Quem conhece o teatro, romances e contos de Nelson Rodrigues sabe que seus personagens são uma galeria de adúlteros, incestuosos, assediadores, assassinos, suicidas e outros graves transgressores das normas de convívio. Por causa disso, Nelson foi censurado, teve peças e livros proibidos, sofreu ameaças físicas e foi chamado de tarado e pornográfico. Quem são esses personagens? Marginais, presidiários, prostitutas, pobres, destituídos, aqueles de quem a sociedade espera esses "desvios"?
Não. Os tarados de Nelson são advogados, juízes, médicos, políticos, padres, pais de família, até mães de família. Todos "homens de bem" —inatacáveis, detentores do monopólio das virtudes, aqueles sobre quem não resta a menor dúvida. Daí Nelson botar na boca de alguém em seu romance "Asfalto Selvagem": "O homem de bem é um cadáver mal-informado. Não sabe que já morreu".
Nelson pode ter se enganado. O "homem de bem" ainda é uma realidade. Ele tem um "nome a zelar": venceu na vida, é casado, fiel, não tem filhos gays, é sócio de clubes, paga o que deve em dia, vai à Disney com a família, é patriota, religioso e fã de cantores sertanejos.
Talvez não por acaso, seu reduto seja a extrema direita. Certifiquei-me disso outro dia num livro de 1933 do jornalista António Ferro, de loas ao então ditador luso Salazar. É dedicado "aos portugueses de boa-fé e boa vontade" —o que os tornava cúmplices das perseguições, prisões e tortura a que Salazar submetia os opositores.
"Homens de bem", ou que assim se consideram, são também os seguidores sinceros de Bolsonaro. Isso os aproxima de "homens de bem" como os irmãos Brazão, Fabrício Queiroz, Ronnie Lessa, Roberto Jefferson, Daniel Silveira, Allan dos Santos, Eduardo Pazuello, Braga Netto, Augusto Heleno, padre Kelson. Uns, acusados de tentativa de golpe; outros, de fraude e corrupção; e ainda outros, de assassinato, mesmo.
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