terça-feira, 23 de abril de 2024

Rômulo Saraiva - Desjudicializa Prev: de quem é a culpa de tantos processos?, FSP

 Não é de agora que o Poder Judiciário anda insatisfeito e vem se preocupando com a escalada de problemas que o Instituto Nacional do Seguro Social não consegue resolver sozinho.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter criado em 2014 parâmetros para atenuar que a Justiça virasse uma extensão da agência previdenciária, criando obstáculo de que é necessário o "prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário" (Tema 350), nem de longe isso é suficiente para deter tantas demandas. De todos os casos da Justiça Federal, cerca de metade dos processos são previdenciários.

Entra ano, sai ano e o INSS ostenta a posição, no banco dos réus, de maior litigante da Justiça. As estatísticas do Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, apontam em janeiro de 2024 o acervo correspondente a 3,7 milhões de processos pendentes absolutos. Ao se extrair dessa conta os processos arquivados provisoriamente e suspensos, sobram 3,3 milhões de processos como pendentes líquidos. Atualmente, a Justiça Federal possui 6,9 milhões de processos pendentes. Portanto, só do instituto são cerca de 47% de processos pendentes líquidos.

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Manifestantes fazem protesto na frente do STF pedindo "revisão da vida toda" para aposentadorias - Pedro Ladeira/Folhapress

Historicamente, o INSS é mal estruturado em sua gestão administrativa e humana para atender o público. Sua capacidade de resolução dos próprios conflitos é subdimensionada. E flagrantemente vem piorando. Em dez anos, o número de servidores públicos despencou de 40 milhões para 19 milhões, mesmo com demanda crescente de novos casos. Por outro lado, a Justiça Federal possui realidade radicalmente distinta. É uma das justiças mais bem organizadas, se comparada à realidade das Justiças estadual e trabalhista.

Mesmo assim, a Justiça Federal tem sido incapaz em equacionar o estoque de processos envolvendo a Previdência Social.

Desjudicializa Prev, iniciativa que pretende reduzir litígios previdenciários e assistenciais em curso em todos os graus de jurisdição, aparece nesse contexto.

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Os representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradora-Geral Federal criaram uma portaria conjunta para tentar diminuir o acervo.

Basicamente, escolheram dez temas de natureza previdenciária e assistencial e toda vez que tiver um processo, que tenha como ponto de divergência os temas previamente fixados na portaria conjunta, o INSS está autorizado a adotar medidas que busquem encerrar o caso em 60 dias, como: a) deixar de apresentar defesa, b) não recorrer, c) desistir de recorrer e d) propor algum tipo de acordo. Os advogados do INSS são obrigados a recorrer nos processos, sob pena de correr o risco de sofrer um processo administrativo disciplinar. A portaria flexibiliza e autoriza desde já os advogados da autarquia não ficarem recorrendo.

Fica a dúvida se essa medida será eficaz. Existe uma cultura do INSS em negar demasiadamente o acesso ao direito, seja nos pedidos de concessão, seja na revisão do benefício. O que se observa no âmbito administrativo se repete em certa proporção na esfera judicial.

Exemplo disso é a portaria AGU n° 488, de 27 de julho de 2017, que autoriza procuradores federais a ficarem dispensados de apresentar recursos em processos judiciais sem chance de êxito, de conteúdo estritamente pecuniário de até R$ 20 mil, valor que não compensa o custo da tramitação do processo na visão da AGU. Mesmo com tal autorização, não é raro encontrar casos em que o INSS recorre, de forma intransigente, em questões abaixo desse patamar.

O termo de cooperação firmado entre CNJ e AGU também busca liberar o pagamento mais rápido para quem depende de benefícios previdenciário e assistencial no valor de um salário mínimo. A recomendação é que a implantação da renda em favor do seu destinatário ocorra em até 30 dias. O problema é que o INSS continua com problemas históricos, a exemplo de falta de servidores, de não conseguir resolver as coisas rapidamente. Então apenas pelo fato de ter sido assinado um termo de cooperação o cenário vai mudar daqui para a frente?

É inegável que a proposta é bem-intencionada. A dúvida é se suas consequências serão eficazes. A medida trata apenas a consequência do problema, não a causa. O INSS é uma fábrica de criar conflitos. A Justiça é o local em que estes conflitos são despejados. As medidas de desjudicialização deveriam se concentrar no nascedouro, na própria Previdência Social, local onde o Judiciário não consegue ter ingerência. Enquanto isso não ocorre, buscam-se medidas para tentar pelo menos abrandar a consequência do problema, mesmo que com soluções superficiais.


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