Segui o conselho de João Pereira Coutinho e devorei "Enemies and Neighbors" (inimigos e vizinhos), do jornalista britânico Ian Black. Não me arrependi. Black traça uma história razoavelmente detalhada do conflito que hoje opõe israelenses a palestinos. Começa com a declaração Balfour, de 1917, pela qual os britânicos prometeram um lar nacional para os judeus na Palestina (sem deixar de fazer promessa semelhante aos árabes) e vai até 2017, ano da publicação do livro.
O grande mérito de "Enemies..." é que ele consegue manter-se equidistante das versões mais inflamadas de ambas as partes, o que não é pouco num mundo em que cada vez mais a análise é substituída por palavras de ordem. A fórmula de Black para obter tal êxito é simples: não passar pano para nenhum dos lados e tentar ser tão justo quanto possível com ambos. É pena que o jornalismo, que até pouco tempo atrás adotava essa fórmula como mantra, esteja se afastando dela, no afã de emitir sinalizações morais sobre tudo.
Black mostra que, se os ultranacionalistas dos dois lados sempre tiveram posições inconciliáveis, o mesmo não pode ser dito das populações "normais", que em algumas ocasiões conviveram civilizadamente e acreditaram numa conciliação. O problema é que isso se perdeu. Um pouco porque os radicais triunfaram, as duas populações foram se isolando cada vez mais e, assim, deixando de ver o outro lado como digno de consideração.
Nas páginas finais, Black antecipa uma discussão que vem ganhando espaço. Se a fórmula de dois Estados hoje é dada como inviável por vários analistas, a solução de um Estado binacional parece ainda mais difícil. Além dos ressentimentos acumulados, abriram-se verdadeiros fossos psicológicos e sociais entre as duas populações, que não passariam a dividir um mesmo Estado como se nada tivesse acontecido.
A perspectiva, que já era sombria em 2017, não melhorou nos últimos seis meses.
helio@uol.com.br
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