A publicidade dos processos é direito do cidadão, interesse da coletividade e dever do Estado.
Os julgamentos podem ser defeituosos. Omissão, ignorância, preconceito, corrupção, interesse, abuso de autoridade, intolerância política. Por isso, a Constituição estabelece uma série de garantias concretas, entre elas a de que "a lei só pode restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
É uma cláusula pétrea, imutável, proibitiva. Estende-se por toda a administração pública e se impõe a todos os seus agentes.
Exceções existem, é claro. Para a proteção da intimidade, no direito de família (casamento, sucessão, guarda de filhos) e em questões de crianças e adolescentes, por exemplo, o sigilo processual é absoluto. É bom que assim seja, mas em determinadas circunstâncias o segredo se dissipa. Se o divórcio de um governante revela hipótese de enriquecimento ilícito, ele –é bom que assim seja– não pode permanecer oculto.
A eficácia plena do princípio constitucional da publicidade enfraquece quando o segredo de Justiça se fundamenta em interesse público ou social. A subjetividade conspira contra a transparência.
O Código de Processo Penal diz que "a autoridade assegurará o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". As medidas cautelares, como busca e apreensão ou interceptação telefônica, são protegidas pelo sigilo total. Nem o investigado tem acesso e a explicação é óbvia. A surpresa é essencial para encontrar evidências. A publicidade extemporânea tornaria as iniciativas inúteis.
No âmbito do processo criminal, o sigilo tem prevalecido, muitas vezes por hábito, mas o princípio constitucional ainda é o mesmo. A publicidade é a regra.
São duas vertentes de valores. Em primeiro lugar, o defensor do réu ou do investigado tem direito a ter acesso amplo a elementos de prova já documentados. É súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. A autoridade não pode esconder ou manipular o momento de exibição do que, em tese, já deveria estar acessível, pelo menos para os advogados da causa, sob pena de acentuar o caráter kafkiano da Justiça.
Por outro lado, existe o interesse público, difuso, de aferir a lisura ou a nulidade dos procedimentos.
O sigilo dos autos não pode prevalecer, por exemplo, porque é interesse das partes, salvo em caso de juízo arbitral. Os arquivos forenses são um manancial inestimável para ensaios biográficos e históricos. Negar informações de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, se o sigilo não é imprescindível para a segurança da sociedade e do Estado, é delito de responsabilidade.
Nesse contexto, não podem ser ignoradas as reclamações desferidas contra o ministro Alexandre de Moraes pela cruzada essencial que adotou em favor da democracia.
Segredos que se perpetuam geram desconforto político. O Supremo deveria tornar de conhecimento geral, logo e sem exceções, tudo que se investigou.
Em matéria de punição criminal ou de restrição à liberdade de expressão ou de informação jornalística, a "jurisprudência" restritiva que se tem produzido tem implicações desastrosas e autoritárias.
Basta imaginar um magistrado bolsonarista, como o ministro Kassio Nunes Marques, empenhado em banir, em outros tempos, as manifestações "comunistas" que supostamente contaminam o noticiário e as redes sociais.
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