Deu nos sites. Na semana passada, num cinema em Belo Horizonte, um espectador tentou agredir uma funcionária porque, precisando repor sua ração de pipoca durante a projeção, viu-se obrigado a ir ao pipoqueiro na sala de espera, o que o faria perder instantes cruciais do filme. O homem esperava que houvesse um refil no escurinho da própria sala. A câmera de segurança mostra-o correndo grotescamente atrás da pobre moça. Não se informou o título do filme.
Para mim, o filme é secundário. Tanto faz ser de tribunal quanto de dinossauro, com ou sem beijo no fim. É a prova de que não se vai mais ao cinema para ver o filme, mas para comer pipoca. Imagino que parte dos bilhões auferidos hoje pelos blockbusters inclua a receita da pipoca. E não me surpreenderá se a Fox ou a Disney estiverem usando a produção de filmes como uma frente para o seu verdadeiro negócio, que é produzir pipoca.
Como não acho graça em pipoca (prefiro torresmo), há anos deixei de ir ao cinema. Não posso me arriscar a ser visto entrando para ver um filme sem estar sobraçando um megassaco de pipoca —o que irão pensar de mim? Ninguém entenderá que essa deficiência se deve ao fato de que, em outros tempos, a que me acostumei, a pipoca era só uma atração opcional. E, mesmo assim, restrita a filmes de caubói ou de guerra, em que os tiroteios e explosões abafavam o rumor da mastigação. Em outros, como "Hiroshima, Meu Amor" (1959), de Alain Resnais, ou "A Aventura" (1960), de Michelangelo Antonioni, o troar dos maxilares triturando caroços ficaria terrivelmente conspícuo nas longas sequências de total silêncio.
O homem que armou o barraco no cinema é, parece, um desembargador. Um desembargador é um magistrado encarregado de desembargar, ou seja, tirar os embargos, os estorvos de um processo.
E não há maior estorvo hoje num cinema do que a distância entre a tela e o pipoqueiro.
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