quarta-feira, 24 de abril de 2024

José Manuel Diogo Inteligência Artificial: O estranho caso dos professores de Barueri, FSP

 Recentemente, um excerto de um texto meu, publicado aqui na Folha a propósito do uso da Inteligência Artificial (IA), foi utilizado em uma prova de admissão para professores no estado de São Paulo.

O trecho, adaptado, fora retirado de uma coluna onde discuto os desdobramentos éticos e práticos do uso disseminado da IA, especialmente em conteúdos que nos chegam de maneira quase invisível.

Como eu não sou candidato a professor na prefeitura de Barueri, provavelmente nunca saberia desse fato, mas uma das professoras encarregadas de o corrigir me abordou no Instagram:

"Oi, boa tarde. Eu li um texto seu recentemente sobre o uso de IA na criação de conteúdos. (Li numa prova de concurso). Lá você diz que quem usa IA sabe que, no final, todo o conteúdo produzido pode cair debaixo do rótulo de 'conteúdo sintético'. Com conteúdo sintético você quer dizer de algo que foi totalmente produzido por IA?"

Atividade escolar nos EUA que tenta encontrar usos práticos para IA na sala de aula
Atividade escolar nos EUA que tenta encontrar usos práticos para IA na sala de aula - Gabriela Bhaskar - 22.mar.23/The New York Times

A escolha do meu texto para um exame educacional deveria ser motivo de satisfação, pela aparente valorização do conteúdo. Contudo, a forma como foi utilizado suscita questões sobre ética, direitos autorais e responsabilidade intelectual.

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O segmento usado, elaborado pelo "Instituto Mais", embora um reconhecimento implícito da relevância do tema, foi apresentado de maneira truncada e descontextualizada, sem indicação da fonte, e a pergunta baseada no texto deturpava sua essência, propondo um significado de "conteúdo sintético" que não corresponde ao conceito que abordo.

O problema não reside só na utilização incompleta do texto, mas no fato de que as nuances de uma discussão complexa sobre IA foram comprimidas em uma questão de múltipla escolha.

A IA não é mais uma promessa futurista; ela é uma realidade presente em nossas vidas cotidianas, modelando desde a nossa absorção de notícias até as estratégias de marketing político.

Por essa razão, insisto na importância de uma discussão franca sobre a tecnologia. Seu uso não deve ser escondido, mas sim revelado, garantindo que a sociedade possa se beneficiar de suas vantagens e estar ciente de seus riscos.

A questão levantada na prova de Barueri se enquadra em uma falha maior: na simplificação excessiva de questões complexas, o que pode levar a uma compreensão falha e a decisões mal informadas. Se vamos preparar nossos alunos e professores para o mundo que está se formando, a profundidade e a integridade do conteúdo não podem ser comprometidas.

Diante disso, reforço a necessidade por transparência no uso da IA e a necessidade de um acesso mais igualitário à tecnologia.

Questões como "Por que você usa inteligência artificial?" e "Por que você não usa?" devem ser feitas com a compreensão de que a tecnologia, assim como a caixa de Pandora da mitologia grega, vem com imenso potencial tanto para o bem quanto para o malefício.

É nossa responsabilidade enquanto sociedade, educadores, formuladores de políticas e intelectuais, garantir que o lado benéfico prevaleça. As complexidades do nosso tempo exigem um diálogo mais robusto do que o permitido por questões de teste simplificadas.

Como autor e defensor da cidadania da língua, vejo como imperativo que todos aqueles que contribuem para o desenvolvimento e a disseminação do conhecimento tenham suas vozes e suas obras respeitadas e apresentadas com precisão e integridade. Somente assim podemos aspirar a uma compreensão plena e a um uso ético das ferramentas que definirão nosso futuro.

CORREÇÃO DO AUTOR

As alternativas propostas para a pergunta sobre o significado de "conteúdo sintético" de acordo com o texto são:

(A) Aquele em que o autor não admite ter usado IA na produção.
(B) Um conteúdo que parece artificial para quem o consome.
(C) Uma produção na qual IA foi utilizada em qualquer momento.
(D) Qualquer produção que tenha sido totalmente feita por IA.

Nenhuma está correta. Seria preciso uma nova alínea que acrescentasse:

(E) O conceito não se aplica, porque é impossível comprovar o uso de IA.

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