sábado, 9 de março de 2013

Um coração maior que a vida


Slavoj Zizek
Devo confessar que, muitas vezes, não gostei do que Hugo Chávez fazia, principalmente nos últimos anos do seu reinado. Não me refiro às ridículas acusações referentes à sua ditadura "totalitária" (às pessoas que afirmavam isto, aconselharia um ano ou dois numa ditadura de estilo stalinista!). De fato, ele fez muitas loucuras. Em matéria de política externa, não é possível perdoar-lhe a amizade com Lukaschenko e Ahmadinajad; em política econômica, a série de medidas improvisadas e mal formuladas que, em vez de resolver realmente os problemas, procuravam cobri-los de dinheiro para que não aparecessem; os maus tratos contra os prisioneiros políticos, a ponto de merecer uma reprimenda do próprio Noam Chomsky; até - no final - algumas medidas culturais ridículas como a proibição dos Simpsons na TV.
Mas tudo isto se torna insignificante diante do projeto fundamental com o qual se comprometera. Todos sabemos que, no capitalismo global dos nossos dias, com sua evolução espetacular, mas profundamente desigual, são cada vez mais numerosas as pessoas sistematicamente excluídas da participação ativa da vida social e política. O crescimento explosivo das favelas nas últimas décadas, principalmente nas megalópoles do Terceiro Mundo, das favelas da Cidade do México e de outras capitais da América Latina até a África (Lagos, Chade) à Índia, China, Filipinas e Indonésia, é talvez o acontecimento geopolítico crucial dos nossos tempos. Como, dentro em breve a população urbana da terra superará a população rural (ou, quem sabe, dada a imprecisão dos censos do Terceiro Mundo, já aconteceu), e como os habitantes das favelas serão a maioria nas populações urbanas, não temos condições de tratar com um fenômeno marginal.
Esses grupos enormes constituem evidentemente um dos objetos privilegiados da ajuda humanitária e das instituições assistenciais para as elites liberais - basta lembrar de imagens emblemáticas como a de Bill Gates abraçando uma criança indiana paralítica. Somos constantemente solicitados a deixar de lado as nossas divisões ideológicas e a fazer algo a respeito - quando vamos a uma loja da Starbucks para tomar uma xícara de café, sabemos que já estamos fazendo alguma coisa, porque uma parte do preço que pagamos vai para as crianças da Guatemala ou de outro país.
Mas Chávez via que isto não bastava. Ele via no horizonte os contornos de um novo apartheid. Ele via a luta de classes de outrora ressurgindo sob a forma de novas divisões e até mesmo divisões mais profundas. E ele fez alguma coisa a respeito. Ele foi o primeiro a não só "cuidar dos pobres", no velho estilo peronista, falando por eles, mas a canalizar com determinação toda a sua energia no seu despertar e efetivamente na sua mobilização como agentes políticos ativos e autônomos. Ele viu claramente que, sem a sua inclusão, nossas sociedades caminharão paulatinamente para um estado de guerra civil permanente. Basta lembrar da frase imortal do filme Cidadão Kane, de Orson Welles, quando Kane, acusado de falar pelos desfavorecidos contra a sua própria classe, responde: "Se eu não defender os interesses dos não privilegiados, alguém mais o fará - talvez alguém sem dinheiro ou propriedades e isto será muito ruim". Este "alguém mais" seria Chávez.
Portanto, enquanto ouvimos todo este palavreado a respeito do "legado ambíguo" de Chávez, do fato de ele ter "dividido a sua nação", sempre que o expomos a uma crítica muitas vezes merecida, não devemos esquecer o sentido de tudo isto. Ele se referia ao povo, ao governo de, para e pelo povo. Toda a confusão foi uma confusão criada pela dificuldade de realizar este governo. Com toda a sua retórica teatral, Chávez foi sincero a esse respeito, ele queria dizer isto mesmo. Seus fracassos foram os nossos fracassos.
Ouvi dizer que existe uma doença do coração - como órgão - que vai crescendo excessivamente sem conseguir funcionar como deve, incapaz de bombear todo o sangue através das veias dilatadas. Talvez Chávez tenha morrido porque tinha um coração grande demais. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
SLAVOJ ZIZEK É FILÓSOFO, PROFESSOR DA EUROPEAN GRADUATE SCHOOL E DO INSTITUTO DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LIUBLIANA, E AUTOR DE MENOS QUE NADA: HEGEL E A SOMBRA DO MATERIALISMO HISTÓRICO (BOITEMPO). 

Philips troca foco em TV por raio X e iluminação


MARINA GAZZONI - Agencia Estado
SÃO PAULO - O holandês Henk de Jong assumiu a presidência da Philips na América Latina há seis meses, mas já adotou como hábito observar as lâmpadas usadas em ruas, restaurantes e escritórios na região. A área de iluminação é uma das prioridades da Philips, que passa por uma reestruturação global. A empresa tenta concentrar seus investimentos nos segmentos de equipamentos médicos, iluminação e eletroportáteis, deixando para trás uma estratégia focada em televisão, DVD e aparelhos de som.

A Philips quer se posicionar como uma companhia de "saúde e bem-estar". Para isso, lançou um plano de reestruturação global em 2011, com previsão de conclusão em 2015. A mudança já reflete no mercado brasileiro, que importará e desenvolverá localmente novas tecnologias nas áreas que agora são prioridades da empresa, disse Jong. "A Philips vai investir 7% do seu faturamento em inovação. O Brasil é um mercado prioritário e vai receber as novas soluções desenvolvidas no exterior o mais rápido possível, além de criar tecnologia no Brasil para o mercado local", disse Jong.
A empresa lançou em novembro o primeiro equipamento médico desenvolvido e produzido no Brasil, para exame de mamografia digital. Outros produtos criados no exterior também são fabricados no Brasil. Na área de saúde, aproximadamente 65% das vendas são de produtos fabricados localmente. "Se tiver oportunidades de mercado e pudermos crescer mais rápido, vamos aumentar a produção local", disse Jong.
A Philips é apenas uma das multinacionais que tentam aproveitar a expansão da rede hospitalar brasileira. A alemã Siemens, a japonesa Toshiba e a americana GE anunciaram nos últimos dois anos investimentos em fábricas no Brasil na área de equipamentos médicos. "Com a expansão dos planos de saúde, mais pessoas têm acesso a exames. A classe C faz tomografia em laboratórios particulares, uma situação que era impensável anos atrás", disse o consultor em estratégia empresarial e professor do Mackenzie e da FGV Marcos Morita.
Iluminação
A Philips também quer aproveitar outra tendência para fomentar seus negócios no Brasil. Empresas, governos e pessoas físicas são motivados por um discurso crescente na sociedade para adotar hábitos sustentáveis e economizar energia. A empresa já forneceu tecnologia LED para o novo sistema de iluminação do parque Ibirapuera, em São Paulo. Agora, está em contato com outras prefeituras para fazer novos projetos de iluminação pública com lâmpadas LED. "Queremos fazer no Brasil a primeira cidade com iluminação sustentável", disse Jong. Globalmente, a Philips tem um projeto deste tipo em Mônaco.
No Brasil, Jong vê oportunidades para o projeto em São Paulo, no Rio, no Recife, em Manaus, Belo Horizonte e Florianópolis. Enquanto não consegue o aval das prefeituras, o presidente da Philips coloca sua mais moderna tecnologia de iluminação em 25 campos de futebol públicos, que serão construídos até abril de 2014 e doados aos municípios. "Queremos mostrar a tecnologia", disse.

Reestruturação
A Philips transferiu, em abril do ano passado, seu negócio de televisão para uma joint venture formada com a TPV Technology, de Taiwan. As televisões que saem da fábrica ainda usam a marca Philips, mas a operação é controlada pela TPV, dona de 70% da empresa.
Em janeiro, a Philips se afastou ainda mais do negócio de eletroeletrônicos, com a venda da divisão de áudio e vídeo, que faz aparelhos de som e DVDs, para a japonesa Funai Electric por ? 150 milhões. A Philips arrendou sua marca à Funai, que será responsável pelo desenvolvimento de produto.
Jong classificou a saída do negócio de áudio e vídeo e a venda do controle da operação de TV como "uma escolha" da empresa. "Esse não é mais o foco da Philips. Foi uma escolha", disse o executivo.
A Philips sofreu nos últimos anos para concorrer na área de áudio e vídeo com concorrentes asiáticas. Hoje, a marca é preferida de apenas 8,6% dos consumidores, atrás da japonesa Sony e das coreanas LG e Samsung, segundo pesquisa da CVA Solutions divulgada ontem. "A Philips perdeu a posição como empresa inovadora na área de TV para as companhias asiáticas", disse Marcos Morita.
Segundo ele, a decisão de uma empresa de focar ou abandonar um segmento se baseia em uma análise sobre a atratividade do mercado e sua competitividade nele. "O mercado de TVs ficou menos atrativo nos últimos anos, com margens menores. Então, a Philips estava com um produto defasado em um mercado menos competitivo. Resolveu mudar o foco." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Petrodependência, /Helio Schwartsman


SÃO PAULO - Sou agnóstico em matéria de royalties. A boa teoria econômica exige que se coloque um sobrepreço na utilização de bens esgotáveis com o objetivo de estender ao longo do tempo os benefícios da exploração. Quais exatamente devem ser as comunidades premiadas e o quinhão de cada uma é questão aberta a debates, que não escondem um tom meio metafísico.
Por que quem mora perto dos poços deve receber mais? Por que uma cota-parte de 26,25% é essencialmente mais justa que uma de 20%, ou de 32,76%? Por que repartir os dividendos só entre os contemporâneos, e não com as próximas gerações?
Isso dito, parece-me que os Estados produtores exageram nas lamentações em torno do novo regime. O único foro legítimo para discutir o problema e definir a política é o Congresso Nacional, que já deixou mais do que clara a sua posição. Em democracia, perdem-se algumas batalhas, vencem-se outras.
Recorrer a minudências de procedimento para tentar reverter ou, ao menos, protelar a decisão é evidentemente um direito de quem se sente prejudicado, mas que transmite uma incômoda sensação de tapetão.
Mais digna é a ideia de invocar, no Supremo Tribunal Federal, o princípio de respeito aos contratos, para tentar assegurar a regra antiga para as concessões já em vigor.
É inegável que a mudança traz impactos negativos para a economia das localidades produtoras. Mas, se é verdade que a adoção do novo regime quebrará as finanças do Rio de Janeiro, como alega de forma algo teatral o governador, isso só ocorreria porque os recursos acabaram sendo direcionados para despesas de custeio, o que contraria o princípio da prudência administrativa e os manuais de economia, que não cessam de alertar contra os perigos da dependência. Sabemos que o dinheiro do petróleo está sendo empregado de forma sábia quando sua interrupção não afeta o dia a dia da economia.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.