Em recente entrevista o ministro da Educação anunciou que o governo está planejando criar um programa para premiação das escolas cujo ponto alto seria a premiação pelo desempenho no Enem – "o Oscar da Educação".
Dependendo de como isso será feito, as escolas que atendem aos grupos representados pelos que subiram a rampa com o presidente Lula, não serão representadas. Não seria isso uma inconsistência programática?
Isso ocorrerá porque a pesquisa educacional já estabeleceu firmemente que uma medida isolada dos resultados educacionais dos estudantes de uma escola reflete mais de perto as características sociais dos estudantes fora, portanto, do controle da escola, do que o trabalho pedagógico nela desenvolvido.
Informação sobre três destes fatores podem obtidos com dados do Censo Escolar. Em pesquisa recente, Tereza Alves, Aguinaldo Fonseca e eu medimos o nível de exclusão educacional dos 40 grupos que podem ser formados pela interseção das variáveis: sexo –dois níveis; raça– cinco níveis e o nível socioeconômico (NSE) da escola, com quatro níveis. A exclusão educacional é medida pelo percentual de estudantes com trajetória irregular em cada um destes grupos.
É muito informativo para o debate educacional comparar o nível deste indicador entre os estudantes pertencentes aos grupos, entre os 40 considerados, que, conjuntamente, constituem os 20% estudantes com os menores valores deste indicador, com os 20% de estudantes com os valores mais altos.
Todos os estudantes sem exclusão educacional são de grupos com nível socioeconômico alto, há uma predominância de meninas e os estudantes pretos não estão presentes. O grupo dos mais excluídos, por outro lado, inclui a maioria dos estudantes de NSE baixo e médio baixo; é majoritariamente masculino e inclui os estudantes pretos e indígenas.
Há uma participação dos pardos pobres e apenas os brancos pobres estão presentes. Ou seja, para considerar adequadamente a exclusão educacional não basta considerar o nível socioeconômico dos estudantes, é preciso modulá-lo pela raça e sexo.
A diferença de desempenho entre os estudantes destes dois grupos é muito grande. Usando os dados públicos do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), até 2019, pode-se constatar que a diferença de desempenho entre os dois grupos se manteve estável ao longo dos anos, tanto em leitura como em matemática e é equivalente a mais de dois anos de escolarização.
Ou seja, pode-se dizer que, enquanto os estudantes do grupo sem exclusão educacional estão no nono ano, os do grupo mais excluído estão no sétimo ano.
Com dois anos de diferença, é praticamente impossível que uma escola que atende basicamente a estudantes do grupo de excluídos competir com sucesso com escolas cujos estudantes não estão submetidos a exclusão educacional. Assim sendo, premiar escolas, forçando-as a competir entre si, é uma política de utilidade educacional duvidosa e socialmente excludente.
No entanto, em relação ao Enem, existe uma forte demanda social para se conhecer os resultados dos estudantes no Enem. Esta demanda é tão grande que recentemente uma empresa, respeitando todas as determinações legais, obteve os dados e os vendeu. Diante disso, é razoável que o governo torne acessível, para cada escola, as suas informações.
Junto com este acesso, é razoável reconhecer o trabalho de escolas cujos resultados estão muito além do esperado. Para isso é preciso calcular o resultado esperado das escolas considerando seu porte, o número de estudantes que permaneceram na escola durante o ensino médio, a formação dos seus docentes e o NSE de seus estudantes.
Com este tipo de ação, nosso país conheceria as escolas que têm, de fato, impacto na vida de seus estudantes. Não se festejariam as escolas que apenas se apropriam das vantagens proporcionadas pelas famílias de seus estudantes, vinda de seus recursos financeiros e capital cultural.
O INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) já teve uma ação neste sentido que dava visibilidade a muitos projetos pedagógicos, que ficam invisíveis em uma divulgação centrada na competição.
Mas neste momento há outras importâncias e outras urgências em relação ao Ensino Médio. As escolas precisam saber como será a estrutura do Enem, depois da reforma do Ensino Médio.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Chico Soares foi "Xibom Bombom", do grupo As Meninas.
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