Com cada vez mais frequência, cientistas sociais estudam os efeitos de decisões judiciais sobre a vida dos réus e seus familiares. Por exemplo, um pesquisador pode se perguntar se encarcerar um réu tem algum impacto sobre a probabilidade de o réu cometer um novo crime em até dois anos após a decisão judicial.
Apesar de complexas, é possível responder a perguntas desse tipo. Para começar, o pesquisador coleta todos os processos penais de uma determinada localidade (São Paulo, por exemplo) e mede quais réus foram condenados ao encarceramento e quais réus não foram condenados a esse tipo de pena. Ele também observa quais réus são processados por um outro crime em um certo prazo.
Inicialmente, o pesquisador faz uma diferença simples de médias. Ele compara a proporção de encarcerados que reincidiram criminalmente contra a proporção de réus não-encarcerados que reincidiram. Imagine-se que ele encontra que o primeiro grupo reincide mais.
Esse pesquisador pode concluir que encarceramento causa comportamento criminoso futuro? Esta conclusão seria precipitada. Juízes levam em consideração muitos fatores em suas decisões, incluindo a personalidade do agente.
Essa multiplicidade de fatores na decisão judicial pode fazer com que o grupo encarcerado seja de maior risco mesmo na ausência de encarceramento. Isso faz com que o grupo de réus não-encarcerados não seja um bom grupo de comparação para o grupo de réus encarcerados. É o clássico mantra de "correlação não implica causalidade".
Mas como o pesquisador pode corrigir esse problema e estimar o verdadeiro efeito de encarceramento sobre reincidência criminal?
No Brasil e em vários países, existem duas características do sistema judicial que podem ser exploradas pelo pesquisador para responder a essa pergunta.
Primeiro, processos são alocados aleatoriamente para os juízes. Segundo, juízes diferentes possuem diferentes graus de leniência. Em outras palavras, alguns juízes encarceram uma grande proporção dos casos que analisam ("linha dura") e outros juízes encarceram uma baixa proporção dos casos que analisam ("garantistas").
O pesquisador pode explorar a alocação aleatória de casos para juízes "linha dura" e "garantistas" para emular um experimento. Ele pode comparar réus julgados por um juiz "linha dura" contra réus julgados por um juiz "garantista". Essa comparação, que imita um experimento, permite estimar o efeito do encarceramento sobre reincidência criminal.
Na Noruega, Bhuller, Dahl, Løken e Mogstad utilizam essa técnica estatística e encontram que o encarceramento levou a uma redução na probabilidade de reincidência criminal em até cinco anos após a decisão judicial.
Na Colômbia, Arteaga encontra que o encarceramento de um dos pais leva a um aumento de 0.78 ano de escolaridade para os filhos do réu, um aumento de quase 10% na escolaridade média das crianças.
Em São Paulo, Possebom analisa o efeito de uma punição penal contra acusados de cometer um crime de baixo potencial ofensivo. Essa punição penal pode ser multa ou trabalho comunitário. Ele encontra que o efeito de uma punição penal sobre reincidência criminal em até dois anos é muito próximo de zero.
O campo de estudos sobre efeitos de decisões penais é bastante ativo. O diálogo entre juristas, cientistas sociais e estatísticos pode trazer benefícios ao sistema judicial e à sociedade.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Vítor Possebom foi "Faroeste Caboclo", do Legião Urbana.
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