segunda-feira, 18 de março de 2013

'COMISSÃO VAI REVELAR CADEIAS DE COMANDO, DE GENERAL A TORTURADOR'



Mas sigilo será mantido por ora, diz atual coordenador da Comissão da Verdade

17 de março de 2013 | 2h 05
VANNILDO MENDES / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
Instalada em maio de 2012 para investigar as violações de direitos humanos no Brasil entre 1946 e 1988, a Comissão Nacional da Verdade fechou um calendário de 250 depoimentos a serem colhidos nos próximos três meses, dois dos quais sob comando do sociólogo e pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro. Estão na lista vítimas, testemunhas e autores de assassinatos e torturas durante o regime militar (1964-1985). Nesta entrevista ao Estado, o coordenador da comissão - cujo mandato vai até 16 de maio - diz que o trabalho não se limitará a apurar a autoria material dos crimes. "Vamos levantar toda a cadeia de comando, desde o general presidente ao torturador que utilizava o pau de arara."
Pinheiro afirma, porém, que não pretende dar, no momento, publicidade a eventuais descobertas. "Isso é perturbar o trabalho dos investigadores", diz ele, numa clara contraposição a seu antecessor na comissão, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. "Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus", diz Pinheiro, segundo quem as informações a partir de agora só serão tornadas públicas após a entrega do relatório final da comissão à presidente Dilma Rousseff, em maio de 2014.
Limitada pela Lei de Anistia, a comissão não pode punir, processar agentes da ditadura envolvidos em crimes. Para que serve a comissão, então?
Nenhuma das comissões da verdade que existiram no mundo depois da primeira - em Uganda (1974) - teve caráter de tribunal, nem de órgão do Ministério Público. Elas surgiram no nosso continente depois do processo de transição das ditaduras militares. O que se vê na Argentina hoje (antigos mandatários do governo no banco dos réus) aconteceu depois da Comissão Nacional de Desaparecidos, que foi a mãe das comissões da verdade na América do Sul, dirigida por (Ernesto) Sabato entre 1983 e 84. Nenhuma comissão pune nem emite sentença. Não somos um tribunal. A nossa comissão, inclusive, tem mais poderes do que várias no mundo e no Cone Sul.
Quais são esses poderes?
Temos acesso a todos os arquivos, sem limitação de sigilo. Podemos convocar qualquer cidadão brasileiro, civil ou militar. Se os convocados não comparecem, caem num tipo penal que cabe ao Ministério Público investigar. Nós não vamos punir porque nenhuma comissão da verdade puniu. A lei é muito precisa nos tipos de crime que podemos investigar: detenção arbitrária, desaparecimento, tortura e assassinatos, sem os constrangimentos que a Lei da Anistia impõe à jurisdição penal dos tribunais.
A Lei da Anistia não é limitadora?
Não ajuda nem atrapalha. O que importa é que a compreensão dos fatos desse período no Brasil vai ser diferente após a comissão. Será dividida em antes e depois do nosso relatório final.
Qual o foco agora dos trabalhos?
As comissões da verdade têm uma centralidade nas vítimas e suas famílias. Conhecer a verdade é fundamental primeiro para as famílias das vítimas; segundo para ir além de uma visão ideologizada, não compatível com a realidade do período ditatorial. Como até hoje quase nenhum responsável pelos crimes foi sequer nomeado, então a comissão terá um trabalho extraordinário.
Se o objetivo básico é revelar a verdade, por que tomar depoimentos em sigilo, proteger os autores?
Tudo vai estar no relatório final. Tenho certeza de que a comissão vai revelar as cadeias de comando, algo que jamais foi explicitado na história brasileira. Cadeias de comando que iam desde o general presidente até o torturador que usava o pau de arara.
Por que não divulgar os nomes assim que eles são descobertos?
Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus. Nós não temos esse banquinho, não temos essa encenação do tribunal. E não dá para fazer isso a conta-gotas. Isso é perturbar nosso trabalho.
Mas a opinião pública não tem o direito de acompanhar?
Não estamos trabalhando em segredo. Não tem segredo nenhum. Temos um site razoável, com transparência e temos atividades públicas a todo momento. Agora, revelar a todo instante, não. Agora mesmo estamos investigando o caso de três torturadores, mas tem os outros da cadeia de comando. Eles têm que revelar os nomes. E não vamos ficar revelando a cada momento o que vamos fazer.
Os órgãos militares de inteligência entregaram o que foi pedido ou boicotam a comissão?
Hoje há no Arquivo Nacional 16 milhões de páginas. Por volta de 40% estão digitalizadas. Sem digitalização a gente não tem como ler. É preciso o robozinho que lê 20 mil páginas por minuto para os cruzamentos. No que diz respeito aos órgãos de informação temos uma parte importante, mas há materiais faltando. Se ficarmos nesse debate - se queimou ou não queimou (arquivos militares) -, a gente não vai a lugar nenhum. Na hora que julgarmos adequada, se nossas demandas forem satisfeitas ou não, revelaremos. Mas agora o que temos é o apoio total do Ministério da Defesa e um diálogo construtivo com os comandantes militares.
A comissão tem sofrido pressões do governo ou de militares?
Só encontrei a presidente (Dilma) três vezes. A indicação dela é a seguinte: nenhum funcionário do governo tem que se intrometer na comissão. Vamos fazer um ano (de trabalho) e não vi nenhum funcionário dar palpite na comissão. Ao contrário - ela disse - todos têm de ajudar e para ela isso é prioridade. O ano de 2013 é o ano da Comissão da Verdade.

Falta de alternativas para escoar safra provoca gargalo em portos brasileiros


RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
A falta de rotas alternativas para escoar a safra agrícola criou uma forte concentração no sistema portuário. Sem ferrovias e hidrovias suficientes e com estradas em péssimas condições, quase dois terços dos grãos exportados acabam indo para Santos e Paranaguá. O restante é dividido entre 16 terminais espalhados pela costa, especialmente entre aqueles instalados nas regiões Sul e Sudeste, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Se, em situações normais, essa dependência já não é saudável, num cenário de produção recorde, os problemas dobram. Os acessos terrestres da maioria dos portos não estão preparados para receber uma quantidade tão grande de grãos como a prevista para este ano.
Foi o que se viu em Santos nos últimos dias, com filas que ultrapassaram 25 km na Cônego Domênico Rangoni, que dá acesso ao porto. Enquanto os motoristas ficavam horas estacionados na rodovia sem conseguir chegar ao terminal, os navios permaneciam parados no mar sem poder atracar por falta de carga para carregar. Até sexta-feira, eram 76 navios na barra de Santos.
O problema é agravado pela baixa participação das ferrovias no transporte de cargas. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), 55% da soja produzida no Brasil é movimentada em caminhões; 35% por ferrovia; e apenas 10% por hidrovia. Ou seja, a cada tonelada de aumento na safra, o número de caminhões também cresce nas estradas.
Parte dos grãos colhidos em Sorriso (MT), o maior produtor de soja do País, percorre 2.029 km para chegar a Santos. Se a BR-163, inaugurada em 1976, estivesse pavimentada, o caminho seria, pelo menos, 700 km mais curto - e, sem dúvida, mais barato. A situação de Sinop é ainda pior. São quase 1.000 km a mais por causa das restrições da rodovia. Neste ano, uma fatia da produção será desviada para o Porto de Rio Grande - distante mais de 2.800 km dos municípios.
A exportação das duas cidades - assim como a de todo Centro-Oeste - também seria beneficiada se o Brasil tivesse uma malha mais robusta de ferrovias e hidrovias que permitisse escoar a produção pelos portos do Norte. A rota é mais vantajosa financeiramente já que está mais próxima dos Estados Unidos, da Europa e do Canal do Panamá (passagem para as cargas rumo a China).
Apesar disso, no ano passado, os terminais de Itaqui (MA), Itacoatiara (AM) e Santarém (PA) movimentaram apenas 14% dos grãos exportados, segundo os dados da Antaq. O coordenador do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, Edeon Vaz Ferreira, explica que problemas não faltam para limitar a exportação pelo Norte. Um deles é a limitação da capacidade da hidrovia que leva os grãos até Itacoatiara e Santarém. Isso sem contar na BR-163 que praticamente inviabiliza o tráfego de caminhões.
Para chegar ao porto de Itaqui, há a ferrovia Norte-Sul, que opera a partir de Palmas. "Cerca de 800 toneladas de soja do Mato Grosso são transportadas pela ferrovia. O problema é a precariedade da estrada (BR-158) para chegar até ela." Além disso, o terminal de grãos de Itaqui demorou muito para ser construído.
Mas quem pensa que a rota para os portos do Sul e Sudeste não tem restrições engana-se. Há uma série de pontos de estrangulamento, diz Ferreira. Segundo ele, as passagens por Cuiabá e Rondonópolis, por exemplo, têm sido uma tormenta para os motoristas. Para atravessar uma ponte de apenas 28 km em Cuiabá demora-se mais de três horas.
Tormenta. "A taxa recorde de produção de soja e milho, que deveria ser festejada, tem tirado o sono de todo mundo já que todos os elos da cadeia logística se esgotaram", diz o gerente de economia da Abiove, Daniel Furlan Amaral. Ele observa que de cinco anos pra cá, a safra de grãos saltou de 135 milhões de toneladas para 185 milhões de toneladas. "Mas o que ocorreu durante esse tempo na infraestrutura? Não vemos grandes avanços."
Desde o ano passado, a presidente Dilma Rousseff anunciou uma série de pacotes para eliminar os gargalos da infraestrutura. Mas os modelos de negócios estão sendo revistos. No caso dos portos, a MP 595 ainda terá de ser aprovada pelo Congresso.

Caminhões chegam juntos e causam congestionamentos

17 de março de 2013 | 2h 05
O Estado de S.Paulo
As últimas semanas têm sido traumáticas para os motoristas que precisam descarregar no Porto de Santos. São horas e horas parados na Rodovia Cônego Domênico Rangoni, que dá acesso aos terminais de grãos da margem esquerda, no Guarujá.
O diretor de desenvolvimento comercial da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Carlos Kopittke, explica que o problema verificado nos últimos dias não está associado à falta de capacidade dos terminais. "Fizemos uma série de reuniões para entender o que está ocorrendo e verificamos que vários terminais estão operando abaixo da capacidade pois os caminhões não conseguem chegar até o local de descarregamento." Segundo o executivo, a combinação de safra recorde, rodovias deficientes e a nova regra que limita o tempo do caminhoneiro no volante, provocou forte concentração de caminhões chegando de uma única vez no porto - atrapalhando todo o agendamento feito pelos terminais.
"O problema é que a rodovia não está preparada para suportar todo esse tráfego de caminhões e também de veículos comuns", disse o executivo. / R.P.



domingo, 17 de março de 2013

Caos nos portos não tem prazo para acabar


RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
O cenário de caos verificado no Porto de Santos nas últimas semanas não tem uma solução de curto prazo. Para eliminar os gargalos, os governos federal e estadual precisam trabalhar em conjunto na elaboração de um grande projeto de ampliação das vias de acesso terrestre. Caso contrário, filas como as que têm se formado na Rodovia Cônego Domênico Rangoni apenas irão piorar com a construção de novos terminais e aumento da movimentação no porto.
"As vias de acesso precisam ser revistas em ambas as margens (esquerda, no Guarujá, e direita, em Santos). Não adianta fazer uma dragagem de aprofundamento para atender navios maiores se os acessos de chegada ao porto estiverem estrangulados", avalia o diretor de desenvolvimento comercial da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Carlos Kopittke. Segundo ele, o governo estadual tem estudado algumas alternativas de acesso, como a construção de viadutos, trevos e novas faixas de rolamento.
Mas esse tipo de iniciativa demora tempo para dar resultado por causa dos atrasos nas obras. Na avaliação de especialistas, enquanto os grandes investimentos não saem do papel, é preciso tomar medidas paliativas que consigam, ao menos, amenizar a situação da atual safra.
Uma das alternativas seria criar um sistema mais eficiente para recebimento da carga, a exemplo do que foi adotado em Paranaguá, destaca o diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sergio Mendes.
Ele lembra que até bem pouco tempo era o porto paranaense que sofria com as enormes filas nas rodovias de acesso. Hoje o problema está bem controlado. Por isso, o Ministério dos Transportes quer verificar o sistema de Paranaguá para ver se ele se adequa ao Porto de Santos. Kopittke argumenta, porém, que a Codesp já está elaborando um sistema de gestão de cargas. Mas falta concluir 30% dos trabalhos.
Outra iniciativa que seria bem-vinda é o aumento da produtividade das ferrovias para atender um volume maior de cargas. Em Santos, a participação do transporte sobre trilhos recuou de 2011 para 2012, de 21% para 20% (incluindo todas as cargas).
Falta fiscal. Em outros portos, medidas paliativas também podem ajudar no escoamento da safra atual. No terminal de Tubarão, no Espírito Santo, há apenas um fiscal para emitir todos os certificados, conta Mendes, da Anec. O problema é que, como a exportação de milho também é recorde neste ano, o volume de trabalho aumentou. "Um navio que carrega milho exige 5 a 6 vezes mais certificados que outros grãos."
Em Itacoatiara, um dos portos que mais crescem em movimentação de grãos, nem fiscal tem. O único profissional que opera no porto vem "emprestado" de Manaus, numa viagem que demora cerca de seis horas. "Enquanto isso, os navios ficam parados esperando a documentação e cobram US$ 30 mil por dia."