quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Os arrependidos, FSP

Eleitores de Bolsonaro cobram compromisso de combate à corrupção

Há dois dias, disse que a lua de mel dos eleitores com o presidente eleito terminaria assim que ele assumisse o mandato. Estava errada. Nem bem o casamento foi consumado os desentendimentos começaram.
Quarta (31), pelo Twitter, Bolsonaro disse que “nossos ministérios não serão compostos por condenados por corrupção.” Parece uma resposta a chiadeira em torno da suposta escolha de Alberto Fraga para sua equipe. Deputado federal pelo DEM, ele foi condenado por corrupção em primeira instância. 
Seu nome chegou aos Trending Topics após Onyx Lorenzoni ter sido confirmado na Casa Civil. Lorenzoni é um dos homens fortes do presidente e já admitiu ter recebido caixa dois da JBS. Foi o que bastou para os internautas se revoltarem e cobrarem tanto de forma educada como ríspida o compromisso tão alardeado do combate à corrupção. 
E como a internet é rápida, há compilações de postagem de eleitores não muito satisfeitos e, obviamente, de oportunistas que aproveitam a carona para criticar Bolsonaro. “Mito! Alberto Fraga como ministro? Eu perdi 2 tias e 1 prima nessa eleição! Por lhe defender! Mas acredito que o sr ouvirá a voz dos seus eleitores.” 
Por enquanto, Fraga não foi confirmado, mas Bolsonaro pode se valer do mesmo argumento que usa para defender o torturador Ustra: ele não foi condenado em última instância. Tortura nunca desmotivou seus eleitores, mas propina parece não ter perdão. Vá entender.
Além da corrupção, o outro tema comentado é a fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Um engenheiro florestal diz que está disponível para diálogo, e completa: “Votei no senhor, não me faça passar essa vergonha”. Jair Bolsonaro sempre contou com as redes sociais para se comunicar com seus seguidores e teve até agora uma militância forte ao seu lado. Resta saber se está preparado para as cobranças que já começaram a chegar antes mesmo de ele assumir o cargo.
Mariliz Pereira Jorge
Jornalista e roteirista de TV.

Algoritmos combinam com democracia?, FSP

Novo governo inteiro será conhecido por posts

A primeira fala de Jair Bolsonaro como presidente eleito ocorreu numa rede social. O novo governo inteiro será conhecido por posts.
Muito confortável para quem governa, esse canal de comunicação enxuga o espaço do contraditório. Do ponto de vista do jornalismo, não é o caso de ficar chorando pelos cantos —a desintermediação é um dado da vida. Donald Trump, o rei do Twitter, levou dois meses para dar uma entrevista coletiva como eleito.
Fosse um problema jornalístico, já seria grande. Mais profundo é o buraco para a sociedade, pois a relação entre democracia e tecnologia se insinua diferente da imaginada.
“Após o fim da Guerra Fria, a sabedoria ocidental guiava-se por duas crenças: que a democracia liberal iria se espalhar pelo planeta e que a tecnologia seria o vento a empurrá-la”, escrevem Nicholas Thompson e Ian Bremmer em artigo neste mês na Wired. “O cenário atual da revolução digital é diferente”, dizem eles, mostrando como o regime ditatorial chinês se vale da computação.
A tecnologia beneficia não só regimes totalitários, afirma o sociólogo Paolo Gerbaudo em outro artigo deste ano. “Muitos movimentos populistas na história se caracterizaram por um espírito inovador.”
Decerto há um bocado de impressionismo no ar, mas é nítido que a coisa não cheira bem. As limitações técnicas a pesquisas nessa área, ainda imensas, afastam a academia de compreender direito o efeito das fake news e das ações contra elas.
Obstáculo parecido enfrentam os levantamentos de opinião pública. Dizer que não acredita em fake news ou que não as envia é muito diferente de não crer ou não encaminhar.
Outro efeito ainda pouco mensurável ocorre nas relações sociais. Os arrependidos-publicamente-pelo-voto estão aí, já nesta semana, a provar que a política criou seu BBB.
Todo um novo campo de estudo está florescendo. Talvez algum dia concluamos que algoritmos não harmonizam com democracia. Até lá, dá para ir manipulando muita coisa.

A guinada do juiz, FSP Opinião



A sofreguidão com que o juiz federal Sergio Moro atendeu ao chamado do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), poucas horas após o fechamento das urnas, espantou até mesmo os observadores mais atentos da trajetória do magistrado.
Em entrevistas na segunda (29), o futuro mandatário mencionou Moro como um bom nome para o Ministério da Justiça ou uma vaga no Supremo Tribunal Federal, pelo papel que exerceu no combate à corrupção nos últimos anos.
No dia seguinte, o juiz disse que se considerava honrado pela lembrança e imediatamente passou a dar sinais de entusiasmo pela ideia do capitão reformado. Ficou acertado um encontro para que os dois se entendam nesta quinta (1º), no Rio.
Os movimentos surpreendem porque contrariam a reputação que o magistrado construiu com zelo nos quatro anos em que conduziu os processos da Lava Jato.
Sai de cena o profissional sóbrio que aplicou a lei com rigor e mandou para a prisão os figurões que se associaram para saquear os cofres públicos. Sobe ao palco o juiz inebriado pela adoração popular e pela chance de entrar na política.
Qualquer que seja o desfecho da conversa com Bolsonaro, Moro comprometeu sua independência como magistrado de maneira irremediável ao dar passos tão resolutos na direção do novo governo.
Se sua escolha for confirmada pelo presidente eleito, ele perderá, claro, o distanciamento necessário para seguir na Lava Jato.
Basta imaginar o que poderá acontecer no próximo dia 14, data marcada pelo próprio juiz para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja ouvido em uma das ações em que é réu no Paraná.
Preso em Curitiba, o líder petista tornou-se inelegível depois que sua condenação por Moro, em outro caso, foi confirmada pelo tribunal de segunda instância.
O PT ganharia argumentos, nesse cenário, para alimentar a versão fantasiosa, levada à opinião pública e a instituições internacionais, de que Lula se viu condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro sem provas, devido a mera perseguição política.
Mesmo que o magistrado não se mude para Brasília, o flerte com Bolsonaro põe em dúvida sua isenção e estimulará pedidos para que tribunais superiores revisem suas sentenças com olhar crítico.
É previsível o questionamento a decisões que podem ter contribuído para o triunfo bolsonarista ao reforçar sentimentos antipetistas —da prisão de Lula à divulgação da delação do ex-ministro Antonio Palocciàs vésperas do primeiro turno.
Decerto que constitui prerrogativa do presidente formar sua equipe como achar melhor, e Moro pode estar imbuído das mais nobres intenções ao atender a seu convite. O dano para a credibilidade da Lava Jato, porém, pode ser irreversível.