Como se desenhava o campo da esquerda e como partidos, organizações e lideranças atuaram no período que antecedeu o golpe de 1964?
Em nova edição, atualizada e ampliada, de seu livro "A Esquerda e o Golpe de 1964" (Civilização Brasileira), o jornalista e biógrafo Dênis de Moraes leva ao leitor respostas para essas e outras questões que ele levantou para si próprio antes de sentar para escrever: Por que a esquerda perdeu? Como explicar o fracasso na mobilização pelas reformas de base? Por que os setores progressistas se apresentavam tão divididos? Por que as lideranças populares foram sobrepujadas na arena ideológica em plena fase de ascensão do movimento de massas? Por que não resistiram?
As conclusões podem ser deduzidas de uma boa amarração interpretativa de pesquisas abrangentes e de depoimentos de personagens que participaram ativamente do momento histórico, entre os quais Celso Furtado, Francisco Julião, Gregório Bezerra, Darcy Ribeiro, Herbert de Souza, Frei Betto e Luiz Carlos Prestes.
O autor nos mostra um quadro de rachas e controvérsias, com duros embates entre as diversas correntes, mais veementes até, como observa Herbert de Souza, do que os que se travavam contra a direita.
Não eram poucas as contestações à nova diretriz do Partido Comunista Brasileiro que pregava a necessidade de uma etapa democrática, nacional e burguesa, no caminho para uma posterior revolução socialista. A proposta de uma aliança com a chamada burguesia nacional para combater o imperialismo e consolidar um regime nacional-popular passou a ser refutada por organizações, entre outras, como a Polop e as Ligas Camponesas.
As Ligas, já sob a liderança de Julião, que pregava a reforma agrária radical "na lei ou na marra", mantinham relações estreitas com a revolução cubana, vitoriosa em 1959 sob a liderança de Fidel Castro, e aderiram à ideia de organizar focos guerrilheiros armados em diversos pontos do país –que nada fizeram de verdade.
Leonel Brizola, eleito governador do Rio Grande do Sul em 1962, vivia às turras com Miguel Arraes, de Pernambuco, e fazia campanha para dissolver o Congresso e convocar uma Assembleia Constituinte com a participação de "trabalhadores, camponeses, sargentos, oficiais nacionalistas e homens públicos autênticos", da qual deveriam ser excluídas "as velhas raposas da política tradicional".
Apostava-se, fantasiosamente, que um "dispositivo militar" legalista seguraria as pontas do oscilante ex-vice Goulart, enquanto investia-se com sua chancela em mobilizações pelas reformas de base e insubordinação de faixas subalternas das Forças Armadas, como marinheiros e sargentos.
O autor rechaça o bordão de que o golpe veio contra uma iminente ameaça comunista de tomada do poder, mas aponta que o ímpeto reivindicatório sugeria ruptura institucional e quebra de hierarquia militar.
Na ausência de uma avaliação mais realista das relações de força, acabou-se por oferecer à direita civil e grande parte do oficialato argumentos para fomentar uma intervenção das Forças Armadas.
Tudo, na realidade, foi muito mais complexo, como o livro bem expõe. Os acontecimentos se precipitaram numa correnteza de equívocos, voluntarismos, hesitações e erros de cálculo, num quadro de crise econômica com inflação em disparada, direita ativa e reflexos do cenário internacional da Guerra Fria.
As lições foram em boa parte aprendidas. Com Luiz Inácio Lula da Silva e o PT, a esquerda veio a encontrar uma expressão institucional representativa, estável e democrática, enquanto a direita acabou sucumbindo ao saudosismo golpista reacionário e tenta se impor "na marra". Como bem escreveu Celso Rocha de Barros, precisa-se mais do que nunca de uma direita democrática.
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