CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Acabou a simplicidade das cadernetas de poupança. As que forem abertas a partir de agora terão rendimento de 70% da Selic.
- Selic? O que é essa Selic? - pergunta dona Maria.
- Ora, Selic é o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que fica lá no Banco Central. É o esquema que controla a emissão, o resgate, o pagamento dos juros e a guarda dos títulos do Tesouro... Passou a ser também o valor dos juros que o Banco Central paga às instituições financeiras nas suas transações diárias de liquidez... E, enfim, Selic é também o tamanho dos juros básicos obtidos pela calibragem do volume de dinheiro na economia, determinada pelo Banco Central...
Vai ser complicado para dona Maria fazer os cálculos com 70% da Selic. Precisa saber em quanto está a Selic e, ainda, como fazer essa conta.
Uma comparação ajuda a entender a complexidade. O consumidor sabe que o poder energético do álcool é de só 70% do da gasolina. Portanto, sempre que o preço do álcool superar os 70% da gasolina, é melhor encher o tanque do carro flex com gasolina, não com álcool. Mesmo assim, no posto de gasolina ninguém consegue calcular de cabeça. Pois 70% da Selic é o que a caderneta vai pagar.
A complexidade não termina aí. O mercado terá agora três cálculos diferentes para determinar o rendimento da caderneta. Como nada muda para as cadernetas antigas, elas continuarão pagando 0,5% ao mês (ou 6,17% ao ano) de juros mais a Taxa Referencial de Juros (TR) - que quase não conta, de tão pequena que é. Com isso, a caderneta antiga segue remunerando por ano algo em torno dos 6,5%. E até aí as coisas ainda ficam relativamente simples para o povão.
O rendimento da nova caderneta, no entanto, terá dois cálculos. O primeiro deles será aplicado se os juros básicos (a tal Selic) ficarem acima de 8,5% ao ano. Nesse caso, prevalecerá o esquema antigo. E outra conta será feita se a Selic baixar a 8,5% ou menos, que é quando se aplicarão os 70% da Selic.
A simplicidade é uma qualidade inestimável que precisou ser sacrificada agora para permitir a derrubada dos juros para níveis internacionais.
Mas, se é assim, talvez fosse melhor, como na Europa e nos países avançados, deixar que os bancos definissem livremente a remuneração da caderneta, em vez de complicar tudo com fórmulas diferentes. Não é o que já acontece quando o investidor quer aplicar seus recursos em Certificados de Depósito Bancário (CDBs)?
Em todo o caso, a opção está feita. O caminho para a derrubada dos juros está aberto, sem risco de forte migração de aplicações em renda fixa para cadernetas. O único obstáculo para a queda dos juros seguirá sendo eventual cavalgada da inflação que, no momento, não dá sinais disso.
Nisso, a presidente Dilma teve mais coragem do que o presidente Lula, que evitou mexer na caderneta por medo de ser equiparado ao ex-presidente Collor, notabilizado pelos estragos a que submeteu a poupança popular.
Os tão temidos problemas políticos em decorrência do que foi feito parecem afastados. A própria presidente Dilma julgou necessário preparar o golpe. Primeiro, passou para a opinião pública a imagem de que está peitando os bancos. Depois, quando ganhou auras de dama de ferro com os cartolas do dinheiro, fez o que tinha de fazer com as cadernetas. As reações políticas são tímidas ou inexistentes.