Nos últimos dias, veio à tona mais um projeto que promete mexer com a cidade: o governo estadual anunciou a concessão de várias rodovias incluindo o trecho da Rodovia Raposo Tavares entre a capital e Cotia.
No trecho da chegada a São Paulo, o projeto pode afetar bairros inteiros e causou reação de moradores, que já começaram a se articular para tentar entender e eventualmente se defender dos efeitos de uma mudança gigante.
Como encarar um projeto com potencial de interferência enorme na cidade e que parece querer prescindir de debate?
Estrada é diferente de rua
A cidade de São Paulo é um nó. Estradas entram e saem diretamente do município, o que foi a razão para a criação do Anel Viário, que está incompleto até hoje.
Esse é a contradição: a estrada é construída para circular em alta velocidade. Quando chega à região urbanizada, porém, muda de caráter, precisa se integrar à cidade, acomodar comércios, dar passagem a moradores, oferecer acessos a ônibus urbano, bicicletas e pedestres. As duas coisas não combinam.
Existe até um termo usado por urbanistas americanos: stroad, mistura de street (rua) e road (estrada). A via que tenta ser as duas coisas não é nem uma coisa nem outra.
Não por acaso, o trecho inicial, da capital até o km 34, em Cotia, ficou fora do primeiro programa de concessões da gestão Mário Covas, em 1998. Ao trazer a concessionária para o trecho urbano, revela-se a intenção de pedagiar o trânsito de pessoas que trafegam dentro da própria cidade.
A distância entre as esferas da gestão parece jogar contra a cidade
O governo estadual é responsável pelo transporte entre cidades e pela rede de trilhos. Mesmo assim, não se concebe um novo projeto sem a participação do governo municipal. A Prefeitura de São Paulo está esperando detalhes para se manifestar, o que não parece ser um começo promissor se a ideia é justamente adequar projetos às necessidades da cidade.
Na outra ponta, há outro conflito, advindo da pergunta óbvia que se faz quem olha o mapa. O que vai acontecer com Regis Bittencourt, que chega praticamente ao mesmo ponto da capital? Algumas soluções poderiam ser integradas, mas nada está previsto, o que parece revelar a distância entre a gestão federal (Regis) e a gestão estadual (Raposo).
Comunicação e participação
O processo da Nova Raposo está no mínimo mal comunicado e só gerou reações após uma reportagem em O Estado de S. Paulo. Há duas audiências públicas nessa fase, sendo apenas uma em São Paulo. Não parece republicano nem civilizado começar uma conversa sem convidar moradores, comerciantes, conselheiros, técnicos, representantes do Executivo e Legislativo das cidades por onde passa a estrada.
Ideias descasadas de planos urbanísticos
São Paulo acabou de aprovar a revisão do Plano Diretor, um processo difícil, cheio de idas e vindas. Não há nele –nem no Plano de Mobilidade– nada a respeito da Nova Raposo. Aliás, também não se discutiu outra ideia do governo estadual, a de mudar a estrutura administrativa para os Campos Elíseos.
Premissas antigas para um projeto contemporâneo
O projeto prevê duplicação, faixas adicionais, vias marginais, a construção de pontes e túneis e passarelas para pedestres. Chama a atenção que uma escala de intervenções tão grande possa ser concebida sem considerar alternativas e impactos. Onde estão as considerações sobre o transporte público? Como ficam os ônibus nessa nova configuração?
E, principalmente, onde está o metrô? Ora, há um projeto justamente para essa região: a nova linha 22–Marrom do metrô, que vai ligar São Paulo até a Granja Viana (fase 1) e Cotia (fase 2). O projeto da nova linha está previsto para 2026, quando as intervenções rodoviárias provavelmente já estarão em andamento ou concluídas. Será que ela não poderia aliviar parte considerável do trânsito que se pretende combater agora? Não seria o caso de apressar os estudos para poder fazer uma escolha mais racional?
O impacto nos bairros
A falta de detalhamento e o tempo escasso não permitiram nem que se estude em detalhes os impactos, mas é possível ver no vídeo do site uma extensa rede de viadutos, túneis e derrubada de árvores a partir da chegada a São Paulo. Ora, nós já vimos esse filme em 1971, quando a construção do Minhocão trocou qualidade de vida por mobilidade, sugando a vitalidade do centro pelos lugares onde passou.
A fluidez da Raposo Tavares é importante. O custo do trânsito parado tem impacto econômico, ambiental e de qualidade de vida, assim como a segurança dos pedestres que precisam cruzar a estrada. Entretanto, é possível que haja condições de melhorar essa fluidez, resolvendo gargalos pontuais da estrada sem ter que comprometer o futuro de bairros que circundam a estrada.
A melhor solução será aquela que leva em consideração as infraestruturas existentes, como a segregação de ônibus e o Rodoanel, as futuras, como o metrô e trem e, principalmente, a vida que acontece na cidade que ela vai impactar.
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