Dona de um orçamento de quase R$ 1,5 bilhão, a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) começa a nova legislatura nesta quarta-feira (15) com a preservação de mordomias, cabides de emprego e previsão de aumento de gastos em comunicação.
Os deputados estaduais, que já têm direito a auxílio-moradia, carro e despesas de gabinete de até R$ 43,7 mil por mês, começaram o ano com um aumento de 16% nesse item —os subsídios passaram de R$ 25,3 mil para R$ 29,5 mil.
Eles atuarão em uma estrutura que envolve 3.300 servidores, em sua maioria, indicações políticas.
Para se ter uma ideia, só a primeira-secretaria, hoje ocupada pelo PT, tem 80 cargos, dos quais apenas 8 não são comissionados. Em número de servidores, o cobiçado setor só não é superado pela assistência policial militar da Assembleia, com 100 vagas.
A Casa, que aprovou lei de João Doria para extinguir estatais inteiras e até a Fundação Zoológico, é a mesma que mantém setor inteiro cuja utilidade é questionada até por parte dos deputados. Trata-se do NAE (Núcleo de Avaliação Estratégica), criado em 2015 pelo então presidente Fernando Capez (União Brasil, na época tucano), com objetivo de avaliar o Poder Executivo.
O departamento é o quinto com mais funcionários lotados, um total de 50, cujos salários podem superar os R$ 26 mil. As nomeações são todas feitas por indicação da Mesa Diretora –muitos são ex-assessores dos parlamentares.
Com uma estrutura física específica para o núcleo acanhada para tanta gente, o setor já teve registros de exoneração de funcionários fantasmas e até relatos de "rachadinhas", a prática de devolver parte dos salários aos deputados.
A Alesp argumenta que o espaço físico é suficiente, uma vez que membros do grupo também prestam serviços externos. A Casa, porém, não forneceu nenhum dado sobre os tais serviços externos ou dados de produtividade deste núcleo à reportagem.
A deputada Janaína Paschoal e outros três parlamentares chegaram a propor a extinção do departamento em 2019. Na argumentação da proposta feita por ela, é citado o custo mensal na época de R$ 850 mil, a existência de uma sala de apenas de dez metros e falta de computadores, além de ações ineficazes.
Em outra proposta, a parlamentar também queria acabar com os cargos de segundo, terceiro e quarto vice-presidentes, além dos de terceiro e quarto secretários. Nenhuma das propostas avançou. "Eu entendia e entendo que seria possível fazer esse enxugamento", afirmou.
A falta de controle sobre onde estão os comissionados ainda possibilita que eles sejam desviados para atividades políticas e privadas. Em 2019, por exemplo, a Folha mostrou como servidores do PRB, hoje Republicanos, desenvolviam atividades partidárias e até em entidade religiosa na hora do expediente.
Além de altos salários, os funcionários na Alesp ainda dispõem de uma série de benefícios que superam os padrões dos servidores paulistas, como auxílio-alimentação de R$ 757, vale-refeição de R$ 62, auxílio-saúde e gratificação por desempenho que pode superar R$ 6.000.
Já os deputados têm direito a estrutura de gabinete que, em alguns casos, pode ultrapassar 25 assessores, sem falar na verba voltada a aluguel de imóveis, hospedagem, alimentação, carros, combustível e material de escritório, entre outros.
Entre 2019 e 2022, os parlamentares gastaram mais de R$ 83 milhões com despesas de gabinete. A maior parte dos gastos aconteceu em 2022, em pleno ano eleitoral, quando os deputados registraram R$ 25 milhões em despesas do tipo.
Os maiores gastos de gabinete são com locação de imóveis, serviços gráficos e aluguel de veículos.
No período analisado, segundo dados da Alesp compilados pela reportagem, o deputado com maior despesa com verbas de gabinete foi Vinícius Camarinha (PSDB), atingindo R$ 1,5 milhão até dezembro.
Procurado, o gabinete do parlamentar afirmou que as despesas são menores do que o permitido e que o aumento dos gastos nos últimos dois anos ocorreu devido ao trabalho extra como líder do governo tucano de João Doria/Rodrigo Garcia. Outra justificativa é a base eleitoral do parlamentar, em Marília, a 450 km da capital paulista.
Sem nenhum gasto de gabinete, Ricardo Mellão (Novo) está no outro extremo. "Eu diria pra você que eu até fui um pouco exagerado, porque tem gastos de mandato que são necessários, principalmente se o deputado é do interior. Mas o gasto médio é muito excessivo", diz ele.
A Alesp, em nota enviada à reportagem, argumenta que os deputados gastaram no ano passado praticamente a metade do que teriam direito e que as despesas são fiscalizadas com base nas prestações de contas.
Mellão, que acompanha de perto os gastos da Casa, ainda aponta itens que chamam a atenção no orçamento para este ano. Um deles é a verba para estudos para subsidiar atividades políticas —ela passou de R$ 2 milhões gastos, em 2022, para uma previsão de R$ 24 milhões neste ano.
A Alesp afirmou à Folha que não é possível dizer que o recurso previsto será efetivamente utilizado. Segundo a Casa, com a verba para estudos, estão programados cursos, palestras e seminários pelo ILP (Instituto Legislativo Paulista), entre outras atividades.
Há previsão ainda de alta com a verba para divulgação dos trabalhos legislativos, que inclui a TV Alesp. O valor previsto neste ano, de R$ 42 milhões, uma das maiores despesas da Casa, é quase o dobro do que foi gasto no ano passado, de R$ 24 milhões.
Os gastos são voltados a serviços variados como de produção de conteúdo a torre de transmissão e legendas. Parte importante dos repasses vai para a Fundac (Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação), responsável pela TV Alesp há mais de uma década.
Consultada sobre o aumento em divulgação, a Assembleia justifica-se dizendo que o valor previsto não deve ser concretizado.
"A estimativa da Alesp, inclusive, é utilizar apenas 75% do valor previsto neste ano. Isso se deve a políticas de economia de recursos públicos, com licitações e contratações de serviços sempre com o menor preço."
Mas, na prática, os gastos devem sim aumentar neste ano. Atualmente, os empenhos de verba de divulgação já estão em R$ 30 milhões.
A publicidade institucional é outro gasto com tendência de alta, com estimativa atualizada de R$ 18 milhões.
Na lista de contratos da Casa, há ainda uma miríade de despesas menores, que vão da confecção dos retratos a óleo dos presidentes (na faixa dos R$ 7.000) ao contrato anual para lanchinhos e refeições aos deputados —segundo parlamentares ouvidos, a Alesp serve um buffet quando há sessões às terças, quartas e quintas. O valor total deste contrato é de R$ 4 milhões.
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