11/11/2010 - 03h11 dos sites (Envolverde/Observatório da Imprensa) Por Lilia Diniz, do Observatório da Imprensa |
O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (9/11) pela TV Brasil discutiu o reduzido espaço e a pouca atenção que a mídia oferece para reflexões filosóficas e científicas. Em meio às transformações constantes e profundas do mundo contemporâneo, a imprensa parece trabalhar apenas com o imediato.
No corre-corre diário das redações, as hard news acabam se impondo na pauta e temas mais complexos ficam em segundo plano. Reflexo do estilo de vida cada vez mais veloz e fracionado dos leitores, a imprensa deixa de lado o seu papel de promover o debate em torno de grandes temas. Os principais jornais de circulação nacional contam com cadernos dedicados à cultura e arte em geral, mas a filosofia não consegue penetrar de forma contínua e eficaz nesses espaços.
Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu três filósofos no estúdio do Observatório da TV, no Rio de Janeiro. Adauto Novaes é jornalista e professor, estudou Filosofia na Escola de Altos Estudos e jornalismo no Instituto Francês de Imprensa, ambos na Sorbonne. Foi redator do departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil e fundou, há dez anos, o Centro de Estudos Artepensamento, por meio do qual organiza ciclos de conferências. Franklin Leopoldo e Silva é professor aposentado do departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e atualmente professor visitante do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Newton Bignotto é mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. É professor de Filosofia Política e de História da Filosofia do Renascimento do Departamento de Filosofia da UFMG.
No editorial que precede o debate no estúdio, Dines questionou se a sociedade contemporânea está desperdiçando a capacidade humana de buscar o sentido das coisas. "Perdemos a capacidade de digerir as mudanças descarregadas pela galáxia novidadeira? As tensões e o estresse – artificiais ou não – de uma sociedade espetacularizada não estariam nos empurrando para uma banalização que encara a Filosofia como chatice? A imprensa tem muito a ver com esta onda de simplificações e esta perda de transcendentalidade. Ao abdicar do papel de alavanca para indagações, ela estimula o simplismo, o reducionismo e a irracionalidade", avaliou.
Exemplo a ser seguido
No debate no estúdio, Adauto Novaes chamou a atenção para a pouca cobertura da mídia sobre a morte do filósofo Claude Lefort (1924-2010), um dos grandes pensadores da Filosofia política do século passado, ocorrida em 3 de outubro último. Além de destacada carreira internacional, Claude Lefort foi professor na USP e contribuiu para a formação de diversas gerações de intelectuais no Brasil. Na visão de Adauto, a morte do filósofo não passaria em branco para o setor de pesquisa do Jornal do Brasil porque o departamento, periodicamente, preparava cadernos sobre personagens e momentos importantes do passado e da atualidade. "Uma morte como esta teria, no mínimo, uma página no dia seguinte. O espaço da reflexão se perdeu na imprensa escrita", criticou.
O professor Franklin Leopoldo e Silva questionou o papel dos leitores nesta conjuntura: "Será que a nossa oferta de boa qualidade na imprensa não está à altura do público porque não há demanda sobre isso, ou será que a demanda condiciona ou induz uma certa oferta de qualidade?", perguntou. Para o filósofo, a questão passa pelo caráter pedagógico da imprensa. A mídia não como função conduzir os indivíduos nem formar opiniões, mas sim impulsioná-los em direção à autonomia. Fazer com que o cidadão pense por si mesmo. "A formação, que não envolve uma passividade do indivíduo, é realmente algo que só pode ser possível se você oferecer ao público sempre um pouquinho mais do que aquilo que ele está habituado a ter", disse. O professor reconhece que seria necessário um esforço maior do leitor, no entanto ponderou que o empenho é estimulante para a mentalidade crítica.
Dines questionou se a universidade continua sendo o "lugar da reflexão". Para Newton Bignotto, a academia ainda ocupa este espaço, embora tenha perdido atualidade. "Em busca de um modelo em que o produto, independente do seu conteúdo, parece mais importante, muitas vezes nós estamos renunciando a enfrentar temas contemporâneos mais árduos, mais difíceis", disse. De um lado, os intelectuais buscam se proteger de "um certo ensaísmo" pouco rigoroso. Mas ao fazer este movimento e tratar de "pequenos temas e problemas", perdem o sentido da atividade e acabam gerando um "produtivismo" que os isola do tempo presente e tem como consequência a restrição do público.
De olhos fechados para as mutações
Na avaliação de Adauto Novaes, os meios de comunicação talvez não estejam se dando conta das profundas transformações pelas quais o mundo passa hoje. As chamadas "mutações", tema estudado pelo grupo de convidados do Observatório há cinco anos em ciclos de conferência realizados por todo o Brasil, ocorrem, de acordo com Adauto, a partir de uma impactante evolução técnico-científica, biotecnológica e da informática. Dentro deste aspecto, todas as áreas estão passando por transformações nas mentalidades, na ética, na política e nos costumes. E é preciso refletir sobre esses temas. O filósofo avalia que imprensa escrita oferece pouco espaço para discussões como esta, novas em vários campos da atividade humana.
"Talvez seja este um dos problemas. Querer entrar neste novo mundo onde estamos vivendo. Aquilo que a Hannah Arendt (1906-1975) diz: a gente vive entre dois mundos, um que não acabou inteiramente e outro que não começou inteiramente. A gente está nesta passagem e talvez a imprensa esteja nesta passagem também – e ainda não acordou para esta realidade", disse. Adauto sublinhou que atualmente vivemos em um momento de "passagem radical". Após as duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), teve início a grande mudança gerada pelas transformações científicas, tecnológicas e da informação. "Os jornais também estão refletindo este impacto hoje. Eles estão perdidos", comentou.
Através da experiência com os ciclos de conferência organizados por Adauto Novaes, o professor Franklin Leopoldo e Silva observou que este é um nicho que poderia ser mais bem explorado. "Apesar de todas as dificuldades, como a inflação de idéias, por exemplo, há ali um público em potencial capaz de assimilar criticamente uma discussão feita em um nível razoavelmente elevado, levando-se em conta, naturalmente, a maneira pela qual você aborda a contemporaneidade", afirmou.
O professor comentou que em todos os ciclos organizados por Adauto há uma ligação entre a História do Pensamento e da Cultura com acontecimentos que são capazes de despertar no ouvinte ou no leitor "certas ligações"; e levar o público a perceber que o passado serve para compreender o presente e que os acontecimentos podem ser mais bem analisados à luz de uma estrutura cultural histórica.
Fatos e reflexões
Adauto Novaes aproveitou para homenagear os conferencistas que participam das palestras e que hoje compõe uma "comunidade de amigos". Para preparar os ciclos, os palestrantes se reúnem para uma discussão de idéias e buscam integrar as diversas disciplinas. Não há apenas filósofos. O grupo conta com cientistas políticos, cientistas sociais e psicanalistas. Adauto comentou que a Filosofia está segregada na sociedade e que os ciclos de conferência tentam expandir o público interessado neste tipo de discussão. Adauto lembrou que o poeta e filósofo Paul Valéry (1871-1945) começa o ensaio Prefácio às cartas persas afirmando que "a era da barbárie é a era dos fatos, nenhuma sociedade se estrutura, se organiza, sem as coisas vagas". Por "coisas vagas" se entende a Filosofia, as abstrações, as Artes, os ideais políticos. "A gente está vivendo hoje a era dos fatos. Tudo se reduz a ‘fato’ e a idéia do Pensamento está a reboque desses fatos". Para o filósofo, este é o grande desafio da atualidade.
Dines comentou que o espaço da Filosofia na iniciativa privada ainda é muito restrito e questionou se o mercado poderia "tirar as pessoas da barbárie dos fatos" para criar o hábito da reflexão. Para Franklin Leopoldo e Silva, o mercado de bens culturais tende a facilitar e a simplificar. A maioria dos eventos pretende oferecer ao público apenas o mínimo e fazê-lo pensar apenas o mínimo. "O que a gente nota no mercado editorial e na oferta de eventos, de maneira geral, é esta tentativa de contemporizar, simplificar, e não mexer muito com a acomodação das pessoas. Não fazer com que a reflexão seja um instrumento de mudança na vida pessoal e coletiva, porque isto incomoda". Esta conjuntura tem reflexos no patrocínio da iniciativa privada. "Muitos não querem ver a sua marca associada a questões ‘estratosféricas’", disse o professor. As leis de incentivo promovem o interesse do setor, mas ainda de maneira lenta.
A participação da internet também esteve em pauta no Observatório. Newton Bignotto comentou que as conferências inaugurais realizadas no Rio de Janeiro são transmitidas em tempo real via web. Este ano, o ciclo foi seguido pela rede de microblogs Twitter. "A internet é uma ferramenta essencial nisso. Até porque justamente ela precisa, talvez, estar menos condicionada a grandes meios, e é muito eficaz. Eu sou otimista neste sentido. Eu acho que a internet, como o que está acontecendo com os blogs hoje, produz um debate, uma possibilidade de encontro que é impossível em outros meios. Também para a troca de pensamentos, é muito razoável nos servirmos da internet", avaliou o filósofo.
Elogio à preguiça
O tema do próximo ciclo, revelado por Adauto Novaes aos telespectadores do programa, será a preguiça. "Como diz o [Albert] Camus (1913-1960), é o ocioso que transforma o mundo porque os outros não têm tempo", disse. O filósofo destacou que este assunto é interessante para a atualidade exatamente porque quanto mais se trabalha, menos se pensa. Questões como o esgotamento do corpo e do espírito através do trabalho, o ócio e o tempo para a reflexão estarão em pauta. "É um tema muito sério. Veja o que estava acontecendo com os pobres que estavam soterrados lá no Chile. A imprensa fala diariamente, mostra imagens miraculosas, maravilhosas, mas nenhum jornal, nenhuma televisão falou das condições de trabalho que levaram a isso. Isso é muito mais importante", assegurou.
***
Mídia e filosofia
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 571, exibido em 9/11/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Alguns otimistas etiquetam os nossos tempos como "a era da informação", outros preferem uma designação mais cautelosa, cética. Segundo eles, estaríamos na "era da indiferença". Uma terceira visão parece mais adequada e equilibrada: a era da informação – o dilúvio informativo – produz uma fragmentação e uma secundarização que deságuam numa espécie de letargia coletiva e globalizada. Informação e indiferença, portanto, fariam parte do mesmo pacote.
Isso significa que a sociedade contemporânea está desperdiçando a capacidade humana de buscar o sentido das coisas? Perdemos a capacidade de digerir as mudanças descarregadas pela galáxia novidadeira? As tensões e o estresse – artificiais ou não – de uma sociedade espetacularizada não estariam nos empurrando para uma banalização que encara a filosofia como chatice? Penso, logo existo saiu de moda?
A imprensa tem muito a ver com esta onda de simplificações e esta perda de transcendentalidade. Ao abdicar do papel de alavanca para indagações, ela estimula o simplismo, o reducionismo e a irracionalidade. Para o brasileiro médio, Sócrates é uma grande estrela do futebol, médico, corintiano, capitão da nossa seleção em 1982. Mas sobre o seu homônimo precursor, o filósofo grego Sócrates, é uma abstração.
Mas nem tudo está perdido. Este Observatório traz hoje uma experiência muito bem sucedida comandada por um jornalista-filósofo que em três décadas organizou trinta ciclos de conferências em sete cidades brasileiras. Cada ciclo resultou num livro e desta biblioteca foram vendidos 180 mil exemplares.
Adauto Novaes é o autor desta façanha que, de certa forma, tem o seu início no velho departamento de pesquisa do recém-falecido Jornal do Brasil. Também estão conosco neste programa Franklin Leopoldo e Silva e Newton Bignotto, filósofos que participam constantemente dos ciclos de debates promovidos por Adauto.
No corre-corre diário das redações, as hard news acabam se impondo na pauta e temas mais complexos ficam em segundo plano. Reflexo do estilo de vida cada vez mais veloz e fracionado dos leitores, a imprensa deixa de lado o seu papel de promover o debate em torno de grandes temas. Os principais jornais de circulação nacional contam com cadernos dedicados à cultura e arte em geral, mas a filosofia não consegue penetrar de forma contínua e eficaz nesses espaços.
Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu três filósofos no estúdio do Observatório da TV, no Rio de Janeiro. Adauto Novaes é jornalista e professor, estudou Filosofia na Escola de Altos Estudos e jornalismo no Instituto Francês de Imprensa, ambos na Sorbonne. Foi redator do departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil e fundou, há dez anos, o Centro de Estudos Artepensamento, por meio do qual organiza ciclos de conferências. Franklin Leopoldo e Silva é professor aposentado do departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e atualmente professor visitante do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Newton Bignotto é mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. É professor de Filosofia Política e de História da Filosofia do Renascimento do Departamento de Filosofia da UFMG.
No editorial que precede o debate no estúdio, Dines questionou se a sociedade contemporânea está desperdiçando a capacidade humana de buscar o sentido das coisas. "Perdemos a capacidade de digerir as mudanças descarregadas pela galáxia novidadeira? As tensões e o estresse – artificiais ou não – de uma sociedade espetacularizada não estariam nos empurrando para uma banalização que encara a Filosofia como chatice? A imprensa tem muito a ver com esta onda de simplificações e esta perda de transcendentalidade. Ao abdicar do papel de alavanca para indagações, ela estimula o simplismo, o reducionismo e a irracionalidade", avaliou.
Exemplo a ser seguido
No debate no estúdio, Adauto Novaes chamou a atenção para a pouca cobertura da mídia sobre a morte do filósofo Claude Lefort (1924-2010), um dos grandes pensadores da Filosofia política do século passado, ocorrida em 3 de outubro último. Além de destacada carreira internacional, Claude Lefort foi professor na USP e contribuiu para a formação de diversas gerações de intelectuais no Brasil. Na visão de Adauto, a morte do filósofo não passaria em branco para o setor de pesquisa do Jornal do Brasil porque o departamento, periodicamente, preparava cadernos sobre personagens e momentos importantes do passado e da atualidade. "Uma morte como esta teria, no mínimo, uma página no dia seguinte. O espaço da reflexão se perdeu na imprensa escrita", criticou.
O professor Franklin Leopoldo e Silva questionou o papel dos leitores nesta conjuntura: "Será que a nossa oferta de boa qualidade na imprensa não está à altura do público porque não há demanda sobre isso, ou será que a demanda condiciona ou induz uma certa oferta de qualidade?", perguntou. Para o filósofo, a questão passa pelo caráter pedagógico da imprensa. A mídia não como função conduzir os indivíduos nem formar opiniões, mas sim impulsioná-los em direção à autonomia. Fazer com que o cidadão pense por si mesmo. "A formação, que não envolve uma passividade do indivíduo, é realmente algo que só pode ser possível se você oferecer ao público sempre um pouquinho mais do que aquilo que ele está habituado a ter", disse. O professor reconhece que seria necessário um esforço maior do leitor, no entanto ponderou que o empenho é estimulante para a mentalidade crítica.
Dines questionou se a universidade continua sendo o "lugar da reflexão". Para Newton Bignotto, a academia ainda ocupa este espaço, embora tenha perdido atualidade. "Em busca de um modelo em que o produto, independente do seu conteúdo, parece mais importante, muitas vezes nós estamos renunciando a enfrentar temas contemporâneos mais árduos, mais difíceis", disse. De um lado, os intelectuais buscam se proteger de "um certo ensaísmo" pouco rigoroso. Mas ao fazer este movimento e tratar de "pequenos temas e problemas", perdem o sentido da atividade e acabam gerando um "produtivismo" que os isola do tempo presente e tem como consequência a restrição do público.
De olhos fechados para as mutações
Na avaliação de Adauto Novaes, os meios de comunicação talvez não estejam se dando conta das profundas transformações pelas quais o mundo passa hoje. As chamadas "mutações", tema estudado pelo grupo de convidados do Observatório há cinco anos em ciclos de conferência realizados por todo o Brasil, ocorrem, de acordo com Adauto, a partir de uma impactante evolução técnico-científica, biotecnológica e da informática. Dentro deste aspecto, todas as áreas estão passando por transformações nas mentalidades, na ética, na política e nos costumes. E é preciso refletir sobre esses temas. O filósofo avalia que imprensa escrita oferece pouco espaço para discussões como esta, novas em vários campos da atividade humana.
"Talvez seja este um dos problemas. Querer entrar neste novo mundo onde estamos vivendo. Aquilo que a Hannah Arendt (1906-1975) diz: a gente vive entre dois mundos, um que não acabou inteiramente e outro que não começou inteiramente. A gente está nesta passagem e talvez a imprensa esteja nesta passagem também – e ainda não acordou para esta realidade", disse. Adauto sublinhou que atualmente vivemos em um momento de "passagem radical". Após as duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), teve início a grande mudança gerada pelas transformações científicas, tecnológicas e da informação. "Os jornais também estão refletindo este impacto hoje. Eles estão perdidos", comentou.
Através da experiência com os ciclos de conferência organizados por Adauto Novaes, o professor Franklin Leopoldo e Silva observou que este é um nicho que poderia ser mais bem explorado. "Apesar de todas as dificuldades, como a inflação de idéias, por exemplo, há ali um público em potencial capaz de assimilar criticamente uma discussão feita em um nível razoavelmente elevado, levando-se em conta, naturalmente, a maneira pela qual você aborda a contemporaneidade", afirmou.
O professor comentou que em todos os ciclos organizados por Adauto há uma ligação entre a História do Pensamento e da Cultura com acontecimentos que são capazes de despertar no ouvinte ou no leitor "certas ligações"; e levar o público a perceber que o passado serve para compreender o presente e que os acontecimentos podem ser mais bem analisados à luz de uma estrutura cultural histórica.
Fatos e reflexões
Adauto Novaes aproveitou para homenagear os conferencistas que participam das palestras e que hoje compõe uma "comunidade de amigos". Para preparar os ciclos, os palestrantes se reúnem para uma discussão de idéias e buscam integrar as diversas disciplinas. Não há apenas filósofos. O grupo conta com cientistas políticos, cientistas sociais e psicanalistas. Adauto comentou que a Filosofia está segregada na sociedade e que os ciclos de conferência tentam expandir o público interessado neste tipo de discussão. Adauto lembrou que o poeta e filósofo Paul Valéry (1871-1945) começa o ensaio Prefácio às cartas persas afirmando que "a era da barbárie é a era dos fatos, nenhuma sociedade se estrutura, se organiza, sem as coisas vagas". Por "coisas vagas" se entende a Filosofia, as abstrações, as Artes, os ideais políticos. "A gente está vivendo hoje a era dos fatos. Tudo se reduz a ‘fato’ e a idéia do Pensamento está a reboque desses fatos". Para o filósofo, este é o grande desafio da atualidade.
Dines comentou que o espaço da Filosofia na iniciativa privada ainda é muito restrito e questionou se o mercado poderia "tirar as pessoas da barbárie dos fatos" para criar o hábito da reflexão. Para Franklin Leopoldo e Silva, o mercado de bens culturais tende a facilitar e a simplificar. A maioria dos eventos pretende oferecer ao público apenas o mínimo e fazê-lo pensar apenas o mínimo. "O que a gente nota no mercado editorial e na oferta de eventos, de maneira geral, é esta tentativa de contemporizar, simplificar, e não mexer muito com a acomodação das pessoas. Não fazer com que a reflexão seja um instrumento de mudança na vida pessoal e coletiva, porque isto incomoda". Esta conjuntura tem reflexos no patrocínio da iniciativa privada. "Muitos não querem ver a sua marca associada a questões ‘estratosféricas’", disse o professor. As leis de incentivo promovem o interesse do setor, mas ainda de maneira lenta.
A participação da internet também esteve em pauta no Observatório. Newton Bignotto comentou que as conferências inaugurais realizadas no Rio de Janeiro são transmitidas em tempo real via web. Este ano, o ciclo foi seguido pela rede de microblogs Twitter. "A internet é uma ferramenta essencial nisso. Até porque justamente ela precisa, talvez, estar menos condicionada a grandes meios, e é muito eficaz. Eu sou otimista neste sentido. Eu acho que a internet, como o que está acontecendo com os blogs hoje, produz um debate, uma possibilidade de encontro que é impossível em outros meios. Também para a troca de pensamentos, é muito razoável nos servirmos da internet", avaliou o filósofo.
Elogio à preguiça
O tema do próximo ciclo, revelado por Adauto Novaes aos telespectadores do programa, será a preguiça. "Como diz o [Albert] Camus (1913-1960), é o ocioso que transforma o mundo porque os outros não têm tempo", disse. O filósofo destacou que este assunto é interessante para a atualidade exatamente porque quanto mais se trabalha, menos se pensa. Questões como o esgotamento do corpo e do espírito através do trabalho, o ócio e o tempo para a reflexão estarão em pauta. "É um tema muito sério. Veja o que estava acontecendo com os pobres que estavam soterrados lá no Chile. A imprensa fala diariamente, mostra imagens miraculosas, maravilhosas, mas nenhum jornal, nenhuma televisão falou das condições de trabalho que levaram a isso. Isso é muito mais importante", assegurou.
***
Mídia e filosofia
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 571, exibido em 9/11/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Alguns otimistas etiquetam os nossos tempos como "a era da informação", outros preferem uma designação mais cautelosa, cética. Segundo eles, estaríamos na "era da indiferença". Uma terceira visão parece mais adequada e equilibrada: a era da informação – o dilúvio informativo – produz uma fragmentação e uma secundarização que deságuam numa espécie de letargia coletiva e globalizada. Informação e indiferença, portanto, fariam parte do mesmo pacote.
Isso significa que a sociedade contemporânea está desperdiçando a capacidade humana de buscar o sentido das coisas? Perdemos a capacidade de digerir as mudanças descarregadas pela galáxia novidadeira? As tensões e o estresse – artificiais ou não – de uma sociedade espetacularizada não estariam nos empurrando para uma banalização que encara a filosofia como chatice? Penso, logo existo saiu de moda?
A imprensa tem muito a ver com esta onda de simplificações e esta perda de transcendentalidade. Ao abdicar do papel de alavanca para indagações, ela estimula o simplismo, o reducionismo e a irracionalidade. Para o brasileiro médio, Sócrates é uma grande estrela do futebol, médico, corintiano, capitão da nossa seleção em 1982. Mas sobre o seu homônimo precursor, o filósofo grego Sócrates, é uma abstração.
Mas nem tudo está perdido. Este Observatório traz hoje uma experiência muito bem sucedida comandada por um jornalista-filósofo que em três décadas organizou trinta ciclos de conferências em sete cidades brasileiras. Cada ciclo resultou num livro e desta biblioteca foram vendidos 180 mil exemplares.
Adauto Novaes é o autor desta façanha que, de certa forma, tem o seu início no velho departamento de pesquisa do recém-falecido Jornal do Brasil. Também estão conosco neste programa Franklin Leopoldo e Silva e Newton Bignotto, filósofos que participam constantemente dos ciclos de debates promovidos por Adauto.