terça-feira, 23 de abril de 2024

Amor vem antes de democracia, ciência e religião, diz Satish Kumar, Eliane Trindade - FSP

 

SÃO PAULO

Na juventude, ele peregrinou pelo mundo em protesto contra as armas nucleares em plena Guerra Fria. Aos 87 anos, Satish Kumar continua sua caminhada pela paz em viagens pelo planeta.

Neste mês, o indiano desembarcou no Brasil para uma série de eventos a convite da Escola Schumacher, criada para manter vivo o seu legado, cuja unidade brasileira está completando dez anos de existência em 2024.

Em uma agenda intensa, o ativista fez o lançamento do seu novo livro "Amor Radical" e participou do pré-lançamento do documentário dirigido por Julio Hey, uma produção da Café Royal para a plataforma brasileira Aquarius, streaming focado em bem-estar, meio ambiente, espiritualidade.

O indiano Satish Kumar participou de um dos eventos de lançamento do seu novo livro "Amor Radical" no Aya Earth, em São Paulo, na quinta-feira (18) - Eliane Trindade/Folhapress

O indiano também foi a Ibitpoca (MG), onde fez uma imersão ecológica de três dias no Ibiti Projeto com 40 participantes.

Na quinta-feira (18), ele falou para uma plateia de convidados no Aya Earth em São Paulo. Ao final do encontro, com direito a meditação e pães em forma de coração no brunch, Satish conversou com a Folha sobre o conceito e a prática do amor radical, pregado em seu livro homônimo.

Como o senhor descreve o conceito de amor radical que discute em seu livro e no documentário? É fácil amar alguém que você gosta ou com quem concorda. E esperar que a pessoa te ame de volta. O amor radical é unilateral e incondicional. Você ama sem expectativas. Até mesmo alguém de quem discorde ou uma pessoa que não goste de você.

É como o amor de uma mãe pelo filho? Sim. A mãe ama seu filho, seja ele bom ou mau. No amor radical, você coloca o amor em primeiro lugar. O amor vem antes da democracia, vem antes da verdade, vem antes da ciência. Porque a democracia não é garantia de um bom governo, pois pode ser eleito um líder bom ou ruim. A ciência pode produzir armas nucleares. A tecnologia, o aquecimento global. A minha verdade pode não ser a sua verdade.

As pessoas discordam e brigam pelas suas verdades, mas o amor une. Por isso, eu digo que o o amor vem primeiro de todas essas questões que têm separado as pessoas. A humanidade está enfrentando um momento no qual o amor pode fazer toda a diferença. Amor primeiro, depois a verdade, a ciência e a democracia. Isso é amor radical.

No seu discurso, o amor também vem antes das religiões? Absolutamente, sim. O amor vem antes ou além da religião.

Como os três livros, Torá, Alcorão e Bíblia, ajudam ou dificultam a difusão deste amor radical que o senhor prega? O que eu digo é que o Alcorão, a Torá, a Bíblia ou qualquer grande livro sagrado são apenas uma porta. O amor não está nos livros, está na prática cotidiana, nas nossas ações diárias.

Embora os livros sagrados possam lembrar que você tem de amar, cabe a cada pessoa praticá-lo. O amor não está na igreja nem no templo. Está no coração. Cada palavra que você fala tem que vir do amor. Cada pensamento que você pensa tem que vir do amor. Cada ação que você faz tem que vir do amor.

Satish Kumar em cena do documentgário dirigido por Julio Hey, com produção da Royal Café para a plataforma brasileira Aquarius - Divulgação

O senhor poderia compartilhar uma história ou experiência que ilustre a prática do amor radical em sua própria vida? Minha experiência de dar a volta ao mundo por 15 países, durante dois anos e meio. Foi uma caminhada pela paz. Percorri 13.000 quilômetros sem dinheiro nenhum. Como eu pude fazer isso? Fui para países muçulmanos, cristãos, comunistas, capitalistas. Andei por montanhas, florestas, desertos. Na neve. Foi um milagre. E tudo aconteceu por causa do amor no meu coração.

Essa peregrinação pela paz só foi possível porque eu tinha dentro de mim a confiança de que eu encontraria amor onde quer que eu fosse. Ao longo da minha caminhada, eu dizia para todas as pessoas que encontrava: ‘Quem quer que você seja, eu te amo’.

O senhor encontrou amor em todos os lugares por onde andou? Em todos os lugares. E continuo encontrando amor onde quer que eu vá. Se você der amor, as pessoas te amam de volta. Isso é o que eu experimento aqui ou em qualquer lugar.

Na minha volta ao mundo, eu encontrei uma mulher na Georgia. Ela me deu quatro pacotes de chá. Pensei que fosse um presente, mas ela me disse que não eram para mim. Eu deveria entregar cada um deles para os principais líderes mundiais.

E assim eu fiz. Deixei os pacotes no Kremlin, na União Soviética; na Casa Branca, nos Estados Unidos; no 10 Downing Street, a residência oficial do primeiro ministro da Inglaterra; e no Palácio do Eliseu, sede do governo francês.

Não sei se chegaram às mãos dos homens que governavam as principais potências nucleares da época, mas a mensagem que deixei era clara: antes de apertar o botão vermelho, tomem um chá. Era um convite ao diálogo, ao amor radical.

Quais são os maiores desafios que as pessoas enfrentam ao tentar incorporar esse amor radical às suas vidas ou em suas comunidades? O maior desafio é o medo. E amar é confiar. Confiar em si mesmo. Confiar nas outras pessoas. Confie, mesmo se houver algum problema. Problemas são parte da vida. Diga: bem-vindos, obstáculos. Bem-vindas, dificuldades. Se você teme os problemas, não será capaz de amar.

Para amar, é preciso deixar de lado o medo e cultivar a confiança no seu coração. Mesmo que às vezes você seja maltratado, seja enganado ou se decepcione, ainda assim ame.

Como foi sua experiência no Brasil? Eu amo o Brasil. Estou aqui há duas semanas, nesta que é a minha quinta visita. Os meus três livros foram traduzidos para o português. E agora tenho um filme sendo feito aqui.

O Brasil é um paraíso. Com pessoas maravilhosas, uma cultura maravilhosa. É um país lindo que será ainda melhor se todos os brasileiros tiverem amor em seu coração.


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