17,6 mil servidores não docentes, apenas os mais qualificados decidirem se demitir? É do interesse da universidade manter somente funcionários com menos experiência e menor nível hierárquico?
A discussão precisa se aprofundar. Por que, de 2009 a 2013, a comunidade acadêmica aceitou que a parcela do orçamento destinada ao salário dos funcionários tenha aumentado de 55% para 62%, enquanto diminuiu de 45% para 38% a parte que cabe aos professores? Trata-se de distribuição apropriada para os objetivos da entidade?
Se estiverem de fato empenhados em resolver esses gargalos institucionais --e é o que a sociedade espera--, os docentes, que constituem o corpo central da universidade, deveriam assumir a linha de frente do debate sobre a reforma do estatuto da USP. Ocorre hoje (23) uma reunião acerca do assunto.
Trata-se de boa ocasião para tentar desatar alguns nós evidenciados pela crise. Para começar, a USP carece de mecanismos adequados de transparência e de prestação de contas, bem como de meios para profissionalizar sua gestão.
Surpreende que a melhor universidade do país precise avançar em temas tão básicos, mas, como ficou claro nos últimos meses, é justamente por aí que a revisão administrativa deveria começar.