O sistema político brasileiro estimula parlamentares a posarem para suas bases eleitorais sem se preocupar com a viabilidade ou as consequências das medidas que propõem. Apresentar um projeto de lei contra o aborto é garantia de aplauso no culto de domingo, mas será que nossos valorosos legisladores não deveriam examinar os resultados potenciais de suas ideias?
Qualquer um, cristão ou não cristão, é livre para ver o aborto como uma grave violação moral. Não pretendo demover ninguém dessa posição. Mas será que o remédio para esse dilema é, como determina a atual legislação, colocar na cadeia as mulheres que tentam interromper suas gravidezes? Estamos falando de dezenas ou centenas de milhares de candidatas a presidiárias por ano, muitas das quais com filhos que precisariam ser encaminhados para abrigos enquanto elas cumprem pena. Fazer isso tornaria o país melhor?
E, se a lei em vigor já é ruim, a proposta de equiparar a pena para o aborto tardio (mais de 22 semanas de gestação) à do homicídio, inclusive em caso de estupro, situação em que a interrupção da gestação é hoje autorizada, a piora substancialmente. A alteração criaria aberrações jurídicas. A mais óbvia é que a vítima de estupro estaria sujeita a passar mais tempo na cadeia do que quem a estuprou.
O "lado bom" é que, como a maior parte das vítimas de estupro que só descobrem a gravidez tardiamente são menores, o período máximo de punição a que essas meninas ficariam sujeitas, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, é de três anos. Isso se forem maiores de 12 anos. Se menores, sairiam livres, mas suas mães e os médicos poderiam ser encarcerados. É isso mesmo que os cristãos querem?
Se existe um Deus onipotente, onisciente e que odeia o aborto, ele certamente não precisa da ajuda dos homens para punir quem viola suas regras —o que dispensaria os parlamentares cristãos de legislar sobre a matéria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário