quinta-feira, 19 de maio de 2011

A revanche da tiririca, por Thomas Lewinsohn - O Estado de S.Paulo


Para professor, mudanças do novo Código Florestal podem trazer consequências ambientais graves

15 de maio de 2011 | 0h 15

O Código Florestal brasileiro, com quase meio século de existência e emendado por vários decretos e leis posteriores, precisa ser revisado para se adequar ao Brasil do século 21 e ampliar sua eficácia como principal instrumento de salvaguarda da integridade ambiental do País, consolidando essa salvaguarda no variado espectro de demandas presentes e futuras de ocupação e utilização de todos os ecossistemas brasileiros.
Não é essa a revisão, porém, que hoje está em curso no Congresso Nacional. O novo código está sendo concluído com o frenesi de carro alegórico que precisa entrar no sambódromo. Corre-se sob pressão de uma crise fantasiosa de produção de alimentos, a qual estaria na iminência de ser estrangulada pela impossibilidade de se expandir a área cultivável nas áreas protegidas pelo atual código. De onde surgiu tal crise? Tudo indica que o vencimento, dentro de poucos meses, do prazo para enquadramento de propriedades rurais na legislação vigente - prazo sabido desde muito e repetidamente postergado - fez o agrolobby mobilizar seus parlamentares para alterar a legislação a toque de caixa.
Como se engendrou a proposta de Código Florestal que está em pauta? Segundo a comissão do Congresso liderada pelo relator Aldo Rebelo, foram consultados centenas de representantes de todos os interesses e áreas de conhecimento. Foram, alegadamente, também ouvidos "cientistas" e "ambientalistas" - como se não existisse uma ciência ambiental séria no Brasil.
Os poucos cientistas que chegaram a ser ouvidos ou lidos foram cuidadosamente pré-selecionados pelo que teriam a dizer; além do mais, a proposta incorporou somente o que o relator houve por bem (ou mal) entender. Salvo exceções simbólicas, a ciência brasileira no todo, os cientistas mais experientes, mais capacitados, as instituições mais representativas, não foram engajados efetivamente nessa elaboração, canalizada desde o inicio para intenções tendenciosas e muito distantes do interesse público e do bem comum.
Desde quando versões preliminares vieram a público, sociedades científicas e grupos de pesquisadores realizaram reuniões e produziram documentos avaliando o atual projeto. A Abeco (Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação), com o Programa Biota-Fapesp, avaliou as consequências das alterações propostas para a biodiversidade brasileira. Um estudo mais extenso foi produzido pela Academia Brasileira de Ciências com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, as principais sociedades nacionais que congregam cientistas de todas as áreas.
Os documentos reúnem análises bem fundamentadas que evidenciam um amplo leque de consequências extremamente preocupantes das modificações que estão por ser introduzidas e, inevitavelmente, tornarão o código menos eficaz em assegurar a integridade ambiental brasileira.
Vão além. Estudos detalhados mostram que, no Brasil, há ampla margem para reordenar pastagens com maior aptidão agrícola para o cultivo e incorporar tecnologias para aumentar a eficiência da pecuária. Com isso, é viável incrementar a produção brasileira sem avançar sobre as paisagens naturais remanescentes nas propriedades rurais. Ironia que no Brasil, talvez o último grande país no mundo que ainda detém a possibilidade de conciliar um vigoroso desenvolvimento agrícola com a manutenção efetiva de sua integridade ambiental, essa opção possa ser barrada por obra de um segmento míope e inconsequente do agronegócio.
Nada mais arcaico que uma visão agrodesenvolvimentista que persiste em enxergar as áreas de proteção permanente e as reservas legais do CFB tão somente como terrenos roubados à produção. Uma visão incapaz de reconhecer que, antes até de contribuir para a conservação da biodiversidade, essas áreas subtendem sua produção, preservam a qualidade ambiental de sua propriedade e a saúde de seus habitantes; em suma, asseguram serviços ambientais indispensáveis à qualidade de vida e a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Outra ironia: o pequeno proprietário rural, o alegado beneficiário maior das drásticas reduções de APPs e reservas legais embutidas na atual proposta, é quem mais terá a perder - privado que será da proteção contra erosão e degradação de água e solo, da polinização nativa de suas culturas e tantos outros serviços ambientais prestados pelos remanescentes de ecossistemas naturais que serão eliminados ou deixarão de ser recompostos. É esse proprietário que estará mais exposto aos efeitos da degradação ambiental acelerada, sem recursos e capital para se defender.
O Brasil precisa, sim, de um novo CFB; mas um código que alicerce firmemente uma política ambiental brasileira. Uma política unificada, respaldada e implementada não apenas pelo Ministério do Meio Ambiente, mas por todos os segmentos do governo. Um código, e uma política, assentados sobre o melhor conhecimento disponível, que reflitam escolhas lúcidas e sensatas, norteadas pelos maiores interesses da nação.
Esse novo código só poderá resultar de um processo maduro de elaboração conjunta que envolva as melhores lideranças e competências técnicas, científicas e políticas de que o Brasil dispõe. Que, mesmo quando discordem, não percam de vista o objetivo maior de assentar as atividades humanas numa matriz ambiental saudável, funcional e bem cuidada. Que não manipulem palavras para tornar inócua a legislação que têm o dever de aperfeiçoar. As sociedades científicas propuseram dois anos para elaborar um projeto de Código Florestal. Não é demais. A alegação de que quem queria se manifestar já teve sua chance e que acabou o tempo é pueril e talvez reflita um temor de participar de discussões substantivas e se defrontar com argumentos técnico-científicos reais. É difícil, mas não impossível, que ate 2014 o Brasil ainda consiga produzir uma boa Copa. Parece igualmente difícil, mas é muito mais importante, dar-se um tempo igual para produzir o novo Código Florestal para o Brasil.

THOMAS LEWINSOHN, DOUTOR EM CIÊNCIAS E PROFESSOR TITULAR DE ECOLOGIA DA UNICAMP, É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA ECOLÓGICA E CONSERVAÇÃO 


''Homo sapiens'' X celulose


19 de maio de 2011 | 0h 00

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Quem observa uma vaca pastando pode imaginar que as plantas são presas fáceis para os herbívoros. Afinal a planta fica lá quietinha, fixa ao solo, incapaz de reagir, enquanto a vaca abocanha o pedaço que melhor lhe apetece. Na verdade, os herbívoros enfrentam dificuldades enormes para conseguir se alimentar das plantas que devoram. Isso porque as plantas são capazes de tornar indisponível grande parte do alimento que produzem e estocam. Faz milhões de anos que os herbívoros tentam acessar esse alimento e até hoje seu sucesso foi pífio. Agora o homem, usando a ciência, resolveu entrar na briga pelo alimento oculto em cada planta.
Durante o dia, a planta usa energia solar, água e gás carbônico para produzir açúcar, o alimento preferido de todo animal. Mas ela é esperta e há milhões de anos descobriu como emendar uma unidade de açúcar na outra, produzindo um longo polímero chamado celulose. A celulose tem a estrutura de um colar de pérolas, no qual cada pérola corresponde a uma unidade de açúcar. O problema é que os animais não conseguem quebrar esse polímero e ter acesso às subunidades de açúcar capazes de fornecer a energia necessária para eles viverem.
Todos sabemos que as fibras (feixes de celulose "coladas" entre si por outra molécula, chamada lignina) são de difícil digestão. Mastigamos e engolimos as malditas, mas elas acabam saindo quase intactas nas fezes. No caso da cana-de-açúcar, somente utilizamos o açúcar dissolvido na garapa, seja para produzir álcool ou açúcar cristalizado. Mais da metade do açúcar produzido pela planta está na celulose que fica no bagaço. Hoje ele é queimado para produzir eletricidade. Por isso vacas e cavalos pastam o dia todo, sendo forçados a comer enormes volumes de plantas para extrair o alimento de que necessitam, enquanto os usineiros plantam muita cana para produzir relativamente pouco açúcar.
Durante os milhões de anos de evolução, somente alguns micro-organismos aprenderam a degradar celulose. São os fungos que degradam troncos das árvores nas florestas. Eles vivem do açúcar que obtêm da celulose. Mas esse processo é tão lento que a madeira leva anos para apodrecer. A celulose é tão resistente que produzimos casas e móveis com madeira, nada mais que um polímero de açúcar e lignina, muito bem compactado pelas espertas árvores.
Mas os ruminantes, há milhões de anos, uniram suas forças às dos micro-organismos capazes de degradar celulose. As vacas "convidaram" os fungos a viverem nos seus rumens. O rúmen de uma vaca é um saco onde vivem milhares de tipos de organismos capazes de degradar celulose. Parte do açúcar produzido alimenta os bichinhos, parte é absorvido pelas vacas. A vaca mastiga o capim (facilitando a ação dos micro-organismos) e ele vai para o rúmen, onde é digerido lentamente.
Para misturar de vez em quando esse caldo de micro-organismos e capim moído, a vaca regurgita o conteúdo do rúmen, que volta para a boca para ser mastigado mais um pouco e é engolido novamente. Esse ciclo se repete durante horas, enquanto os micro-organismos vão quebrando a celulose.
O resultado desse trabalho conjunto é pífio. No máximo 40% do açúcar presente na celulose é liberado, o resto sai nos excrementos.
Genética. Agora, um grupo de cientistas isolou os genes capazes de produzir enzimas que degradam a celulose nos micro-organismos que vivem no rúmen de uma vaca. A ideia é descobrir enzimas que liberem o açúcar desperdiçado no bagaço de cana e em outras fontes de biomassa. Os cientistas operaram algumas vacas e colocaram no rúmen delas um saco de nylon poroso contendo capim moído. Deixaram o saco lá por 72 horas, retiraram-no e isolaram o DNA de todo ser vivo aderido ao capim moído. De posse do DNA, sequenciaram-no em larga escala. No total foram 269 bilhões de pares de bases (o DNA humano tem um décimo disso). E foram analisar essas sequências.
Descobriram que o DNA pertencia a aproximadamente mil espécies diferentes de micro-organismos, cada uma com milhares de genes. Encontraram 27.755 genes que produziam proteínas que poderiam estar envolvidas na degradação da celulose. Selecionaram os 90 mais promissores, cujas proteínas foram produzidas e testadas para verificar se realmente degradavam a celulose presente em dez diferentes tipos de materiais vegetais.
Desses, 57% se mostraram capazes degradar celulose. De quebra, com os dados obtidos, foi possível descobrir o genoma completo de 15 micro-organismos presentes na biodiversidade do rúmen da vaca (sim, rúmen também tem sua biodiversidade) que ainda eram desconhecidos.
De posse dessas informações, coletadas e cultivadas pelas vacas e seus antepassados por milhões de anos, nós, os Homo sapiens, vamos tentar fazer um trabalho melhor que o feito pela evolução. A ideia é desenvolver um coquetel de enzimas capaz de ser mais eficiente que o existente no rúmen das vacas.
Será que seremos capazes de aproveitar rápida e economicamente mais que os 37% dos açúcares extraídos pelas vacas? Ou será que as plantas resistirão ao ataque de nossos cientistas e continuarão a esconder de nós grande parte do alimento que produzem através da fotossíntese?
Se triunfarmos, você vai adoçar seu cafezinho com açúcar produzido de bagaço e colocar no tanque etanol produzido a partir de celulose. Esse é mais um capítulo da saga do Homo sapiens, que há 100 mil anos tenta dominar e explorar os outro seres vivos com quem divide o planeta.
BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: METAGENOMIC DISCOVERY OF BIOMASS-DEGRADING GENES AND GENOMES FROM COW RUMEN. SCIENCE, VOL. 331, PÁG. 463, 2011 

terça-feira, 17 de maio de 2011

País criou 272.225 vagas formais em abril, aponta Caged


No acumulado dos primeiros quatro meses do ano, saldo é de 880.717 novos postos; meta do governo é atingir 3 milhões de novos empregos com carteira assinada neste ano

17 de maio de 2011 | 11h 09
Célia Froufe, da Agência Estado
BRASÍLIA - Após a criação de apenas 92,6 mil postos de trabalho em março, já descontadas as demissões do período, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) voltou a registrar um número robusto em abril. No mês passado, foram geradas 272.225 vagas de trabalho com carteira assinada, conforme dados divulgados nesta tera-feira, 17, pelo Ministério do Trabalho. Apesar do aumento, o número não é recorde para o mês. Isso ocorreu em abril do ano passado, quando o saldo de vagas líquidas foi de 349 mil.
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, havia adiantado na semana passada que o número de abril seria "muito bom" e "próximo ao recorde" do mês. No acumulado dos primeiros quatro meses do ano, o saldo é de 880.717 novos postos formais. A meta de Lupi é atingir 3 milhões de novos empregos com carteira assinada este ano. Em 2010, foram criados 2,861 milhões de novos postos formais.
Serviços
O setor de serviços apresentou saldo líquido de emprego (contratações já descontadas as demissões) de 114.434 postos formais no mês passado. O resultado, segundo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é recorde para o mês de abril. "Sem dúvida, o setor de serviços é o que mais emprega no País", comentou o ministro, durante entrevista coletiva para detalhar os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
O comércio também registrou a maior geração de vagas com carteira assinada para meses de abril. No total, foram gerados 41.587 empregos, com recorde no varejo (36.153 postos) e aumento no atacado (5.434 vagas). Em abril, a indústria da transformação contratou 51.313 a mais do que demitiu. "Muita gente estava preocupado com este setor por causa da crise, mas vemos que há recuperação", comentou.
Depois de registrar que as demissões superaram as contratações em março, a agricultura voltou a contratar mais no mês passado, com um saldo de 28.133 novos postos. Na Construção Civil, também houve uma reação em relação a março, com saldo de 3.315 novos postos.
(Texto atualizado às 11h52)