Desde dezembro do ano passado, quando a boca do jacaré se abriu com a pesquisa do Ipec, mostrando que 50% dos entrevistados não confiavam em Lula contra 48% que confiavam, o governo tem ido de sobressalto em sobressalto. O Lula 3.0 está tonto porque não consegue ficar do tamanho que gosta de se imaginar.
Essa perplexidade tem duas origens. Uma, essencial, é a descoberta de que não entregará os rios de mel da campanha eleitoral. Ganha um fim de semana em Essequibo quem acreditava nas metas de contas públicas do ministro Fernando Haddad. Lula recebeu a economia em mau estado e reequilibrou-a. Com a propensão ilusionista de todos os governos, recuou das metas e, ao mesmo tempo, elevou o salário mínimo. São diversas as promessas de Haddad e algumas delas podem virar realidade, desde que se trabalhe. Se gogó resolvesse dificuldades da economia, o Brasil nunca teria conhecido déficits.
A segunda fonte da perplexidade vem da descoberta de que Lula esgotou seu criadouro de bodes expiatórios. Perdeu meses de verbo escalando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para esse papel. Até mesmo a alma inelegível do governo Bolsonaro revelou-se um adversário gasto.
Quando Lula descobre o valor do seu silêncio em assuntos internacionais, a doutora Gleisi Hoffmann atravessa o mundo para expor suas noções de democracia na China. Faz tempo que se macaqueiam os chineses. Muita gente boa admirava o igualitarismo do camarada Mao. Não se sabia à época que ele viajava quase sempre de trem. Como dormia quando queria (às vezes às dez da manhã para acordar às cinco da tarde), o trem só andava depois que ele despertava. A China de Xi Jinping é tão democrática quanto era igualitária a de Mao.
O velho disco toca uma melodia que deixou de encantar. O governo não tem grandes obras, mas está sentado em cima de projetos que podem e devem ser discutidos. Por exemplo: a exploração de petróleo na margem equatorial e a Ferrogrão, uma estrada de ferro de 933 quilômetros que irá de Mato Grosso ao Pará, escoando a safra de grãos e baixando o custo do frete. Nenhum desses projetos está parado por culpa do Planalto, mas dele não sai a faísca para empurrá-los.
São duas obras que estimulam controvérsias. Ótimo, que venham as controvérsias. A Guiana transformou-se com o petróleo da margem equatorial. No ano passado sua economia cresceu 60%. A Ferrogrão cortaria a Amazônia, facilitando e barateando os grãos. Ela será paralela a uma rodovia já existente. Como se sabe, o trem só para nas estações, já os caminhões param onde querem.
Grandes projetos carregam controvérsias. A Argentina não queria que o Brasil erguesse a hidrelétrica de Itaipu e hoje o Brasil suaria a camisa com os ambientalistas, pois afogaria, como afogou, as cataratas das Sete Quedas.
Se o governo não destrava grandes projetos, deveria valorizar a dieta de feijão com arroz com que toca o país. Graças a ela, baixa o desemprego e melhora a vida dos trabalhadores. Por mais estranho que pareça, o que o Brasil precisa é de quem abra a quitanda de manhã cedo, com berinjelas para vender e dar o troco para as freguesas. Quem passou por quatro anos de Bolsonaro sabe disso, inclusive o próprio governo.
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