Outro destaque foram as prorrogações: no total, foram necessárias cinco em oitos disputas por uma vaga nas quartas de final do torneio
Apesar de a média de gols da Copa do Mundo ter caído após os oito confrontos das oitavas de final, emoção não faltou nas partidas que decidiram quais seleções continuam na briga pelo título - a proporção de gols por jogo caiu de 2,83 para 2,75, com 18 gols marcados na fase de mata-mata.
Pela primeira vez desde que as oitavas de final passaram a ser disputadas após uma fase inicial com grupos - a primeira edição em que isso ocorreu foi na Copa do México, em 1986 -, todos os líderes dos grupos avançaram às quartas de final. Brasil, Holanda, Colômbia, Costa Rica, França, Argentina, Alemanha e Bélgica confirmaram o favoritismo contra os segundos colocados e mantêm as chances de título.
Além disso, nunca uma Copa teve tantas prorrogações logo na primeira etapa eliminatória. O fato ocorreu em cinco dos oito jogos. Alemanha, Argentina, Bélgica bateram Argélia, Suíça e Estados Unidos, respectivamente, nos 30 minutos do tempo extra. Já Brasil e Costa Rica precisaram dos pênaltis para chegar à classificação. Com isso, a história das Copas soma 60 prorrogações, desde 1934. Em 1938, o Mundial da França também registrou cinco partidas com 120 minutos nas oitavas de final. Em 1990, foram quatro. No total, a competição disputada na Itália teve mais quatro prorrogações até a final.
DISPUTA
O continente americano bateu o recorde de representantes nas oitavas de final - foram oito seleções, contra seis da Europa e duas da África. Nas quartas de final, o número caiu para quatro seleções, com outras quatro europeias. No confronto direto entre os continentes, houve empate: a Argentina eliminou a Suíça e a Costa Rica passou pela Grécia. A Europa levou a melhor quando a Holanda bateu o México e a Bélgica derrotou os Estados Unidos. Com isso, as seleções europeias melhoram o desempenho em relação à Copa 2010. Na ocasião, três seleções disputaram uma vaga na semi (Espanha, Holanda e Alemanha). Uruguai, Argentina, Brasil, Paraguai e Gana também chegaram às quartas.
CRAQUES
Entre os destaques das equipes das quartas, Benzema é o maior finalizador, com 25 chutes a gol. Neymar, Messi e James Rodríguez têm 15 cada. Os atletas que mais correm em campo são Müller, Bryan Ruiz e Robben, com mais de 42 quilômetros acumulados.
Michel Foucault morreu em 25 de junho de 1984. Um giro no pensamento se iniciava - para alguns, a fase da subjetividade; para outros, da ética. Já com a morte anunciada, pediu que não publicassem escritos inacabados. Seu testamento é lei, mas novos escritos circulam a cada ano. São aulas, conferências ou entrevistas, aparições públicas em que as ideias já haviam circulado para fora do arquivo de seu gabinete. A coleção Ditos e Escritos reúne parte importante desse conjunto esparso de pronunciamentos. Aos que gostam de números, só nela há 364 textos. O mais recente livro é Mal Faire, Dire Vrai, ainda sem tradução para a língua portuguesa. A edição abrange seis aulas ministradas na Universidade de Louvain e enfrenta o tema da confissão para as práticas judiciárias: é traçada uma leitura original de Édipo Rei, tragédia em que nossas práticas de confissão e inquérito foram desenhadas. Nestes 30 anos, Foucault é um autor que publicou mais morto que vivo. Logo ele, cuja aula inaugural da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France foi a provocação “O que é um autor?”. Isso foi em 1970, quando ele tinha 44 anos.
Se há autores fortes que provocaram deslocamentos no pensamento contemporâneo, Foucault é um deles. Seu lugar é híbrido e liminar às práticas acadêmicas - nem mesmo ele sabia como se definir. Ou melhor, essa pergunta sobre identificações e autoridades disciplinares o cansava. Os historiadores gozam ao identificar equívocos documentais em seus relatos históricos, os filósofos se deliciam ao mostrar a fragilidade conceitual de seus escritos. Mas Foucault resistia às classificações. Em uma entrevista publicada em 1967, provocativamente intitulada Que É você, Professor Foucault?, ele se apresentou como um diagnosticador do presente: “Tento diagnosticar, fazer um diagnóstico do presente: dizer o que somos hoje e o que significa, hoje, dizer o que dizemos”.
Um diagnosticador do presente. O passado deve ser escavado para melhor pensar o presente. Mas ele também se imaginava como um diagnosticador do presente cujos livros deveriam ser como bombas. Sim, bombas. Os livros deveriam ser úteis no instante em que fossem escritos ou lidos, mas imediatamente destruídos. Após as explosões, não seríamos mais as mesmas pessoas - “os livros produziram bonitos fogos de artifício”, disse ele, mas nada além disso. Os historiadores no futuro apenas fariam referência aos livros como explosões, ou simplesmente pela beleza dos fogos que produziram. Mas não haveria adoração nem retorno aos evangelhos do já dito ou escrito. Foucault se irritava quando lhe mostravam incoerências em seus escritos: como iniciar o curso “O Poder Psiquiátrico” redescrevendo-se em relação à “História da Loucura”? Porque seu movimento na vida acadêmica seguia a ordem de seu pensamento - sempre em eterna mutação e sem retorno às origens. Nem mesmo às origens por ele instituídas em textos com sua assinatura.
Foucault é daqueles autores para ler e levantar a cabeça, uma alegoria de seu colega Roland Barthes para as obras que nos inquietam. Foi assim que admirei os fogos de artifício da pequena peça A Vida dos Homens Infames, um texto de 1977 que seria um prefácio de obra, mas ganhou estatura solitária. Homens infames são aqueles que passariam a vida sem o registro da história se não tivessem cruzado suas biografias com o poder. Em particular, com o poder judiciário ou policial. Os arquivos do poder registram breves notícias dessas vidas sob a inspiração da infâmia. Os homens infames passam a ser imortalizados pelo arquivo do poder que os noticia, em geral por malfeitos à ordem. Foucault teve adoração pelas notícias de homens infames em arquivos históricos: Pierre Rivière, o louco bandido cujo malfeito não foi pequeno, mas matricídio e fratricídio, e Herculine Barbin, a hermafrodita de corpo inoportuno, foram dois que alcançaram a permanência da história após seus livros.
Preciso confessar que os escritos de Foucault são mais do que breves fogos de artifício para mim - busco neles inspiração e conforto para o que ensino, escrevo ou penso. O efeito é bombástico e, ao contrário do fantasiado pelo criador, os livros não desaparecem de minha biblioteca. Ao contrário, só crescem em formatos, cores ou traduções. Isso me conforta, pois neles há palavras que exigem retorno. Foucault não nos autoriza encontros rápidos, mas permanentes aproximações. Entre o tempo do Grupo de Informações sobre Prisões, um coletivo de intelectuais e militantes formado para denunciar o que ocorria nas prisões francesas em finais dos anos 1960, em que Foucault foi um dos porta-vozes, e o hoje é que precisamos atualizá-lo como diagnosticador do presente. Seus escritos são atuais não só pela potência do diagnóstico, mas pelos enunciados de como pensar o real, em particular suas formas de poder, vigilância e táticas de governo.
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Débora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
Para especialista em sociologia do esporte, Copa no Brasil é um sucesso por ser ápice de um evento que une povos em torno de causas comuns
Andrei Netto
Em La Voie (O Caminho) o sociólogo Edgar Morin apontou um dos grandes paradoxos de nosso tempo. “A globalização”, diz ele, “é ao mesmo tempo o melhor e o pior.” Por melhor, entende-se a possibilidade de emergência de um novo mundo. Por pior, a possibilidade de autodestruição da humanidade. Em meio à incerteza do porvir, escreve o mestre francês, um fato é concreto: somos cada vez mais interdependentes e pertencemos a uma “comunidade de destino”. Morin não foi o primeiro a observar a formação dessas comunidades, mas um dos primeiros a diagnosticar sua reemergência no mundo de hoje. O termo designa uma espécie de cimento social que une indivíduos com vidas díspares em torno de um objetivo comum.
São essas “comunidades de destino”, segundo outro sociólogo, o alemão Albrecht Sonntag, que fazem o sucesso da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Para o especialista em sociologia do esporte, professor da Escola de Administração (Essca) de Angers e Paris e coordenador do projeto Football Research in an Enlarged Europe (Free), nós, torcedores, sofremos de certa esquizofrenia: somos pós-modernos, consumidores globalizados, hedonistas, mas também pré-modernos, arcaicos, sentimos a necessidade de estar juntos e compartilhar um mesmo objetivo.
Nesse sentido, a Copa tornou-se ao longo dos anos um símbolo de união capaz de superar as diferenças de classes sociais, de éticas ou religiões. “Grandes nações, para existirem, têm necessidade de se confortar sobre si mesmas de tempos em tempos por pulsões emocionais fortes”, diz Sonntag. “Temos a necessidade de dizer a nós mesmos que somos uma comunidade, que tem problemas, mas também vínculos. Chamo isso de metáfora da família.” Embora não considere a melhor de todos os tempos, Sonntag fala com paixão da Copa no Brasil. E, otimista, adverte: a grande imagem positiva que ficará para o mundo não é apenas a de um país que sabe apreciar o futebol, mas a de uma sociedade madura e democrática que, ao mesmo tempo, sabe se rebelar e pedir a seus governantes mais justiça social, mais igualdade e menos corrupção.
Por que o sr. diz que nós brasileiros podemos adorar a Copa sem receios?
Antes de mais nada porque é um espetáculo fascinante, bem organizado, que nos envia diretamente à infância - um formidável parêntese na vida cotidiana. A Copa tem sua dinâmica própria, seu poder emocional que domina o resto da atualidade - política, social - durante um mês. É claro que o Brasil é uma democracia imperfeita, como todas as outras, que a população brasileira e sua classe média têm boas razões para se revoltar contra certas práticas governamentais e econômicas, mas é necessário que nos concedamos uma pequena pausa para observar como o futebol consegue eclipsar o resto quando a competição começa. É notável.
Mas, depois de tanta efervescência social, essa entrega do Brasil à Copa não é ruim?
Essa é a razão pela qual eu pesquiso sobre o futebol há 15 anos. Esse jogo é especial - e, em alguns países, mais especial do que em outros. Vimos o mesmo na Alemanha em 2006, uma nação que vive em osmose em relação ao futebol e deve muito a ele no que diz respeito a sua coesão social. Trata-se de uma democracia que funciona melhor que a do Brasil - não é feio nem maldoso dizer isso - e também é um pouco menos corrompida. Mas a necessidade de coesão é exatamente a mesma.
Por quê?
Porque os símbolos que reúnem os alemães foram desnaturados, desvalorizados pelo nazismo. O hino nacional foi por 50 anos uma questão delicada. A bandeira, nós não usávamos. Não havia uma relação natural com a “comunidade de destino”. A Copa de 2006 criou esse símbolo nacional de substituição. O Brasil e a Alemanha são muito comparáveis em suas necessidades de se encontrar em torno do futebol. Se você observar a França, vai ver o mesmo. É uma democracia que funciona, um ótimo país para se viver. Mas há tendências de fragmentação do corpo social. Facilmente identificamos uma grande sede de “estar junto” por um lapso de tempo. A Copa do Mundo exerce esse papel.
E como entender a febre da Copa que os EUA parecem ter contraído também?
Os EUA, outra democracia que funciona bem, têm o mesmo problema que a Alemanha, a França ou o Brasil: são um monstro de 300 milhões de habitantes, fragmentado, com antagonismos incríveis. Sempre necessitaram ao longo de sua história de uma forte dose de nacionalismo a fim de existir. Muitos intelectuais, a começar por Tocqueville, compreenderam isso. É preciso preservar essa ideia de Estado-Nação sob a qual repousam os países. Por isso, o soccer entra cada vez mais no imaginário americano. E, neste ano, eles têm uma equipe bem simpática, com um treinador carismático, simbólico por ser um imigrante que sente pertencer ao país. Mas não sei se isso terá impacto duradouro.
A Fifa é o mal ou só um bode expiatório?
A Fifa é um bode expiatório, sem dúvida. Pediu oito estádios, e o governo brasileiro quis 12, por exemplo. Não podemos culpá-la por isso. Logo, a Fifa é um bode expiatório, ainda que ela mereça. É a Copa do Mundo em si que reúne características que a transformam em um símbolo ideal e justificado para manifestações de ordem social. Em primeiro lugar, ela cria uma visibilidade extraordinária: todo mundo fez reportagens sobre as manifestações no Brasil, tremendamente justificadas, que ganharam uma amplitude mundial. Foi um palco de teatro extraordinário. Além disso, a Copa permite expressar melhor o que se quer dizer. É o país do futebol que está protestando contra a Copa, ora!
Qual é o impacto real de uma Copa?
A Copa do Mundo é um luxo. Mas se diz que não há outro evento que provoque um efeito econômico e de visibilidade tão positivo para um país. Isso é falso. Às vezes é possível limitar os prejuízos, como aconteceu na Alemanha, onde os estádios acabaram sendo bem aproveitados, por exemplo. Não será o caso da Arena de Manaus. Na Rússia, em 2018, serão gastos milhões e milhões e vai ser uma piada. Mas a Rússia não é uma democracia, logo não haverá protestos. No Catar, a mesma coisa. Em geral, a Copa do Mundo é um escândalo, algo desmesurado por natureza. Ela faz desaparecer dinheiro que pode ser utilizado de outra forma. Na Alemanha tudo bem, porque o país tem dinheiro. No Brasil, convenhamos, há outras coisas a fazer em Manaus do que construir um estádio. Logo, as manifestações no Brasil são justificadas, corretas, e tiveram bom efeito, porque hoje o mundo inteiro está por dentro. Fazer coisas impróprias em um país fechado é muito mais fácil do que em uma democracia aberta, como o Brasil.
Essa rebeldia fez do Brasil um ponto de não retorno na história das Copas?
A resposta é sim, sem dúvida. O Brasil é um ponto de não retorno em direção a mais responsabilidade, mais abertura, mais transparência. E não acabou, tenho certeza. No seio da própria Fifa, aposto que eles mordem os dedos por terem decidido muito cedo e muito rápido a realização da Copa na Rússia, em 2018, e no Catar, em 2022.
Seu colega David Ranc, pesquisador do esporte, escreveu um artigo dizendo que a Copa no Brasil é mais organizada que os Jogos Olímpicos em Londres. É isso mesmo?
Ranc é um colega que trabalha na sociologia do esporte, viveu em Londres e viajou muito ao Brasil. Ele defende que os europeus devem mudar de atitude em relação aos países emergentes e em vias de desenvolvimento. Nós continuamos a dizer que sabemos fazer e os outros estão aprendendo. Não é verdade, quando observarmos os enormes erros orçamentários, de organização e de segurança, erros banais, cometidos na Olimpíada de Londres. Meu colega tem razão quando diz que o velho conceito orientalista que dizia que o Ocidente faz uma ideia condescendente do que é o Oriente hoje tem uma nova tradução: o Norte faz uma ideia condescendente do que o Sul é hoje.
Qual será a imagem do País pós-Mundial?
O Brasil ganhará em imagem, pouco importa o resultado. E vai ganhar em imagem por causa das manifestações. Para o mundo, o Brasil é um país onde manifestantes, a maioria pacíficos, defendem ideias justas: justiça social, igualdade de oportunidades, fim da corrupção, etc. Ou seja: é uma democracia que chega a sua maturidade, alcançada por sua população, o que é formidável. Sabíamos que o Brasil era ótimo em fazer festa, e não precisávamos da Copa para saber disso. Hoje, constatamos que é também uma democracia que vive de um pluralismo de ideias essencial. O que falta à Rússia, por exemplo.
Quem deve ganhar a Copa?
Vou dizer uma coisa que vai surpreendê-lo: a melhor coisa que pode acontecer ao Brasil será não vencer a Copa do Mundo.
Você diz isso porque é alemão!
Não, não é isso. O Brasil não precisa de uma sexta estrela na camisa para ser reconhecido para toda a eternidade como o país do futebol. Isso, todo mundo já entendeu. Disputamos o segundo lugar, porque o primeiro é de vocês, de verdade. O que seria interessante é que, se vocês perderem nos jogos eliminatórios, ainda sobrarão tantos outros jogos na Copa. E aí veremos se vocês amam a seleção brasileira ou se, mais ainda, vocês amam o futebol. Eu creio que vocês amam o futebol. Nesse caso, continuarão a fazer a festa, e essa mensagem jamais será esquecida.
E quem é o favorito para a conquista?
Hum… O Brasil pode ser conduzido por uma onda de euforia, mesmo que não esteja muito convincente dentro do campo até aqui. A Argentina - ou melhor, Messi e mais 10 - podem chegar. Se a Holanda continuar nessa batida, pode ir muito longe. E a Alemanha dá a impressão de que ainda tem muita potência escondida sob o capô. Considero essa Copa genial porque tudo pode acontecer.
Essa é mesmo a Copa das Copas?
A melhor Copa do Mundo é aquela que descobrimos quando crianças. Depende da idade de quem responde. A melhor para mim foi - e é - a do México, em 1970. Descobríamos a TV em cores, tivemos uma semifinal incrível entre Alemanha e Itália. Foi um torneio com modelo compacto de três semanas e 16 equipes, coroada por Pelé como o rei. Tudo foi reunido para que o México 1970 fosse a Copa do Mundo. Mas em termos de qualidade do jogo, a Copa de 2014 é seguramente melhor do que as últimas quatro.
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Albrecht Sonntag é sociólogo da Escola Superior de Ciências Comerciais de Angers (França)