domingo, 7 de setembro de 2014

Propostas,por Amir Khair no Estadão


  • TAGS: 
Amir Khair
Há dissenso nas propostas para retomar o crescimento e, nesse sentido causa decepção os programas de governo para a economia dos dois candidatos de oposição ao atual governo.
O programa de Aécio e de Marina convergem para duas propostas "salvadoras": restaurar o tripé macroeconômico e conceder autonomia formal ao Banco Central (BC) para o controle da inflação. Param por aí sem apresentar a conexão dessas duas propostas para justificar o crescimento econômico.
O mercado financeiro é que sempre defendeu essas propostas. Elas consolidam a posição que lhe interessa de continuidade das altas taxas de juros (Selic e ao tomador), que historicamente lhe garante lucros elevados.
É situação ímpar no contexto internacional, que opera com taxas de juros básica ao nível da inflação e ao tomador com spreads na faixa de 3% a 5% ao ano.
Caso vençam essas propostas corre-se o risco de voltar ao passado de absoluta dominância financeira, que tanto estrago causou e que ainda causa ao tecido econômico, pois as taxas de juros, embora reduzidas no governo Dilma, ainda se encontram entre as mais altas do mundo.
Vale destacar que o BC na gestão do economista Alexandre Tombini tem diretoria não ditada pelo mercado financeiro, como foram as anteriores, e daí poder tomar decisões não pautadas por ele. Isso tem levado a críticas de que suas decisões não servem para ancorar as expectativas dos agentes econômicos. O que comanda as expectativas é a inflação passada e não a incerta futura. Essas críticas, no entanto, são atenuadas quando as decisões da autoridade monetária vão na direção de elevação da taxa básica de juros.
Tripé enganoso. É sintomático falar na perna fiscal do tripé macroeconômico como sendo composto pelo superávit primário (receitas menos despesas exclusive juros) em vez do resultado nominal (receitas menos despesas, inclusive juros), que é o conceito adotado em todos os países e organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Isso ocorre para tirar o foco da causa central da sobrevalorização cambial e do rombo nas contas públicas causados pelos juros básicos elevados. Falar em câmbio flutuante é outra enganação, pois é administrado e em poucos meses o BC já torrou US$ 95 bilhões em swaps cambiais para segurar o câmbio em R$ 2,20/US$. Falar em meta de inflação sob responsabilidade do BC é enganoso também, pois a maior parte da inflação, como se verá à frente, independe do Banco Central.
Independência do BC. A independência do Banco Central colide com a política de articulação do front econômico para combater a inflação e para estimular o crescimento. Além disso, o BC só controla 5% da inflação. Vejamos. Nos últimos quatro anos, a média de inflação anual foi de 6,0%, com a seguinte subida anual média de preços: alimentos 9,0%, serviços 8,5% e preços monitorados pelo governo 3,6%. Na composição do IPCA, os alimentos participam com 25%, os serviços com 33%, os preços monitorados pelo governo com 20% e todos os demais itens dos preços comercializáveis (sujeitos à concorrência externa) pesam 22%. Assim, os alimentos contribuíram com 2,2 pontos (25% de 9,0), os serviços com 2,8 pontos (33% de 8,5) e os preços monitorados com 0,7 ponto (20% de 3,6), totalizando 5,7% de inflação em 6,0% ocorrido, ou seja, os três itens responderam por 95% da inflação (5,7 dividido por 6,0). Mas então o BC não controla a inflação? Não, pois a política monetária que vem adotando a Selic elevada para combater a inflação nada influi nos preços dos alimentos, nem nos preços dos serviços e nada tem a ver com os preços monitorados pelo governo.
O BC só influencia os preços dos bens comercializáveis, exclusive os alimentos, e o faz pelo câmbio, que mantém artificialmente valorizado usando a Selic elevada para atrair os dólares especulativos, que inundam a economia e drenam US$ 10 bilhões anualmente para a banca internacional. Vale considerar que mesmo essa estratégia tem limites, pois quem exporta para o Brasil tem folga suficiente nos preços em dólar e consegue reduzi-los para penetrar nosso mercado dado os elevados preços que vigoram na nossa economia.
Qual então o sentido das propostas de conceder independência formal ao BC? Nenhum, a não ser para manter livre a prática das elevadas taxas de juros, que retiram 6% do PIB nas contas públicas, tornando-as deficitárias. Como é o governo federal que paga essa conta, há falta de recursos, mesmo com a alta carga tributária, para atender à demanda social e de infraestrutura do País.
Crescimento. Para crescer é necessário em primeiro lugar eleger novo modelo econômico baseado num sistema de metas de crescimento em vez de metas de inflação. Com o posicionamento adequado da Selic ao nível da inflação (6%), o câmbio flutuaria para perto de R$ 3,00/US$, devolvendo parte significativa da perda de competitividade interna e externa. Como a disputa externa é mais dura, a briga por margem econômica é decisiva. Com o câmbio adequadamente posicionado abre-se espaço comercial para a disputa.
A retirada de tributos que ainda oneram as exportações (especialmente créditos de ICMS retidos pelos governos estaduais) e a convergência de preços dos insumos básicos para próximos dos níveis internacionais (com o fim da proteção tarifária em vigor) completam o arcabouço possível para a retomada da disputa externa. Com isso, novos acordos internacionais podem se tornar viáveis facilitando negociações atualmente amarradas por protecionismos que procuram compensar a pouca competitividade dos produtos aqui produzidos.
Outro elemento decisivo para abrir espaço ao crescimento é retirar as barreiras que tolhem o consumo e o investimento. A principal barreira ao consumo é a má distribuição de renda e altas taxas de juros ao consumo, atualmente em 102,36% ao ano, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac). Mais do que dobra (!) o preço dos bens que são financiados por prazos a partir de um ano. A principal barreira ao investimento é a falta de perspectiva de expansão do consumo. Investir por quê, quando há capacidade ociosa e risco elevado da concorrência externa? É melhor esperar, e eventuais sobras de caixa podem ser aplicadas nos títulos do governo federal, sem riscos, boa rentabilidade e liquidez imediata.
Mudança. A sociedade pede mudança. A presidente parece reconhecer o fracasso da política econômica e a carência social que vigora no País. Acenou com nova equipe para o comando da economia. Fez bem, mas deve deixar claro que mudanças pretende. Entre elas, é necessário parar de sufocar a Petrobrás e Eletrobrás, fortalecendo-as para o desempenho de sua função estratégica para o desenvolvimento do País. Ainda resta um fio de esperança!

A força do Algoritmo, por Renato Cruz, no Estadão de 7 de setembro 14

Quem decide o que você vê na internet? Um buscador como o Google tem um algoritmo complexo para definir o que mostra em seus resultados. Tudo começou de forma relativamente simples: o chamado PageRank analisava a quantidade de links que apontavam para determinada página, para dizer se ela era importante ou não. A importância das páginas que abrigavam esses links também era levada em conta. Com isso, garantia que os resultados mais relevantes seriam mostrados em primeiro lugar.
Mas a complexidade do algoritmo tem aumentado. As pessoas começaram a criar sites que trocavam links entre si para melhorar suas posições nos resultados das buscas. O Google criou então mecanismos para evitar esse tipo de golpe. O buscador também incorporou personalização nos resultados, levando em conta coisas como a localização do usuário e o tipo de conteúdo que normalmente interessa a ele.
Em redes sociais como o Facebook, a situação era diferente. Os conteúdos relevantes eram selecionados por amigos. Mas o serviço cresceu tanto que deixou de ser possível mostrar tudo o que todos os amigos publicam, e o Facebook passou a filtrar os conteúdos mais relevantes a partir das pessoas e dos tipos de conteúdos com quem você mais interage, ao clicar, comentar e compartilhar.
Até agora, o Twitter mostrou as publicações de todas as pessoas que você segue, em ordem cronológica inversa, com o tuíte mais recente no alto da página. Na semana passada, Anthony Noto, diretor financeiro do Twitter, disse em um evento em Nova York
que essa forma “não é a experiência mais relevante para o usuário”. Como exemplo, ele disse que uma publicação importante pode ficar enterrada na lista de um usuário caso ele não esteja com o serviço aberto na hora em que ela foi publicada.
Faz todo o sentido criar maneiras automatizadas de selecionar conteúdo relevante, no atual ambiente de abundância de informação. Mas a opacidade dos critérios preocupa. Sem seleção, o serviço deixa de funcionar bem. Agora, como saber se conteúdos mais relevantes não estão deixando de ser mostrados?
O risco é que os algoritmos, muito bem treinados, mostrem somente coisas que reforcem a visão de mundo de cada um, e passem alimentar o pensamento de tribo, o isolacionismo e a intransigência. No mundo das redes sociais, com um clique é possível deixar de ver as publicações de quem pensa diferente, calar o pensamento contrário.
Uma definição clássica diz que o objetivo das notícias é tornar o importante interessante, e não o contrário. Num mundo em que algoritmos servem conteúdo personalizado, o importante pode enfraquecer diante do interessante. Com o tempo, os sistemas até serão capazes de fazer a distinção. Mas como ficamos até lá?
Regras
O algoritmo é um conjunto de regras, traduzido em comandos de programação. Antes do Google, havia diretórios de internet, como o Yahoo quando foi criado. A rede mundial era muito menor, havia bem menos sites no mundo, e o diretório do Yahoo era editado por pessoas, que classificavam cada site sugerido ao serviço em categorias. Em poucos anos, esse modelo deixou de ser possível.
Dinheiro
Na semana passada, me perguntaram: uma empresa precisa gastar dinheiro em anúncios para aparecer nas redes sociais. A resposta está no próprio modelo de negócios dessas redes, baseado em publicidade. Se fosse fácil aparecer sem gastar dinheiro, os serviços não teriam apostado nos anúncios como a sua principal fonte de receita. Sem pagar, a publicação de uma empresa atinge uma parcela muito pequena de seus fãs no Facebook.
No Estado de hoje (“A força do algoritmo“, p. B10).

Diminuição da pobreza


O ESTADO DE S.PAULO
07 Setembro 2014 | 02h 04

A economia nacional vai mal. E o País continua com graves problemas sociais que precisam ser urgentemente enfrentados. Mas reconhecer esses fatos não impede que se veja que o Brasil reduziu a pobreza, como mostra um estudo do Banco Mundial. De 1999 a 2011, houve uma significativa redução da parcela da população que vive em estado de pobreza. Antes, 35% dos brasileiros eram pobres. Agora, são 17%.
O estudo utilizou uma nova metodologia para analisar a pobreza no Brasil. Dividiu a população pobre em quatro segmentos, com base não apenas na renda, mas também em sete fatores multidimensionais: se as crianças e os adolescentes frequentam a escola, o grau de escolaridade dos adultos, o acesso a água potável, saneamento e luz elétrica, a qualidade da moradia e o acesso a bens, como telefone, fogão e geladeira. A ideia é diferenciar pobreza transitória de pobreza crônica, que se caracteriza pela ausência de pelo menos quatro dos sete fatores e cuja porta de saída é muito mais difícil de ser ultrapassada. De acordo com um dos responsáveis pelo estudo, Luis Felipe López-Calva, "é preciso atacar de maneira diferente cada tipo de pobreza".
O Banco Mundial reconhece que a atuação do governo brasileiro não se baseou na distinção entre pobres transitórios e pobres crônicos. No entanto, o estudo mostra que o País conseguiu reduzir a pobreza em todos os grupos definidos pela nova metodologia. Segundo López-Calva, isso foi possível graças à diversidade de estratégias de redução da pobreza, ao se utilizar de diferentes programas sociais, sem concentrar os esforços apenas no programa Bolsa Família, por exemplo. Em sua opinião, é impossível que uma sociedade consiga zerar a população pobre, mas deve batalhar pelo objetivo de eliminar a pobreza crônica.
Em situação de pobreza extrema - categoria que engloba as famílias que vivem com menos de R$ 70 mensais por pessoa e que não estão sob uma rede de proteção social (formada pelos componentes multidimensionais) -, o Brasil tinha 7% da população em 1999. Em 2011, o porcentual caiu para 2%. Queda similar foi observada no grupo "pobreza moderada", formado por quem tem uma situação monetária bastante precária, mas conta com o acesso aos fatores multidimensionais. Como reflexo da queda da pobreza, em 2011, o porcentual da população brasileira nesse grupo foi também de 2%.
O terceiro grupo é formado pelos "vulneráveis". É a situação inversa ao grupo "pobreza moderada", pois eles têm renda um pouco acima da linha de pobreza, mas não têm acesso aos componentes multidimensionais. Em 2011, 4% da população brasileira estava nesse grupo, metade do índice de 1999. Já "pobreza transitória" é a situação das pessoas que estão sem renda (desempregados temporários, por exemplo), mas continuam com acesso aos fatores multidimensionais, o que lhes permite sair mais facilmente da pobreza. Segundo o estudo, esse grupo teve uma redução de 25% nos 12 anos analisados. Atualmente, são 9% da população.
Como causas para essa redução expressiva da pobreza, o estudo lista o crescimento econômico, o aumento do emprego e da renda, bem como a expansão dos programas sociais. Alerta o governo brasileiro, no entanto, para a necessidade de não se contentar com o patamar alcançado. Para avançar, é necessário ter um conjunto de políticas públicas que enfrentem de maneira específica as vulnerabilidades dos diversos grupos da população pobre. Para tanto, não se deve confundir a ideia de que todo mundo deve ter direito a benefícios universais, que é correta, com a necessidade de que todos recebam as mesmas políticas. Todos os que estiverem na mesma situação devem ser tratados igualmente, mas é preciso distinguir cada situação. Para López-Calva, o principal instrumento é a educação. E, se o passo do aumento da escolaridade já foi dado, agora é preciso melhorar a qualidade das escolas. "Isso é bem mais difícil", pondera.
Reconhecer os acertos é uma questão de justiça. E também de prudência. Seja para avançar ainda mais, seja para não estragar o que já foi feito.