segunda-feira, 15 de abril de 2024

LUIZ GUILHERME PIVA - Renda e educação: no meio do caminho tem uma perda, FSP

 Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de “Ladrilhadores e Semeadores” (Editora 34) e “A Miséria da Economia e da Política” (Manole)

Mesmo com as retinas fatigadas, é preciso sempre reler os dados de desigualdade de renda e riqueza no Brasil.

Sérgio Gobetti, da Fundação Getulio Vargas, analisa dados tributários de 2022 e demonstra que as 15.366 pessoas do grupo do 0,01% mais rico da população adulta ganham por mês, em média, mais de R$ 2,1 milhões; que as mais de 154 milhões que formam os 95% da enorme base da pirâmide ganham, em média, R$ 2.300 por mês; e que o 1% mais rico (1,5 milhão de adultos) fica com 25% de toda a renda nacional.

Volta às aulas na escola estadual Professora Yolanda Bernardini Robert, na zona sul de São Paulo - Karime Xavier - 2.fev.22/Folhapress - Folhapress

Segundo o IBGE, em 2022 quase 32% dos brasileiros ganhavam por dia menos de R$ 35 (pobreza) e 6%, menos de R$ 11 (extrema pobreza). Mesmos percentuais de 2015 e 2013, respectivamente. Samuel Pessôa e outros tentam explicar a pobreza e a desigualdade pela ótica da educação. Isto é, com mais estudo seria possível sair da pobreza e diminuir a desigualdade. Essa é uma ideia falsa, que elude os motivos reais da pobreza e da desigualdade e as trata como questão de oportunidade e meritocracia. É fácil verificar que, estudando muito, é até possível fugir da pobreza; mas que, para ser rico, não é necessário estudar muito. Basta olhar em volta.

Além do mais, maior escolaridade não altera a desigualdade e a concentração de renda e riqueza —a menos que se aceite que um diploma permite auferir patrimônio imóvel e financeiro tal qual o que tem sido acumulado e transmitido pelos ricos por meio de rígidos mecanismos estruturais e históricos. Marcelo Medeiros, da Universidade Columbia, mostra essa falácia (de que mais educação melhoraria a distribuição de renda) em artigo recente.

Mais do que falácia, trata-se de apofenia. Bombeiros não causam incêndios, estes é que atraem aqueles ao local. Pouca educação não concentra a renda: concentração de renda é que debilita a educação.
Vejamos. Os dados do IBGE são piores na população até 14 anos. Nesse universo, 49% vivem na pobreza e 10%, na extrema pobreza —como em 2013. Eis a perda: gerações sucessivas de crianças em condições indignas de vida. Pois bem, no mesmo ano de 2022 o resultado do Pisa, da OCDE, que avaliou 690 mil estudantes de 15 anos em 81 países, mostra o Brasil em 65º lugar no exame de matemática, área em que 70% de nossas crianças estão abaixo do nível considerado básico para participar plenamente da sociedade, com entendimento de conceitos cotidianos. Nas demais áreas nossas notas também foram muito baixas.

As médias dos dez países mais bem colocados foram 528, 506 e 527 em matemática, leitura e ciências, respectivamente. As notas do Brasil foram 379, 410 e 403. Ou seja, as diferenças entre as médias daqueles países e as notas do Brasil são de 149, 96 e 124 pontos. Já as notas do Brasil superam as médias dos dez países mais mal avaliados em apenas 30, 55 e 38 pontos. O desempenho do Brasil tem se mantido nesse patamar há dez anos.

Essas gerações de crianças não terão condições de estudar nem de aprender o suficiente para obterem cidadania digna. Elas têm que ter acesso, sim, pelo maior tempo possível, a toda a educação da mais alta qualidade. Mas, sem políticas estruturais de distribuição de renda e riqueza, isso não será factível. Seguiremos afundando no atraso educacional —e o Pisa será apenas a ponta do Titanic.

Porque tem uma perda no meio do caminho.

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