sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Modernizar as carroças


Celso Ming - O Estado de S.Paulo
De tempos em tempos, o governo federal - não importa quem esteja no comando - adota um pacote de estímulos à inovação e ao conteúdo local da indústria automobilística.
O programa Inovar Auto, anunciado ontem pelo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, pretende ser o novo marco do regime automotivo nacional. Simplificadamente, o governo impôs aumento de 30% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para todos os veículos novos vendidos no País (inclusive os importados). Terão direito a descontos desse tributo sempre que atingirem metas de redução de consumo e de inovação.
Tomara que, desta vez, atinja seus objetivos e seja bem mais do que um esquema disfarçado de proteção ao setor - como tantos outros.
O programa reconhece implicitamente a existência do atraso. Não fosse isso, não precisaria incentivar a inovação e os avanços tecnológicos em eficiência e em segurança. Ou seja, a conversa começa com o entendimento de que a indústria automobilística brasileira segue sendo a mesma produtora de carroças denunciada em 1990 pelo então presidente Collor.
O setor não é só atrasado. É também fabricante de um produto caro demais, incapaz de competir no exterior. Apenas não é deslocado pelo produto importado no mercado interno graças à enorme proteção de que aqui desfruta e que, agora, deverá ser aumentada.
Seria ótimo se um programa de inovação desse porte pudesse ser inteiramente levado a sério. No DNA das montadoras instaladas no País, não há cromossomos responsáveis pelo desenvolvimento de tecnologia. A contrário do que acontece na China, na Coreia e na Índia, não existe carro projetado e desenvolvido aqui. O último foi o Gurgel, que, ainda assim, levava mecânica Volkswagen. Deixou de ser produzido em 1995, na unidade de Rio Claro.
Peça por peça, automóvel montado por aqui já vem pronto de fora. A indústria de autopeças e as próprias montadoras se limitam a adotar tecnologias, em geral, ultrapassadas. Os carros importados são mais modernos e mais baratos. Seria um portento ver o Uno Mille e a Kombi ganharem airbags, freios ABS e dispositivos antiderrapantes que atendam às novas exigências de segurança.
O novo regime automotivo é, ainda, repositório de boas intenções quanto ao conteúdo local. Essas novas exigências parecem desconsiderar que a indústria de veículos opera internacionalmente. Os carros são globais e, para garantir mercado, têm cada vez mais de contar com fornecimentos de peças e conjuntos de onde os custos forem mais baixos. Se quiserem ser exportadoras, as montadoras nacionais terão de adotar essa filosofia, não se aferrar a conteúdos locais.
E, caso seja para levar esse princípio às últimas consequências, não ficou claro quanto do valor de um veículo entrará na conta do que vai ser considerado produção nacional. Até agora, as montadoras vinham entendendo que despesas com propaganda e marketing e gratificação da diretoria podiam ser caracterizadas como de conteúdo local. Esse critério permanecerá válido? E será preciso ver quem é que, depois, desmontará um veículo, examinará uma peça e seus componentes e certificará que se trata de um produto made in Brazil ou do Mercosul.
Nada neste programa garante redução de custos ou barateamento dos veículos. É necessário ver o que funcionará na prática. Mais uma vez, tomara que dê certo.

O próximo passo do Regime Automotivo, por Luis Nassif


Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel considera que o Regime Automotivo – anunciado ontem pelo governo – é apenas o primeiro passo para fortalecer e modernizar a indústria automobilística no país.
O enfoque principal foi direcionar os estímulos fiscais para a compra interna de componentes e para a modernização tecnológica, diz ele. Não se tem a pretensão de todas as autopeças serem fabricadas no país. Mas se pretende que o quarto mercado automobilístico do mundo tenha uma indústria à altura do seu tamanho.
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O Regime foi fechado em contato permanente com o Itamaraty, especialmente com os diplomatas que atuam na OMC (Organização Mundial do Comércio), especialmente Roberto Azevedo, para evitar qualquer questionamento internacional.
Ao contrário da Câmara Setorial da Indústria Automobilística, no governo Collor, o Regime Automotivo não pensou em uma especialização, que permitisse ao país ocupar nichos no mercado internacional. Isso porque, segundo Pimentel, as próprias indústrias já caminharam para tal, definindo os motores até 1.4 cilindradas como a vocação brasileira.
Aliás, no caso das inovações tecnológicas, há um enorme caminho a ser recuperado. O último motor projetado e desenvolvido no Brasil foi o fuel, da Fiat, há 17 anos.
Há a necessidade de se desenvolver uma nova geração de motores, substituindo o aço por alumínio e ligas metálicas. Nos últimos anos, a indústria mundial incorporou muita eletrônica, avanços que ainda não chegaram à produção interna.
Estávamos perdendo o bonde da história, diz Pimentel. Agora, o Regime Automotivo surge no momento em que novas montadoras – corenas e chinesas – estão se instalando no país.
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Mas o grande passo será a etapa seguinte, diz Pimentel.
Na cadeia automobilística existem as montadoras e os sistemistas – grandes empresas multinacionais que compram componentes da indústria de autopeças. Não são mais que dez sistemistas, de tal forma poderosas que pode-se planejar um automóvel simplesmente juntando todas elas e encomendando os sistemas necessários.
Nesse jogo de gigantes, quem fica espremido são os fabricantes de autopeças, em geral pequenas e médias empresas nacionais.
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E esse peixe pequeno, o fabricante de autopeças, está mal, diz Pimentel. Boa parte não consegue sequer acessar o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), por dívidas de imposto e falta do CND (Certidão Negativa de Débito).
Por isso mesmo, está sendo preparado o segundo tempo do Regime Automotivo, pelo MDIC e pelo BNDES, visando o fortalecimento do setor.
A ideia do Regime Automotivo é puxar a corda para cima, mas ajudando a carregar o peso em baixo, diz Pimentel. Caso contrário, haverá aumento das importações ou se irá espremer as margens dos pequenos para limites insustentáveis.
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Um dos subprodutos do Regime Automotivo será consolidar a indústria de autopeças como fornecedora preferencial para as montadoras na América do Sul.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Facebook e indução ao voto


Fernando Reinach
Ninguém duvida de que as redes sociais alteram crenças e comportamentos humanos. Desde que nossos ancestrais andavam em bandos pelas estepes africanas, as redes sociais serviam para trocar ideias, homogeneizar crenças e influenciar atitudes.
Nessas populações, as redes operavam por conversas face a face, em volta de uma fogueira. Mais tarde, nas cidades, eram as discussões em praça pública, conversas nos mercados e discursos de políticos. Foram essas redes sociais que moldaram o pensamento e as ações das civilizações antigas e das nações modernas.
Mas na última década surgiu a comunicação digital e parte das interações sociais se tornou virtual, por sistemas como o Facebook, o Twitter e outros, que nada mais são que as velhas redes sociais, agora na forma digital. Muitos cientistas se perguntam qual o seu poder real. Exemplos recentes, como a Primavera Árabe, sugerem que as novas redes sociais influenciam o comportamentos e as crenças, mas é difícil distinguir e medir separadamente a contribuição das redes tradicionais e da das digitais. Como teria sido a Primavera Árabe sem e-mail, Twitter e Facebook?
Agora, cientistas de universidades da Califórnia, colaborando com o Facebook, fizeram um experimento para medir o efeito de uma rede social sobre mais de 61 milhões de pessoas. Tanto a maneira como o experimento foi feito quanto os resultados são interessantes. Para entendê-lo, é preciso lembrar que nos EUA o voto não é obrigatório e os políticos têm dois desafios: o primeiro é levar a população às urnas; o segundo é convencê-la a votar neles.
Em 2 de novembro de 2010, quando ocorreram eleições para o Congresso, o Facebook dividiu seus usuários de mais de 18 anos em três grupos. O primeiro, quando abriu o Facebook, viu uma mensagem dizendo: "Hoje é dia de eleição, vote". A postagem possuía mais três informações. A primeira era um "link" dizendo "Clique aqui para saber o posto de votação mais próximo"; a segunda era um botão dizendo "Eu votei"; e a terceira, um contador em que aparecia o número de usuários do Facebook que haviam clicado no "Eu votei".
O segundo grupo recebeu postagem com um elemento a mais: apareciam as fotos de seis "amigos", com seus nomes, dizendo: "Eles já votaram". O terceiro grupo não recebeu nenhuma das mensagens e serviu como controle. O impressionante são os números envolvidos: no primeiro grupo foram colocadas 611.044 pessoas; no segundo, 60.055.176; e no terceiro, 613.096.
No dia seguinte começou o trabalho de análise. Como nos EUA a lista de quem votou é pública, os cientistas cruzaram a lista de votantes com os usuários do Facebook e descobriram quem tinha e quem não tinha votado. Esses dados foram cruzados com as pessoas que apertaram o botão "Eu votei" e com as que acessaram o link que indicava o posto de votação mais próximo. Foi possível determinar o efeito de cada uma das postagens sobre o aumento no interesse anônimo no ato de votar (os que acessaram o link), a propagação para amigos da afirmação de que votaram (os que apertaram o botão) e, entre todos esses, os que realmente votaram.
Os resultados mostram que as pessoas que receberam a mensagem com as fotos apresentaram tendência maior de apertar o botão "eu votei" que as que receberam a mensagem sem as fotos (20,04% versus 17,96%). Os que receberam a mensagem social procuraram mais os locais de votação. Isso demonstra que saber que os amigos votaram estimula as pessoas a dizer que votaram - mas não significa que elas votaram.
Usando dados dos votantes reais, demonstrou-se que a parcela dos votantes reais era 0,39 ponto porcentual maior no grupo que recebeu a mensagem com fotos quando comparada com o grupo que recebeu a mensagem sem fotos. O surpreendente é que a mensagem sem fotos não alterou a porcentagem dos que votaram quando comparados com o grupo que não recebeu mensagem, ou seja, a mensagem sem o nome dos amigos não alterou a participação dos eleitores.
Esses porcentuais são pequenos, indicando que a rede social não tem influência enorme no comportamento, mas como os grupos estudados são grandes, foi possível demonstrar que são estatisticamente significativos. Só esse experimento contribuiu com 886 mil votantes a mais, um aumento de 0,60% em relação às eleições anteriores.
O estudo também descreve o efeito da proximidade do amigo sobre a tendência de votar. Se amigos próximos (aqueles com que mais se interage no Facebook) "votam", a pessoa tem maior tendência de votar.
É o primeiro estudo científico do efeito do Facebook sobre intenções e atos políticos de seus membros. Ele demonstra que o Facebook pode alterar o comportamento das pessoas, mas que essa alteração depende do endosso dos amigos mais próximos.
Ou seja, nosso cérebro continua funcionando como sempre. Confiamos e somos mais influenciados por quem conhecemos. O que me impressionou é que o Facebook recrutou 61 milhões de usuários para participar de um experimento sem pedir autorização. Se por uma lado esse resultado demonstra que as redes sociais podem ser usadas para divulgar campanhas úteis, também abre a possibilidade de uma rede social digital endossar uma candidatura. Será que uma empresa tem o direito de postar nas páginas dos eleitores um pedido direto de voto para um único candidato?
* BIÓLOGO   MAIS INFORMAÇÕES: A 61-MILLION-PERSON EXPERIMENT IN SOCIAL INFLUENCE AND POLITICAL MOBILIZATION. NATURE,  VOL. 489,  PÁG. 295,  2012.