SUELY, CALDAS, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO, E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR, SUELY, CALDAS, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO, E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR - O Estado de S.Paulo
Com aval do ex-presidente Lula, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), voltou a Brasília, na quarta-feira, para pedir dinheiro à sua administração. Na mala, levou propostas que oscilam entre reduzir o pagamento de dívidas e gerar novas receitas. E tem conseguido êxito em sua missão: com apenas um mês de gestão, ele conseguiu arrancar do governo federal projeto (rapidamente enviado ao Legislativo) que muda o indexador das dívidas de Estados e municípios: do IGP-DI mais juros de 6% a 9% para o IPCA mais 4% ou a taxa Selic - o que for mais vantajoso para a prefeitura. A proposta deve passar sem problemas no Congresso, porque é de interesse de governadores e prefeitos e, portanto, também dos partidos, incluindo os de oposição.
O respaldo do influente padrinho, no entanto, tem servido para aumentar o olho grande do prefeito. Na quarta-feira ele partiu para outra proposta, tão ousada quanto insana: quer ter o poder de fabricar dinheiro. "Não estamos trabalhando apenas com a troca do indexador. Também considero a possibilidade de o município emitir títulos", declarou. Funciona assim: a Prefeitura de São Paulo emite títulos e vende no mercado financeiro, oferecendo determinado rendimento para o comprador. Com isso, consegue um bom dinheiro extra para gastar. Como no texto da música, dinheiro na mão de político é vendaval. Melhor ainda se ele tem o poder de fabricá-lo quando quiser. Já pensou? Seria a suprema felicidade de governadores e prefeitos, solução perfeita para financiar campanhas eleitorais, compra de apoio político, mensalões e tudo o mais a que os brasileiros estão cansados de assistir desde sempre.
A contrapartida de tal esquema é o rápido e descontrolado crescimento da dívida mobiliária do Estado ou município. E, como dívida é para ser paga, na hora da conta o governador ou prefeito aumenta impostos e o peso recai sobre o bolso ou a bolsa da população local.
Justiça seja feita, Haddad não inovou. Até 1996 Estados e municípios podiam emitir papéis e vender no mercado financeiro. Uma farra monumental de gastos e endividamento estrangulava a administração do novo governador ou prefeito que chegava. Aí o recém-eleito pedia e obtinha socorro do governo federal e deixava a conta para o próximo, que passava para o seguinte, numa bola de neve interminável, sempre debitada da conta do contribuinte de impostos.
Em 1997 o governo FHC aprovou uma lei com regras para dar fim à farra: as dívidas dos governos estaduais foram zeradas e transferidas para a União, que as financiou pelo prazo de 30 anos e com base no IGP-DI mais juros mínimos de 6%. Em 2001, fez o mesmo com 180 prefeituras. E a Lei de Responsabilidade Fiscal tratou de fazer o resto: proibiu Estados e municípios de emitirem títulos e contrair novas dívidas mobiliárias. Foi um avanço, uma vitória do contribuinte brasileiro: pelo menos dessa conta ele se livrava. É isso que Haddad quer ressuscitar. Já imaginou, caro leitor, prefeitos e governadores com suas intermináveis demandas políticas por gastos recuperarem o poder de fabricar dinheiro?
É aceitável e justo mudar o indexador da dívida com a União. Afinal, quando as regras foram definidas, em 1997, a conjuntura política era outra. Habituados a gastar dinheiro sem freios, governadores e prefeitos precisavam de tratamento enérgico para mudar hábitos e cultura. Hoje a realidade é outra. A lei os obriga a manter seus orçamentos equilibrados e cumprir uma série de requisitos para poderem contrair novas dívidas, contratar funcionários, aumentar salários e outras espertezas que praticavam no passado. Além disso, a queda da taxa Selic para 7,25% reduziu o custo de captação do governo federal e permitiu tornar mais barato o carregamento das dívidas dos Estados e municípios.
Usar o influente apoio político do padrinho Lula para propor um retrocesso insano para a saúde das finanças públicas até pode estar no direito do prefeito paulistano. O que não pode é a presidente Dilma Rousseff embarcar nessa aventura. Dela o contribuinte espera respeito, racionalidade e sensatez.