quinta-feira, 19 de junho de 2014

Por que um PIB bem maior - ROBERTO MACEDO

O ESTADO DE S.PAULO - 19/06

Este artigo é sobre algo que deveria ser óbvio, ao menos para economistas. Mas vi até uma conhecida economista menosprezando o crescimento do produto interno bruto (PIB), a professora Maria da Conceição Tavares.

Em artigo recente, A Era das Distopias, que pode ser encontrado pelo Google, ela disse: "Na verdade, se o PIB é 'pibinho' ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases. E também é sempre importante olhar os investimentos". Desta última frase não discordo. E numa entrevista ao jornal O Globo (14/3) também afirmou: "Ninguém come PIB, come alimentos".

Para aferir o grau de desenvolvimento econômico de um país o que conta é o PIB per capita, ou por habitante. O do Brasil deixa-nos no meio da corrida mundial por esse desenvolvimento, na qual se empenha a esmagadora maioria dos países.

Para prosseguir, tomarei dois países para mostrar diferenças de grandeza econômica, recorrendo a dados de 2012 do Banco Mundial (BM), os últimos disponíveis nessa fonte. O Brasil, que o BM classifica com de "renda média alta", mostrava então um PIB total de US$ 2,253 trilhões, e 198,7 milhões de habitantes, com o que seu PIB por habitante era de US$ 11.339. O Reino Unido (RU), que engloba Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, considerado pelo BM como de alta renda, tinha então um PIB total de US$ 2,476 trilhões, bem próximo do brasileiro, mas uma população de 63,6 milhões, ou cerca de um terço da nossa, e assim um PIB por habitante de US$ 38.931, perto de 3,5 vezes o do Brasil (!).

Não nos podemos conformar com essa diferença, e como o RU e outros ricos seguirão em frente, o Brasil precisa acelerar bastante o seu PIB para encurtá-la. Um PIB por habitante bem maior levaria os brasileiros a um padrão de vida médio bem superior ao atual. Sei de um economista brasileiro que viveu um ano no RU (Inglaterra) e relatou que lá, entre outros aspectos, as condições de educação, segurança e saúde eram muitíssimo melhores que as nossas. E não ficou só olhando. Embora estrangeiro, uma de suas filhas ingressou no ensino fundamental de uma excelente escola pública gratuita, em tempo integral. Para facilitar a adaptação da nova aluna à língua inglesa ela teve um professor para tutorá-la individualmente. Outra filha dele nasceu lá, num hospital do Serviço Nacional de Saúde do país, e por um mês houve várias visitas de enfermeiras à sua residência para examinar a criança e saber se vivia em boas condições. Na área da segurança ele ficou só olhando, mas sem a apreensão com que se vive no Brasil.

Com o PIB, a população e a carga tributária que o Brasil tem, não há como ele oferecer serviços públicos desse nível. Assim, predomina em vários círculos a visão de que faltam recursos para isto ou aquilo, o que poderia ser efetivamente melhorado se aumentadas as porcentagens da receita pública ou do PIB destinadas a este ou àquele serviço.

Por exemplo, o Congresso Nacional aprovou recentemente um Plano Nacional de Educação que tem como meta principal elevar o gasto público total em educação dos atuais 6% para 10% do PIB em dez anos. E há o Movimento Saúde + 10, que pressiona o Congresso a elevar o dispêndio do governo federal em saúde para um montante igual ou superior a 10% de suas receitas correntes brutas.

Com propostas desse tipo se vende a ilusão de que poderão resolver nossos problemas. Muitas vezes não se explicita de onde virá o dinheiro, mas o existente já está curto e há outros interessados a gritar "me dá (mais) um dinheiro aí", como empresários, juízes, professores, policiais, Estados e municípios. Na educação a aposta é no dinheiro que viria do pré-sal, que também não vejo suficiente, além depender de outra hipótese: a de que ele saia lá do fundo do fundo do mar e seja eficazmente utilizado.

O que ainda sustenta a reduzida expansão dos serviços públicos vem das taxinhas do PIB e do contínuo aumento da já enorme carga tributária que sobre ele incide. Em 2012 estava bem perto de 36% do PIB, o mesmo ocorrendo com a carga tributária do RU.

No Brasil, essa semelhança de carga tem levado a uma percepção enganosa. Ela é sintetizada na visão de um país imaginário que poderia ser chamado de Runganda, com carga tributária do RU e serviços públicos de Gana.

Ora, com um pouco de reflexão se percebe que, além do PIB, é indispensável levar em conta o tamanho da população dos países comparados. Ou seja, calcular quanto seus governos arrecadam por habitante e têm ao seu dispor para prover serviços públicos. Voltando aos números, como foi visto o Brasil e o RU têm PIBs totais de valor aproximado e sobre estes incidem cargas tributárias de porcentagem semelhante.

Mas, calculando essa carga de 36% sobre o PIB por habitante, em 2012 o setor público do RU contava com US$ 14.015 por habitante, enquanto o Brasil dispunha de apenas US$ 4.082. Em reais à taxa comercial de ontem, R$ 31.632 e R$ 9.213 respectivamente. Uma enorme diferença, que explica os melhores serviços públicos providos pelo RU.

Em conclusão, o povo brasileiro não come os números do PIB, mas come uma fatia dele em alimentação, recorre à do vestuário e faz uso dos serviços de saúde, educação e transporte - entre outras fatias.

Assim, há muito, muitíssimo que fazer pelo PIB brasileiro. Enquanto não crescer a taxas dignas das necessidades de seus habitantes o Brasil continuará nessa ilusória classe média alta, que só é alta quando se miram os países que estão lá muito abaixo do nosso, que ainda é bem pobre se comparado com os que permanecem por cima, como o RU. Estes são os que devemos mirar e correr mais rápido para alcançá-los, ou pelo menos para não ficarmos, como hoje, tão distantes deles.

O miolo vazio da onda de consumismo, por MARCO ANTONIO ROCHA

O ESTADO DE S.PAULO - 19/06


Como é possível, ao governo, melhorar ainda mais rapidamente as coisas, depois de elas já terem melhorado bastante, num governo anterior?

A resposta é simples e ao mesmo tempo inútil: basta fazer muito mais do mesmo.

Simples, pois o que deu certo não deve mudar. Inútil, como a presidente Dilma está percebendo: o governo dela tem feito bem mais do mesmo do Lula. Mas as coisas estão piorando, em vez de melhorar ainda mais.

Para o ex-presidente, é porque Dilma está gastando pouco. Num seminário em Porto Alegre, promovido pelo jornal El País, com Dilma presente, ele deu a receita: "Se depender do pensamento do Arno (Agustin) você não faz nada. Não é por maldade dele, não. A nossa tesoureira em casa é a nossa mulher e também é assim. Elas não querem gastar, só querem guardar, mas tem que gastar um pouco também", disse Lula.

O Arno é o secretário do Tesouro. Será que gasta pouco? Só o que o Tesouro tem desperdiçado com o BNDES já encheria uma biblioteca.

Mas a visão de Lula sobre a economia não vai além de São Bernardo e da cesta de compras de dona Marisa. Aceitemos pois essa brilhante tese: é preciso gastar mais para irrigar a economia com dinheiro vivo e o povo poder consumir mais.

Essa foi a doutrina no mandato Lula. E, de fato, permitiu que o povo consumisse mais. Ele apostou - mesmo que não soubesse direito o que fazia - no consumer side da economia. Uma espécie de reaganomics (do ex-presidente Ronald Reagan, dos EUA). Só que muito estabanada, porque Reagan apostou foi no supply side da economia, na oferta. Reduzindo impostos e taxas de juros, as empresas produziriam mais a menores preços, criariam mais empregos e mais salários, os assalariados comprariam mais e a demanda aumentada puxaria a oferta.

Lula aumentou a renda da população como todo mundo constatou. O pobre ficou menos pobre, ou até mais rico, em certos casos, como reza a propaganda oficial. Em parte, é verdade. Houve um processo de emergência socioeconômica, com o povo comprando casas, comprando carros, comprando eletrodomésticos, cuidando melhor da saúde, procurando melhores escolas para os filhos, trocando o ônibus e o trem pelo avião nas suas viagens: "Os aeroportos viraram estações rodoviárias", disse alegremente a presidente Dilma. Também é verdade, em parte, embora quem já viajasse de avião não tenha gostado muito disso. A "elite" não gostou muito, diz Lula, na sua campanha permanente contra as classes altas, às quais ele atribui os males brasileiros.

Mas isso tudo foi muito bom, num primeiro momento. Reconheçamos. Para o povo em geral e para as empresas. A indústria vendeu mais, importou mais, o comércio vendeu mais, os serviços se expandiram. E o emprego também.

Só que na economia, como na física, a toda ação corresponde uma reação igual e contrária. Ou, numa linguagem apropriada ao Lula, tudo o que sobe tem de descer.

Estamos na descida. Não há dúvida. A indústria automobilística explodiu, pois quem não tinha carro pôde comprar seu primeiro carro, usado ou novo. Só que não vai comprar carro, de novo, todos os anos. Quem comprou geladeiras, máquinas de lavar, móveis, casas, etc., não vai comprar de novo todos os anos.

Enfim, quem estava carente de bens procurou suprir essa carência. E supriu em grande parte. As novas classes sociais emergentes, enfim... emergiram! Ingressaram nos estamentos inferiores da velha classe média e, em boa medida, estão felizes. Agora pensam em poupar, não só para pagar os bens adquiridos, inclusive casas, como para garantir melhor os filhos e a aposentadoria.

Era previsível que a "onda" de bem-estar lulista perdesse embalo. A base de continuidade desse processo seria o aumento dos investimentos, privados e públicos. Não houve. A doutrina do consumismo exibe agora o seu miolo vazio.

Precisa ficar rico? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O GLOBO - 19/06

Embora seja o quarto mercado em tamanho, o carro brasileiro vai lá para trás quando de trata de produto competitivo


As vendas de automóveis caíram neste ano. Ainda assim, o Brasil disputa com a Alemanha a posição de quarto mercado mundial de veículos. China (20 milhões/ano) e EUA (15 milhões) estão lá na frente. Depois vem o Japão, com produção superior a seis milhões e, pronto, logo chega o Brasil, na casa de 3,8 milhões de unidades produzidas e consumidas em 2013. Alemanha e Índia estão logo ali, na cola, mas reparem: aqui se produzem muito mais carros do que na Inglaterra, França, Itália e Coreia do Sul.

Em economia, tamanho é documento. E isso explica por que as grandes montadoras globais estão todas aqui. Os executivos sempre reclamam da dificuldade para se fazer negócio no país, queixam-se das normas tributárias, trabalhistas e ambientais, estão sempre pedindo (e conseguindo) ajuda do governo. E continuam investindo. Não podem ficar de fora de um mercado que é quase 5% do global.

Isso vale para os demais setores. Por exemplo: celulares. Chegamos aqui aos 280 milhões de linhas, de novo entre os cinco maiores mercados do mundo. Computadores? Terceiro ou quarto. Cerveja? Ali entre os cinco primeiros.

Muita gente acha que assim já está mais que bom. O Brasil é grandão, coloca-se entre as dez maiores economias do planeta, grande mercado interno, o pessoal tem que vir aqui para produzir e vender, certo?

Errado.

Na verdade, é um atraso pensar assim. Pode-se produzir aqui uma carroça ou um carrão, um modelo velho ou uma inovação gerada localmente. Pode-se ainda ficar limitado ao mercado local ou ganhar o mundo. E o Brasil está se isolando.

Há alguns anos, as empresas chinesas, estatais e privadas, colocaram-se um desafio: tornarem-se globais. Ora, não haverá maior mercado interno que o chinês, já grande e com enorme capacidade de expansão. Ou, perguntando de outro modo: se eles já dispõem lá de um mercado próximo dos 20 milhões de carros, por que querem disputar um pedaço dos nossos 3,8 milhões?

Porque não há progresso sem globalização — ou internacionalização, se não gostarem da outra palavra.

A demanda traz a oferta, o mercado traz o produto. Mas a qualidade da oferta, a boa qualidade, depende de uma economia aberta, exportadora e importadora, com um ambiente favorável aos negócios privados. Não custa repetir: o que gera riqueza não é o governo, mas o investimento privado.

Ou seja, embora seja o quarto mercado em tamanho, o carro brasileiro vai lá para trás quando de trata de produto competitivo. Além do Brasil, só se vende carro brasileiro na Argentina, cuja indústria, além de menor, é até mais atrasada.

Mas por que estamos falando disso? Porque a gente deveria buscar “padrão Fifa” para tudo, de estádios a automóveis e celulares. Quando se diz que já está bom o “padrão Brasil”, que não tem nada de mais oferecer aos torcedores um aeroporto ou metrô lotado e fazê-los caminhar uns poucos quilômetros — isso é conformar-se com a segunda classe.

O que queremos? Ser um país rico, uma sociedade afluente, ou está bom do que jeito que está?

Dizem que isso é reclamação da elite. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma diz que um dos grandes avanços do país, um sinal de progresso, é a presença das classes C e D nos voos nacionais e internacionais.

Ora, por que esse pessoal, que trabalha pesado, não merece ou precisa de aeroportos classe A? Quando se diz que não precisamos de “padrão Fifa”, é como dizer: caramba, essa gente já escapou das rodoviárias e já está nos aeroportos. O que querem mais?

Ou ainda: já estão de carro, o que querem, uma Mercedes?

E mais: já têm celular, o que queriam — que a linha não caísse nunca?

O problema não é o aeroporto parecer uma rodoviária. O problema é que as rodoviárias não servem corretamente à população.

Dizer que o atual padrão brasileiro é o suficiente equivale a reconhecer a incapacidade de produzir um país rico. Ora, por que não podemos querer mais?

Ajuda

Parece que a indústria automobilística vai levar mais uma ajuda do governo. Parece também que o governo não vai colocar nenhuma condição séria em troca. O que seria condição séria? Por exemplo: produzir carros que sejam competitivos nos EUA e na Europa.

Impossível nas condições atuais do ambiente de negócios?

Impossível.

Mas as condições podem ser mudadas, não podem?