Daqui a algumas semanas completam-se 70 anos do atentado em que a guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas urdiu o assassinato do jornalista Carlos Lacerda. Mataram um major que lhe dava proteção e abriram uma crise que terminou na manhã do dia 24 de agosto, com o suicídio do presidente.
Em poucas horas, a polícia associou a guarda ao crime. Os pistoleiros haviam contratado um táxi do ponto próximo ao Palácio do Catete e o motorista apresentou-se. Desde então, os personagens palacianos acham que podem tudo e metem-se em trapalhadas de comédia.
Na última, em agosto de 2020, o diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, teria gravado uma reunião da qual participavam o presidente Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Tratava-se de articular uma defesa para o senador Flávio Bolsonaro, acusado de avançar sobre os vencimentos de seus assessores.
Passaram-se quatro anos da reunião, o caso da "Abin paralela" rendeu algumas cadeias, mas as investigações para apurar as "rachadinhas" continuam na estaca zero. Isso no consumo jurídico, pois a turma que paga impostos sabe muito bem o que vem a ser uma "rachadinha" e quem delas se beneficia.
Com a redemocratização, a Abin sucedeu o Serviço Nacional de Informações. Ambos foram criados para atender à necessidade do governo de informar-se e ambos tornaram-se usinas pretorianas de futricas e atividades impróprias.
A reunião de agosto de 2020 é um exemplo disso. Nenhum exercício da imaginação pode explicar por que aqueles personagens se reuniram, senão para tentar blindar o filho do presidente. Até aí, tudo bem, mas gravaram. Aceitando-se a explicação do doutor Ramagem, o grampo destinava-se a pegar um personagem que não apareceu. Contem outra, senhores. A gravação dura mais de uma hora.
No grampo da reunião de 2020, ao saber que o advogado Frederick Wassef pagara despesas médicas de seu chevalier servant Fabricio Queiroz, Bolsonaro pergunta: "Qual é o problema?"
Wassef é um advogado e, no círculo familiar de Bolsonaro, ele chegou a ser chamado de "anjo". O chevalier Queiroz escondia-se em sua casa ao ser preso, em junho de 2020.
Na seleta clientela de Wassef esteve, entre 2015 e 2020, a empresa JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Seus serviços valeram R$ 9 milhões. Três anos antes, cultivando o procurador-geral Rodrigo Janot, Joesley gravou uma conversa que teve com o então presidente Michel Temer. Os irmãos Batista voltaram à vitrine, não só pelo acesso que têm a Lula, mas também porque entraram no negócio esquisito de energia na Amazônia, com o beneplácito do Ministério de Minas e Energia. Há algo de compulsivo nesta dupla. Em 2010, Joesley Batista reclamava: "Por que pegam tanto no pé dessa empresa? Será que eu joguei pedra na cruz?"
Em tese, todos os governos precisam de um sistema de informações. Na vida real, o Brasil não conseguiu manter o seu, na ditadura ou na democracia. Mesmo em episódios ostensivos, como no movimento dos caminhoneiros de 2018 ou no vandalismo do 8 de janeiro. As informações estavam lá, mas os jogos de poder dos palácios não souberam processá-las.
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