Quem acompanha o noticiário pela televisão, em especial o da TV Globo, certamente já se impressionou com o predomínio de notícias sobre violência, corrupção, tragédias, acidentes, declínio econômico, aumento de preços, congestionamentos e por aí vai. A lista de mazelas públicas e privadas exibida pelo menos quatro vezes ao dia nos telejornais poderia ser ampliada ainda mais dando margem a duas suposições: os editores e repórteres passaram a ver apenas um lado da realidade ou então existe uma predeterminação para que o pessimismo também contamine a população, pelo menos até as eleições.
Meu colega Luciano Martins Costa já abordou a agenda pessimista da imprensa a partir das manchetes dos grandes jornais brasileiros. Suas análises deixam claro que, deliberadamente ou não, existe uma tendência a priorizar o negativo seja por questões políticas ou para explorar o voyeurismo e morbidez para vender jornais. Pretendo ir um pouco além para explorar a atitude de repórteres e editores diante desta tendência.
É claro que a alternativa de só dar notícias boas, como ocorria na imprensa durante o regime militar, é tão equivocada quanto só dar as ruins. Não se trata de fazer uma escolha, mas de ter em mente que a sociedade em que vivemos é complexa, dinâmica e diversificada. Às vezes com um pouco mais de otimismo, noutras de pessimismo. É impossível um equilíbrio estático e não há uma fórmula única para avaliar os dados do dia a dia. O desafio do jornalista é achar a dose certa.
É aí que reside a especificidade da profissão. A principal função do jornalismo é a prestação de serviços de interesse público mediante a produção de notícias capazes de gerar debate e, com isso, ampliar o conhecimento coletivo e individual. O noticiário ocupa neste cenário um papel fundamental, pois é ele que alimenta a reflexão entre as pessoas e, consequentemente, as suas decisões.
Produzir pessimismo é uma forma de induzir a decisões equivocadas porque todo mundo sabe que o quotidiano é feito de coisas ruins e coisas boas. Logo, a ênfase no negativismo, ou no ufanismo, é um sinônimo de mau jornalismo porque ignora a realidade social e engana o público ao lhe fornecer um quadro distorcido do mundo em que vivemos.
Também não se trata de adotar uma estratégia salomônica: dar uma notícia ruim e outra boa. É uma técnica ultrapassada porque a realidade é dinâmica e não adianta querer transmitir uma ideia de equilíbrio porque a mudança é permanente. Os extremos (pessimismo ou ufanismo) são mais confortáveis porque o jornalista não precisa viver a dúvida permanente se está ou não levando em conta os demais dados da realidade. Mas podem ser um erro fatal se considerarmos a sua credibilidade pública.
Para manter uma sintonia mínima com a dinâmica social, os profissionais da imprensa não têm outra alternativa senão pesquisar, duvidar, conferir e compartilhar dados, informações e conhecimentos. Isso toma tempo, o que gera um conflito inevitável com o ritmo industrial de produção jornalística adotada pelas empresas de comunicação. É aí que possivelmente reside uma das causas da atual distorção do noticiário oferecido ao público.
Uma consequência prática, fácil de perceber entre telespectadores, especialmente nas grandes cidades, é o crescente ceticismo em relação ao noticiário. As pessoas começam a mostrar cansaço em relação à insistência na ênfase negativista. Não há uma rejeição clara dos números, fatos ou eventos transmitidos, o que revelaria uma atitude proativa, mas uma tendência a não levá-los em conta como elemento essencial para a tomada de decisões. As pessoas consultam cada vez mais parentes, amigos e as redes sociais na hora de fazer uma opção.
As pessoas também se queixam que a imprensa costuma omitir nomes e marcas envolvidos em questões polêmicas. A atitude é uma compreensível precaução preventiva de empresas e profissionais contra ações judiciais dos suspeitos, mas o público acaba ficando diante de uma situação difícil: duvidar de tudo ou especular sobre o que não foi revelado. Nem uma nem outra opção atendem às necessidades dos leitores, ouvintes, telespectadores ou internautas.
O resultado é o distanciamento crescente entre as pessoas e a imprensa, que passa a ser vista cada vez mais como uma distração ou voyeurismo social, em vez de ser, prioritariamente, um fator de geração de conhecimento coletivo e individual voltado para a consolidação de relações comunitárias.