Precisamos reagir à perigosa ilusão da impunidade em uma sociedade despreocupada com as consequências. "Não vai dar nada". Esse mantra estúpido parece ter se tornado a filosofia de uma sociedade indiferente às consequências de suas ações. O "não vai dar nada" ecoa na mente de quem crê que viver sem responsabilidade é uma escolha viável, sem se preocupar com os danos causados.
Esse grito se espalha como um vírus, contaminando todos os aspectos da vida cotidiana. É ignorar a saúde, a lei e a moral. E, no online, esse sentimento de impunidade cresce. Homofobia, misoginia, acusações sem prova: tudo se torna válido quando se acredita que "não vai dar nada".
Mas não é só online. É fácil encontrar deputados exercendo seus mandatos na base do "não vai dar nada". O que será que alguns deles pensaram quando aprovaram urgência em um projeto de lei que condena vítimas de estupro que engravidaram e tiveram de abortar, com penas bem maiores do que para seus algozes? "Não vai dar nada".
E assim estamos: "Assédio de diretores de grandes companhias? Disseminar ódio nas redes sociais? Criar grupos de ódio online? "Não vai dar nada".
O "não vai dar nada" chegou até os livros de história: no triste 8 de janeiro de 2023, quando os terroristas que invadiram os prédios dos Três Poderes também achavam que "não daria em nada". E muitos deles fugiram após quebrar suas tornozeleiras eletrônicas, provando que, para eles, realmente "não deu nada".
As catástrofes ambientais têm uma sementinha de "não vai dar nada". Cortar uma árvore? Jogar um papel no chão? Poluir o ar, usar agrotóxicos sem moderação, construir em áreas de preservação, ignorar desmatamento ilegal, permitir que mineradoras destruam ecossistemas... "Calma aí, não vai dar nada".
Enfrentamos uma pandemia na base do "não vai dar nada" e vimos mais de 700 mil mortes. A negação das vacinas e da ciência é outro fruto amargo desse pensamento.
A saúde, inclusive, é campo fértil (e também fatal) para o "não vai dar nada". Na era do "Dr. Influencer", a desinformação leva muitos a negligenciarem cuidados essenciais e seguirem conselhos perigosos.
No recente caso do fenol, temos uma cadeia trágica de "não vai dar nada" que culminou em desastre. A farmacêutica decide vender cursos de procedimentos estéticos sem qualquer critério rigoroso, porque "não vai dar nada". A influenciadora compra o curso e, sem a qualificação necessária, se sente habilitada a aplicar um peeling de fenol, confiando que "não vai dar nada". O paciente, em busca de uma solução rápida e barata, negligencia a pesquisa e entrega sua saúde nas mãos de alguém, acreditando que "não vai dar nada".
A crença de que nossas ações não têm consequências é uma ilusão perigosa e letal. Vidas são destruídas e instituições são abaladas pela estupidez e imprudência. Precisamos erradicar essa mentalidade e estabelecer uma cultura de responsabilidade. Nossas ações importam —e muito. E, em um cenário como esse, nossas reações importam mais ainda.
Em um país sério, essas atitudes seriam coibidas com rigor. O poder público deveria ser o primeiro a mostrar que não há lugar para "não vai dar nada". No entanto, a única instituição que demonstrou alguma preocupação foi o STF. Já a maioria dos políticos segue acreditando que seus projetos de lei vão passar impunemente, influenciados por uma sociedade sem reação. É preciso despertar antes que mais vidas sejam destruídas pela ideia imbecil de que nada importa.
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