Celso Ming - O Estado de S.Paulo
De tempos em tempos, o governo federal - não importa quem esteja no comando - adota um pacote de estímulos à inovação e ao conteúdo local da indústria automobilística.
O programa Inovar Auto, anunciado ontem pelo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, pretende ser o novo marco do regime automotivo nacional. Simplificadamente, o governo impôs aumento de 30% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para todos os veículos novos vendidos no País (inclusive os importados). Terão direito a descontos desse tributo sempre que atingirem metas de redução de consumo e de inovação.
Tomara que, desta vez, atinja seus objetivos e seja bem mais do que um esquema disfarçado de proteção ao setor - como tantos outros.
O programa reconhece implicitamente a existência do atraso. Não fosse isso, não precisaria incentivar a inovação e os avanços tecnológicos em eficiência e em segurança. Ou seja, a conversa começa com o entendimento de que a indústria automobilística brasileira segue sendo a mesma produtora de carroças denunciada em 1990 pelo então presidente Collor.
O setor não é só atrasado. É também fabricante de um produto caro demais, incapaz de competir no exterior. Apenas não é deslocado pelo produto importado no mercado interno graças à enorme proteção de que aqui desfruta e que, agora, deverá ser aumentada.
Seria ótimo se um programa de inovação desse porte pudesse ser inteiramente levado a sério. No DNA das montadoras instaladas no País, não há cromossomos responsáveis pelo desenvolvimento de tecnologia. A contrário do que acontece na China, na Coreia e na Índia, não existe carro projetado e desenvolvido aqui. O último foi o Gurgel, que, ainda assim, levava mecânica Volkswagen. Deixou de ser produzido em 1995, na unidade de Rio Claro.
Peça por peça, automóvel montado por aqui já vem pronto de fora. A indústria de autopeças e as próprias montadoras se limitam a adotar tecnologias, em geral, ultrapassadas. Os carros importados são mais modernos e mais baratos. Seria um portento ver o Uno Mille e a Kombi ganharem airbags, freios ABS e dispositivos antiderrapantes que atendam às novas exigências de segurança.
O novo regime automotivo é, ainda, repositório de boas intenções quanto ao conteúdo local. Essas novas exigências parecem desconsiderar que a indústria de veículos opera internacionalmente. Os carros são globais e, para garantir mercado, têm cada vez mais de contar com fornecimentos de peças e conjuntos de onde os custos forem mais baixos. Se quiserem ser exportadoras, as montadoras nacionais terão de adotar essa filosofia, não se aferrar a conteúdos locais.
E, caso seja para levar esse princípio às últimas consequências, não ficou claro quanto do valor de um veículo entrará na conta do que vai ser considerado produção nacional. Até agora, as montadoras vinham entendendo que despesas com propaganda e marketing e gratificação da diretoria podiam ser caracterizadas como de conteúdo local. Esse critério permanecerá válido? E será preciso ver quem é que, depois, desmontará um veículo, examinará uma peça e seus componentes e certificará que se trata de um produto made in Brazil ou do Mercosul.
Nada neste programa garante redução de custos ou barateamento dos veículos. É necessário ver o que funcionará na prática. Mais uma vez, tomara que dê certo.