Com o nome de instituição de caridade ou entidade beneficente, redes gigantes de hospitais ou de universidades particulares há décadas são indiretamente financiados às custas da Previdência Social.
Não se trata de estabelecimentos de pequeno ou médio porte, em tese mais precisados do benefício fiscal. Mas de hospitais com 6.000 a 12 mil funcionários ou universidades com 10 mil a 25 mil alunos. Todos os meses o Instituto Nacional do Seguro Social deixa de arrecadar centenas de milhões de reais dessas instituições em prol de elas atenderem pequena parcela do público mais carente.
No Brasil, o setor filantrópico é formado por 27 mil instituições, composta por hospitais, ambulatórios, escolas, universidades, centros de acolhimento, lares de idosos e associações de defesa de direitos sociais.
Em tempos que se reclama tanto do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência e aumento da dívida pública, será que não chegou a hora de rever a política de isenção da contribuição previdenciária? Não seria mais inteligente receber os valores da contribuição previdenciária, ainda que pagando excepcionalmente por eventual serviço utilizado pela população no hospital ou universidade? Até porque temos universidades federais que têm cota para as minorias, bem como a rede do Sistema Único de Saúde que atende gratuitamente a maioria da população carente.
Em 2019, na última reforma da Previdência, o assunto fazia parte do pacote de mudanças, mas terminou sendo segregado e agora caiu no ostracismo da PEC Paralela, que não saiu do papel. Continua hibernando nas prateleiras do Congresso Nacional. O lobby dos maiores hospitais e universidades do país é muito forte para que esse assunto continue inerte.
Na época, o então senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) precificou em seu relatório do impacto fiscal que a Previdência deixa de arrecadar R$ 120 bilhões, conforme informações da Agência Senado. "Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite; hospitais que pagam salários de seis dígitos; ou bem-sucedidos produtores rurais não devem pagar o INSS de seus funcionários. A lógica aqui é simples: se eles não estão pagando, alguém está", pontuou Tasso em seu relatório.
Por outro lado, o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif) defende, na pesquisa "A contrapartida do setor filantrópico no Brasil", que a imunidade tributária de instituições filantrópicas retorna quase dez vezes mais benefícios para a sociedade, com bolsas de estudo, vagas na assistência social e procedimentos hospitalares.
Apesar dessa pesquisa, feita pelo próprio Fonif, a Previdência Social não torna público o número do que ela deixa de arrecadar para os cofres previdenciários. É um assunto praticamente intocado.
É evidente que o setor filantrópico gera benefício para a sociedade. Mas esta também depende da saúde financeira do INSS para prover no futuro as despesas de trabalhadores que não conseguem mais trabalhar, estão doentes ou morrem. Embora o INSS seja tratado com regras onerosas, próprias de um seguro privado, ele tem despesas a honrar. Não são poucas nem baratas. Ter uma previdência social forte é interesse de toda sociedade.
Ao longo das décadas, a arrecadação previdenciária vem sofrendo prolongados abalos, cujo principal algoz é o próprio governo quando resolve renovar a desoneração da folha de pagamento ou mesmo não revendo as isenções previdenciárias dos grandes hospitais e das universidades particulares.
Não existe almoço grátis. Se os grandes hospitais e universidades não pagam a contribuição destinada ao custeio do INSS, alguém vai pagar por isso. Quem tem assumido a conta da filantropia tem sido o trabalhador na hora de se aposentar.
Ela é concretizada nas sucessivas reformas previdenciárias que buscam o equilíbrio financeiro, já que parte significativa da arrecadação previdenciária não é custeada por hospitais e universidades particulares.
O resultado dessa matemática da filantropia são milhares de trabalhadores pagarem, cada um um pouquinho por essa conta, ao precisarem contribuir por mais tempo para se aposentar ou terem o benefício reduzido drasticamente em função das novidades da última reforma previdenciária.
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