quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Será preciso aumentar a Cfem?


Paulo R. Haddad - O Estado de S.Paulo
O governo federal manifestou sua intenção de dobrar o valor da Cfem (o royalty dos minérios), além de dar tratamento tributário especial aos grandes projetos de investimento em mineração (bauxita, minério de ferro, manganês). Particularmente, a Cfem do minério de ferro sairia, em geral, de 2% para 4%. A legítima pressão para essa elevação da alíquota está vindo de movimentos políticos dos municípios mineradores e de suas associações. Os prefeitos desses municípios têm comumente utilizado dois argumentos inspirados nos valores das elevadas alíquotas do royalty do petróleo no Brasil e nos valores do royalty de muitos minérios equivalentes praticados em outros países.
Deve-se enfatizar que não se podem igualar estruturas de mercado de substâncias com características, propriedades e finalidades tão diferentes como os minerais metálicos e não metálicos em relação aos minerais energéticos (petróleo e gás natural e, em menor importância, carvão mineral, turfa, urânio e outros radioativos).
Nos municípios onde ocorre a lavra em terra do petróleo e do gás natural, ou naqueles que confrontam com plataformas marítimas ou têm instalações de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural, as possibilidades de serem beneficiados com os royalties pagos pelo petróleo e gás natural são bastante estáveis. Também o número de municípios beneficiados pelos pagamentos de royalties do petróleo tende a ser maior do que pela Cfem, de acordo com as regras estabelecidas pela legislação tributária.
O Brasil é um importante produtor mundial de minérios metálicos, mas com uma participação que não lhe garante soberania consolidada em políticas de preços e quantidades no mercado mundial para esses materiais.
O mercado mundial de minérios é muito competitivo, e custos menores - tanto de operação, manutenção e reposição quanto de transporte - e a busca de qualidade do minério com o acompanhamento contínuo de novas tecnologias e materiais que alteram a demanda dos compradores nacionais e mundiais têm de ser constantemente analisados e avaliados, para que a atividade mantenha uma participação (market share) expressiva no mercado mundial.
Assim, uma elevação da carga tributária dos minérios metálicos do Brasil, que deve ser analisada não em termos do faturamento da indústria, mas do impacto sobre a sua margem de lucro, pode afetar fortemente sua competitividade global.
Além do mais, essa competitividade não é afetada apenas pelas alíquotas de um imposto específico, mas pela carga tributária total paga pela mineração. De que adianta afirmar que o royalty do minério de ferro no país A ou B é de 7%, se a carga tributária total que incide sobre esse produto naquele país é pouco mais da metade da carga tributária total equivalente no Brasil? Na verdade, essa é a realidade que se observa para oito minérios de maior expressão econômica, quando se compara a posição brasileira entre os 21 principais produtores mundiais desses minérios, em que a nossa carga tributária é a maior do mundo.
Por outro lado, estaria ocorrendo uma crise fiscal nos municípios mineradores do Brasil a ponto de haver, por parte do governo federal, alguma ação compensatória de emergência por meio da elevação das alíquotas da Cfem? A consultoria Phorum tem levantado os indicadores de sustentabilidade fiscal dos 25 principais municípios mineradores de Minas Gerais e dos 10 principais municípios mineradores do Pará. Os resultados obtidos para os últimos oito anos, utilizando informações da Secretaria do Tesouro Nacional e de balanços, mostram que a situação fiscal desses municípios é bastante equilibrada e sólida, salvo as exceções de má gestão recorrente de alguns municípios ou da notória corrupção administrativa em poucos outros. E mostram que muitos desses municípios se destacam em seus respectivos Estados entre os de melhores indicadores de desenvolvimento humano.
Numa perspectiva do equilíbrio macroeconômico do Brasil, o governo federal deve estar atento para o fato de que, nos dez primeiros anos deste século, o setor de "minérios e seus concentrados" acumulou US$ 104 bilhões de nossas reservas cambiais. Apenas no ano de 2010, o superávit na balança comercial desse setor foi de US$ 29,5 bilhões. E a mineração está realizando novos e grandes projetos de investimento que ultrapassam a casa de US$ 60 bilhões.
Entretanto, em razão do caráter efêmero da mineração (com graus diversos de sobrevivência física e econômica, por tipo e qualidade do minério), uma menor qualidade do minério, carga tributária e custos elevados e crescentes significam uma vida útil cada vez menor para as empresas dessa indústria, bem como riscos econômicos com crescimento exponencial, que podem ameaçar e limitar a sobrevivência dos seus empreendimentos.
Dadas tais circunstâncias, a negociação e a cooperação público-privada rendem mais e melhores frutos do que uma disputa predatória. E, assim, a mal pensada ideia de aumentar significativamente a Cfem nos lembra o ditado muito citado aqui, nas Gerais: "Devagar com o andor, que o santo é de barro".
PROFESSOR DO IBMEC-MG, FOI MINISTRO DA FAZENDA E DO PLANEJAMENTO DO GOVERNO ITAMAR FRANCO 

Uruguai, a educação como exemplo



4 DE AGOSTO DE 2011

PASQUALE CIPRO NETO 

Como educador, sempre achei que, por ser muito popular e "democrático", o futebol funciona como espelho


FREQUENTO o Uruguai há 34 anos. Quando lá estive pela primeira vez, em 1977, pude confirmar o que já sabia pelos livros e pelos relatos de outrem: o povo uruguaio esbanja educação, cortesia, discrição e formalidade -sim, formalidade, o que entre nós é algo mais do que raro. Em plena ditadura militar, muitas livrarias de Montevidéu ficavam (e ainda ficam) abertas até altas horas. E nelas não era (e não é) difícil ver jovens e idosos à procura do que ler.
O índice de alfabetização do Uruguai chega a 97,9%. Desde 2009, todos os alunos e professores do ensino primário do Uruguai têm laptop e internet sem fio à disposição. Bem, eu poderia me estender sobre outros dos inúmeros dados positivos do belo país vizinho, mas paro essa exposição por aqui para ir direto ao ponto: a relação entre a educação (formal e informal) e as recentes lições que a gloriosa Celeste Olímpica deu aos que gostam de futebol (e aos que não gostam também), desde que Óscar Washington Tabárez ("El Maestro") assumiu o comando da seleção do país, há cinco anos.
Tabárez é chamado de "El Maestro" justamente porque foi "maestro" (palavra que, em espanhol, tem, entre outros, o sentido de "professor", especialmente o primário). No ano passado, na África do Sul, tive a honra de participar de duas entrevistas coletivas do elegante, calmo e refinado treinador, ao qual pude fazer algumas perguntas.
Na primeira entrevista, depois do jogo África do Sul x Uruguai, perguntei-lhe sobre uma manifestação dele acerca da execução dos hinos nacionais. Nesse dia, o hino do Uruguai foi ouvido com respeito pela torcida, que, por motivos óbvios, era majoritariamente sul-africana. Tabárez fez questão de dar uma alfinetada nas torcidas sul-americanas (sem exceção), dizendo que, nas mesmas circunstâncias, o comportamento por aqui é lamentável.
Na segunda entrevista, depois do jogo Uruguai x Holanda (semifinal), em que a Celeste foi prejudicada pelo trio de arbitragem, Tabárez só se referiu aos erros dos "homens de preto" quando o assunto foi abordado pelos jornalistas. Cavalheiro, Tabárez disse que aquilo é coisa do futebol e que é preciso saber perder.
No mês passado, depois da emocionante vitória sobre o Paraguai e da consequente conquista da Copa América, mais uma vez "El Maestro" fez questão de mencionar o fator educação, que ele introduziu em todas as seleções uruguaias (sub 17, sub 20, principal). "Um jogador de futebol tem de saber outras coisas além de futebol", diz ele. Uma dessas outras coisas é a verdadeira noção de equipe. O resultado disso é visto no campo: o impressionante despojamento das estrelas (Suárez, Forlán e Cavani, entre outros) em prol do grupo funciona como verdadeiro elemento educador. O sentido coletivo da atuação de Suárez na final é simplesmente inesquecível.
Como educador, sempre achei que, por ser muito popular e "democrático", o futebol pode funcionar como espelho. Quando se ouve ou se lê um "jornalista" exaltar certas idiotices (uma delas é a abominável "malandragem" do jogador brasileiro, ainda cantada em prosa e verso por parte da imprensa esportiva) e quando se constata que o resultado dessa exaltação e da própria "malandragem" é pífio, vê-se que o caminho a seguir parece ser outro.
A quem duvidar disso sugiro uma rápida análise do resultado das truculências de Dunga, Ricardo Teixeira etc. e do comportamento de Daniel Alves, Robinho e Felipe Melo, entre outros, na Copa da África. Felizmente, uma parte da nossa imprensa captou a mensagem uruguaia. Sugiro a leitura, entre outros, do belíssimo artigo de Maurício Stycer (UOL, 24 de julho). É isso.

inculta@uol.com.br

Brasil, um exemplo de quê?


Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Hillary Clinton andou elogiando o sistema tributário brasileiro, pela ampla capacidade de arrecadação de impostos, como definiu, e o modo como o governo gasta o dinheiro em programas sociais que tiram pessoas da pobreza. O comentário serviu para o momento político nos EUA.
O governo democrata de Barack Obama, ao qual pertence Hillary, como secretária de Estado, está justamente numa guerra fiscal com os republicanos, que dominam o Congresso. Os democratas querem um programa de ajuste que aumente os impostos - mas só para os mais ricos, ressalva Obama - sem prejudicar programas sociais. Os republicanos querem um forte e amplo corte de gastos públicos e se opõem a qualquer aumento de imposto.
Faz sentido falar em aumentar imposto nos EUA? Sim, se a comparação se dá entre os países desenvolvidos. Nesse grupo, excetuando o Japão, os EUA têm a mais baixa carga tributária, em torno dos 27% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos demais, essa carga está acima dos 35% e passa dos 40% em muitos europeus, como na França.
Mas há diferenças enormes no modo de organização da sociedade. Nos europeus, o governo precisa de mais dinheiro porque presta mais serviços diretamente à população. Os serviços de saúde, por exemplo, são basicamente públicos na Europa e privados nos EUA. Idem para o sistema de aposentadoria e de escolas.
Na verdade, porém, todo mundo paga. Os americanos recolhem menos impostos, mas precisam pagar quando vão ao médico ou às universidades. Os europeus são atendidos de graça (ou fortemente subsidiados), mas pagam mais caro pelos produtos que compram por causa dos impostos.
E, curiosamente, tanto os EUA como muitos países europeus estão com o mesmo problema: déficit no orçamento dos governos e dívidas públicas muito elevadas.
Por outro lado, entre os emergentes, o Brasil ostenta, disparado, a maior carga tributária, em torno dos 35% do PIB. Na China, por exemplo, os impostos levam apenas 20% da renda nacional. Na América Latina é a Argentina que arrecada mais impostos, depois do Brasil, mas não chega aos 30%. No México está em torno dos 20%.
Embora arrecade mais, o setor público brasileiro deve mais do que na maior parte dos emergentes, especialmente quando se considera a dívida bruta. E opera com déficit nominal no orçamento total do governo (federal, estadual e municipal.)
Resumindo, o governo brasileiro arrecada mais e toma mais dinheiro emprestado. Gasta mais, portanto, e bastante em programas sociais, como disse Hillary Clinton.
Por exemplo, um quarto da população brasileira recebe os pagamentos mensais do Bolsa-Família. Mas também um quarto da população mexicana está no Oportunidades, o Bolsa-Família deles e que, aliás, é anterior ao nosso. Também no Chile, que recolhe ainda menos impostos que no México, há o Solidariedade, distribuição de renda tão ampla e eficiente quanto os outros dois.
Considerando padrões como saúde e educação, os indicadores brasileiros de qualidade e eficiência não são superiores aos dos demais emergentes. Ao contrário, nossos alunos, nos testes internacionais, perdem de colegas de países onde a arrecadação e o gasto por estudantes é menor do que aqui.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é admirado em alguns países da América Latina, pela sua ampla capacidade de atendimento. Mas o pessoal talvez não saiba que, além de recolher os impostos que financiam o SUS, cerca de 45 milhões de brasileiros pagam planos de saúde privados. (E que Hugo Chávez vai ser tratado num hospital privado, onde se trataram, aliás, José Alencar e Dilma Rousseff).
De todo modo, um tema frequente aqui na região é, como na proposta de Hillary, aumentar impostos para financiar saúde e educação - e melhorar esses indicadores. Dizem: já que a carga tributária ainda é baixa...
Ora, isso, em si, já mostra como algo deu errado no Brasil. Nossos impostos já estão lá em cima e não se nota desempenho notável dos serviços públicos prestados. Mas a aposentadoria pública funciona bem, especialmente para os mais pobres, no caso do INSS, e para os funcionários públicos. Só que é também uma fonte enorme de déficit. Ou seja, aqui, paradoxalmente, a arrecadação de impostos e contribuições não é suficiente.
Entre os ricos também há comparações interessantes: o ensino médio europeu, basicamente público e gratuito, é superior ao americano, público e privado. Mas as universidades dos EUA, privadas e pagas, mesmo quando pertencem a governos, são muito superiores às da Europa, públicas em geral.
Somando dinheiro público e privado, os EUA são os que mais gastam (per capita) em saúde, com resultados contraditórios. Há setores da população que não conseguiam nenhuma assistência - objeto do novo programa de Obama - e setores atendidos com medicina de alto nível.
Transporte e infraestrutura nos EUA, mais privados, igualam ou superam muitos europeus, públicos.
Dá o que pensar, não é mesmo? Leva a uma conclusão que a muitos parece tão simples que não pode ser isso. Mas considerem: a questão central não está no tamanho da carga tributária e do gasto, mas na eficiência de uma e de outro. E, olhando por esse lado, o elogio de Hillary ao modelo brasileiro foi apenas uma fala para a política interna, ou resulta de falta de informação, ou as duas coisas. O governo, aqui, arrecada muito, complica e encarece a vida do contribuinte e não entrega serviços e obras na proporção esperada.
Claro que, com pouco dinheiro, governos podem fazer pouco. Mas não decorre daí que, com muito, farão mais e melhor. O Brasil é exemplo disso. Nosso caso, aqui, é como reduzir impostos e aumentar a eficiência do gasto.
JORNALISTA
SITE: WWW.SARDENBERG.COM.BR
E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR