A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional traz à tona um tema de grande importância para a saúde pública e o bem-estar social do Brasil: a necessidade de reduzir drasticamente a tributação sobre todos os métodos contraceptivos. Embora a Constituição Federal de 1988 garanta o direito ao planejamento familiar, o que se verifica na prática é que o acesso a métodos contraceptivos de maneira ampla e regular se tornou um privilégio da parte da população brasileira que pode contar com planos de saúde ou pagar por eles.
As consequências do acesso desigual aos meios de contracepção e à informação são conhecidas: elevado número de gestações não intencionais e indesejadas, alta incidência de gravidez na adolescência, preocupantes taxas de mortalidade materna e infantil, números elevadíssimos de crianças registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento e altos índices de adolescentes que abandonam os estudos devido à gravidez precoce.
Segundo o Relatório "Vendo o Invisível: Em Defesa da Ação na Negligenciada Crise da Gravidez Não Intencional", publicado em 2022 pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), estima-se que 50% de todas as gestações no mundo sejam não intencionais, e aproximadamente 60% dessas gestações terminam em abortos. A taxa de gravidez não intencional é particularmente elevada em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde o acesso a métodos contraceptivos é restrito. Essa situação reflete as prioridades da sociedade brasileira, que não tem se comprometido a fornecer informações e serviços reprodutivos para todos.
O momento para mudar essa rota é agora. No Brasil, quase 70% das jovens que engravidam a cada ano deixam os estudos, gerando um impacto negativo profundo e duradouro tanto para elas quanto para a sociedade. Este impacto já está quantificado: segundo dados também do UNFPA, o Brasil elevaria sua produtividade em mais de US$ 3,5 bilhões se essa gravidez ocorresse depois dos 20 anos.
Há esperança, pois o tema não está sendo negligenciado no debate atual sobre a reforma tributária. Recentemente, a bancada feminina da Câmara dos Deputados apresentou um conjunto de emendas propondo a redução da alíquota de alguns métodos contraceptivos. O preservativo e o DIU de cobre foram incluídos no rol de dispositivos submetidos à redução das alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
No entanto, mesmo diante do elogiável posicionamento da bancada feminina da Câmara, sobretudo ao reconhecer, por meio de sua coordenadora-geral, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que o acesso a métodos contraceptivos "é elemento fundamental para a prevenção da gravidez precoce e para a efetividade do planejamento familiar, ao lado do respeito à autonomia e à dignidade sexual e reprodutiva das mulheres", a redução da alíquota apenas para o preservativo e o DIU de cobre não trará um impacto significativo para as mulheres e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil, já que estes métodos estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde).
Reduzir a tributação de itens pelos quais já não seria necessário pagar e deixar de fora métodos altamente eficazes —como os de longa duração, conhecidos como LARCs—, não muda a realidade do país. Se o modelo em debate prosperar, os métodos contraceptivos continuarão acessíveis de forma regular e ampla apenas para uma pequena parcela da população.
É urgente ampliar o rol dos métodos contraceptivos beneficiados pela tributação reduzida para abarcar todo e qualquer método contraceptivo autorizado no país ou, pelo menos, para incluir todos aqueles de longa duração.
A redução de impostos para métodos contraceptivos não é apenas uma questão de justiça social, mas também de alinhamento com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito da Agenda 2030 da ONU.
Assim, para fazer valer o princípio "Não deixar ninguém para trás" expresso no Relatório Nacional Voluntário apresentado pelo Brasil à ONU, no último dia 17 de julho, com o propósito de guiar a atuação brasileira no alcance dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), é essencial demonstrar compromisso efetivo com a pauta do acesso amplo e regular à contracepção. O ODS 3.7 estabelece como meta "Até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais".
Agora é o momento para promover uma análise mais abrangente dos custos e benefícios associados à redução da tributação para métodos contraceptivos, considerando os impactos no longo prazo, como uma diminuição significativa dos custos relacionados à saúde pública e à assistência social. Investir na prevenção é, em última análise, mais econômico do que arcar com as repercussões sociais, pessoais e econômicas.
Não é demais pontuar que o planejamento familiar é um direito humano e deve ser garantido a todas as pessoas e não apenas àquelas que podem arcar com métodos contraceptivos independentemente de seu custo. É crucial que o Poder Legislativo aproveite o momento atual para garantir uma redução drástica dos impostos sobre os métodos contraceptivos. Essa medida promove a saúde, a educação, o desenvolvimento sustentável e assegura um futuro mais justo e próspero.
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