Muros de pedra do tipo molhe construídos pela prefeitura de Caraguatatuba estão levando as águas do Rio Juqueriquerê ao menos um quilômetro mar adentro, na cidade do litoral norte de São Paulo. A estrutura formou um canal de 190 metros de largura por até 1,3 quilômetro de extensão a partir da foz do curso d’água, que está sendo desassoreado para permitir a retomada plena da navegação. O Juqueriquerê é o maior rio e o único navegável na região.
A obra, que também tem o objetivo de evitar enchentes na região, está mudando o perfil do litoral no município, que é estância turística devido às suas praias. A areia retirada do canal está sendo usada para engordar as praias do entorno, atingidas pela erosão.
O projeto prevê até um farol para orientar os navegantes. Comunidades caiçaras e de pescadores tradicionais, no entanto, temem que a pesca seja afetada.
Tecnicamente, a obra é denominada enrocamento, com o uso de molhes – estruturas de pedra construídas na água. Para erguer o muro norte, com 1,2 mil metros de extensão, e o sul, com 1.350 metros, o município já utilizou mais de 20 mil caminhões de pedras.
Outra obra de grande impacto na região – a construção do Contorno Norte da Rodovia dos Tamoios, que retira o tráfego rodoviário da área urbana de Caraguatatuba – contribuiu para o projeto do Rio Juqueriquerê. Para construir os molhes, a prefeitura utilizou as rochas do ‘bota-fora’ da abertura do túnel do contorno da Tamoios.
Segundo a prefeitura, o enrocamento do Rio Juqueriquerê é a segunda maior construção de molhes do país, atrás apenas dos molhes da Barra do Rio Grande (RS), que medem 1,7 km (sul) e 2,1 km (norte). A previsão de custo da obra paulista será de R$ 42,5 milhões.
Conclusão da obra é prevista para julho
É também a terceira maior intervenção no litoral paulista, depois das obras de ampliação dos portos de Santos e de São Sebastião. A previsão é de que o conjunto esteja totalmente concluído em julho.
Na semana passada, o molhe norte estava pronto e, no sul, faltavam 70 metros para completar a extensão – o canal ficará mais estreito, com 100 metros de largura na extremidade, para aumentar a pressão na saída da água.
Quando prontos, os molhes vão arrefecer a força das marés e conter a areia que se deslocaria para a foz do rio, segundo o prefeito de Caraguatatuba, Aguilar Junior (PL). “É uma obra que a população esperava há mais de 40 anos”, diz.
“Na foz do rio, que deságua no mar, o movimento das marés acabava formando um banco de areia. Esse ponto, às vezes, ficava com uma lâmina de apenas 15 centímetros de água, dificultando muito a navegação. E quando chovia, até a pressão da água estourar o banco de areia, a água ficava represada e a população sofria com as inundações”, acrescenta o prefeito.
Com o desassoreamento do rio próximo à foz, realizado pelo Estado por meio do Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee), a água já flui melhor, segundo Aguilar. Em dezembro, foi iniciada a retirada de areia e detritos em uma extensão de 800 metros do rio, a partir da Rodovia Rio-Santos (SP-55), até o bairro Porto Novo, próximo à praia.
Com escavadeiras e dragas embarcadas, estão sendo retirados cerca de 30 mil metros cúbicos de areia e sedimentos, equivalentes a 1,7 mil caminhões basculantes.
Parte da areia está sendo usada para engordar faixas de praias na própria região do enrocamento, como a Praia da Enseada e a Praia do Porto Novo. Conforme o prefeito, além de restabelecer as condições naturais do rio, a melhora no escoamento das águas facilita a navegação e reduz muito o risco de enchentes nos bairros ribeirinhos, onde vivem 43 mil pessoas.
“O rio está 100% dentro dos limites de Caraguatatuba, mas além de drenar toda a região sul do município, drena o norte de São Sebastião. O impacto positivo será nos dois municípios”, afirma ele.
Donos de barco com casa em Ilhabela usam marinas da região
No Rio Juqueriquerê e seu entorno, estão instaladas 13 marinas, além de um entreposto de pesca e de um estaleiro para manutenção de barcos e escunas. Centenas de embarcações circulam regularmente pelo rio e sua foz, mas a navegação ainda é limitada pelo assoreamento.
O empresário Armando Salles, dono de uma marinha no Juqueriquerê, disse que as intervenções já realizadas trouxeram impacto positivo. “Hoje, os barcos já não precisam esperar a maré para entrar ou sair. Este ano também não tivemos inundações aqui na região”, disse.
Segundo ele, a melhora nas condições do rio, aliada à construção da segunda pista na Tamoios, concluída em 2022, levou muitos donos de barcos com casas de veraneio em Ilhabela a ancorarem suas lanchas nas marinas do Juqueriquerê.
“Eles deixam o carro na marina e vão de barco para a casa na ilha, escapando da fila da balsa entre São Sebastião e Ilhabela. O que levaria até duas horas, eles fazem em menos de 30 minutos. Todas as marinas estão lotadas”, afirma.
Vice-presidente da Associação Caiçara Juqueriquerê (Acaju), Pedro Paes Sobrinho manifestou preocupação com o aumento no tráfego de embarcações pelo rio. “O projeto beneficiou as marinas e o turismo, mas para o pescador, ainda vamos ver os efeitos. Um movimento muito grande de barcos não é bom para a pesca.”
Pescador desde a juventude – ele faz 88 anos em maio -, Sobrinho diz que os bancos de areia nunca foram problema para quem pesca. “O pescador conhece as marés e sabe a hora certa para sair com o barco”, afirma.
Presidente do Entreposto de Pesca do Porto Novo, Ladisla Coelho acredita que a pesca será afetada pelo maior movimento de barcos. “A gente não vai longe para pescar, faz a pesca por aqui mesmo (no rio). Se hoje já está difícil por causa do fluxo alto de barcos, imagine quando abrir de vez o canal. Onde há 100 barcos no rio, terá 400”, prevê.
“Vai ter congestionamento de barco. Muitos não têm noção de velocidade e já houve casos de baterem nos barcos dos pescadores”, acrescenta.
Segundo Aguilar Junior, pescadores profissionais que precisam se deslocar para o mar serão os mais beneficiados pela obra, pois não dependerão das marés para entrada ou saída com as embarcações. “Embora os outros impactos devam ser considerados, o principal ganho é da população que vai ficar livre das inundações pela melhoria na drenagem do rio”, diz.
Projeto prevê construção de farol
Os estudos para a construção dos molhes se iniciaram em 2017 e a licença para a obra foi aprovada pela Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) em agosto de 2020. A obra foi licitada em abril de 2022 e deve ser entregue em julho deste ano.
Segundo a gestão municipal, foram cumpridas as compensações ambientais exigidas pela Cetesb, fazendo replantio de árvores retiradas durante a obra, e está reurbanizando a região do molhe com verba de R$ 6,5 milhões liberadas pelo Departamento de Apoio e Desenvolvimento das Estâncias (Dade), do Estado.
O projeto prevê ciclovia, paisagismo, guarda-corpos nos molhes e a construção de farol, ainda em fase de projeto. O entorno do rio ganhou também o Parque Natural Municipal de Juqueriquerê, com trilhas como a do Esquilo, do Teiú e da Capivara, além de um observatório de aves. A entrada é gratuita e há monitores para guiar as visitas.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado informou que as obras de enrocamento do rio Juqueriquerê passaram por licenciamento ambiental, tendo sido emitidas as Licenças Ambientais Prévias (LP) e de Instalação (LI), que estabeleceram condicionantes a serem atendidas na fase de implantação do empreendimento.
Segundo a nota, o atendimento às exigências está sendo avaliado pela Cetesb. As condicionantes incluíram, entre outros itens, o plantio de 6 mil m2 de área verde, levantamento e monitoramento da população de peixes e da qualidade das águas, plano de comunicação à sociedade civil e controle ambiental das obras.
Tragédia com 436 mortes marcou região
O assoreamento do Rio Juqueriquerê remonta à tragédia que atingiu Caraguatatuba em março de 1967, quando chuvas intensas atingiram a região e uma avalanche de pedras, árvores e lama soterrou grande parte da porção urbana.
As áreas adjacentes ao rio foram cobertas por até quatro metros de lama e grande parte dos detritos acabou levada para o manancial. Oficialmente, a tragédia ocasionou 436 mortes e ainda é considerada uma das maiores do País.
Com 13,3 km de extensão, o rio drena as águas de 17 canais e ribeirões. As margens sofreram intensa ocupação urbana, sobretudo a margem direita, onde os manguezais e remanescentes florestais deram lugar a edificações que atingem a quota das marés mais altas e inundam com as chuvas mais intensas.
O novo Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Litoral Norte, em vigor desde 2017, permite a ocupação de até 80% das áreas, inclusive para empreendimentos industriais.
O rio está ligado à história de Caraguatatuba. No início do século 20, a região foi explorada para o corte de árvores visando a fornecer dormentes para as ferrovias, em forte expansão no Estado naquela época. As toras eram transportadas em balsas pelo Rio Juqueriquerê e levadas para São Sebastião e Santos.
No fim da década de 1920, um grupo britânico comprou as terras para produzir frutas, especialmente laranja e banana, para exportação. No auge da produção, a Fazenda dos Ingleses chegou a ter 6 mil moradores para cuidar de 500 mil pés de laranja e 3 milhões de bananeiras.
Foi construído um portinho no Juqueriquerê para embarcar as frutas, que eram levadas em barcaças para o Porto de Santos, de onde seguiam em navios para a Inglaterra. Duramente atingida pela catástrofe de 1967, a fazenda foi vendida anos depois para um grupo pecuarista.
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