Era um garoto de 21 anos, de férias com seus parentes em Diamantina (MG), em 1956. Gostava de violão e ficou sabendo de um músico de passagem pela cidade: um rapaz baiano, João Gilberto, hospedado na casa da irmã Dadainha. Nosso herói, chamado Pacifico, foi procurá-lo. Bateu palmas no portão e o próprio João Gilberto atendeu. Pacifico se apresentou, falaram de violão e João Gilberto convidou-o a entrar.
João Gilberto contou que era músico profissional no Rio e trabalhara na Rádio Tupi. Estava dando um tempo na casa da irmã, concentrado em algumas ideias sobre um novo ritmo no violão. E mostrou a Pacifico uma batida sincopada, diferente, cheia de divisões difíceis. Pacifico gostou. Falaram-se mais algumas vezes e Pacifico voltou para Belo Horizonte, onde morava com os pais. Dois anos depois, em 1958, escutando rádio, reconheceu a voz e a batida do violão. Era "Chega de Saudade", com João Gilberto. E aquele ritmo se chamava bossa nova.
Pacifico Mascarenhas morreu na semana passada (9), aos 89 anos, em Belo Horizonte. Gostava da comparação que fiz em meu livro "Chega de Saudade", de que seu encontro com João Gilberto lembrava o camponês de Stendhal, que, ao arar a terra e ouvir os canhões ao longe, não sabia que estava em meio à guerra de Waterloo. Pacifico, sem saber, ouvira o primeiro rascunho da bossa nova.
O próprio Pacifico teve uma bela carreira musical em Minas Gerais, com reflexos nacionais. É autor de canções como "Demolição", "Minha Ex-Namorada" e "Começou de Brincadeira", que quase toda a bossa nova gravou, e criador do conjunto Sambacana, que revelou Milton Nascimento.
Pacifico era também colecionador de carros. Ao me mostrar suas raridades, perguntei bobamente se ele tinha o histórico Ford Modelo T, de 1908. Pacifico nem piscou: "Devo ter uns dois ou três, sei lá. Mas difícil mesmo é este Lincoln 1931, que foi do Getulio".
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