Só lemos títulos, dizem as pesquisas. Segundo uma delas, da Universidade Columbia, quase 60% das pessoas encaminham notícias no Twitter sem ter lido nada além do título.
Isso obriga a uma maior sofisticação na arte de fazer enunciados, algo que muitos redatores levaram anos para desenvolver e que as redes sociais transformaram em atividade banal ao permitirem o mesmo peso para piadas, mentiras e reportagens. Sim, é uma arte conseguir em poucas palavras dar a dimensão de um fato, ser sério quando preciso ou conseguir uma graça sem esconder qual é a informação.
A busca por audiência complica a tarefa. Como já comentado em coluna anterior, jornais precisam seguir estratégias para posicionar bem seus títulos em sites de busca. Determinadas palavras e formulações são mais procuradas do que outras, precisam constar nos títulos para serem encontradas. Ou seja, a antiga arte do redator virou ciência. Melhor dizendo, algoritmo, como quase tudo atualmente.
Fenômeno paralelo, pululam também os títulos "entenda como...", "veja isso...", "saiba onde...". Paulo, leitor do Recife, reclama da prática, pela qual, segundo ele, o jornal trata a todos como ingênuos. "Entenda como Sérgio Reis se radicalizou sob Bolsonaro e entrou para a tropa de choque" foi o título que ensejou sua reclamação.
Nele, a promessa de contar uma história ainda cria certa curiosidade. Outros são anódinos, como este, da semana passada: "Veja o desempenho do PIB de vários países no 2º trimestre de 2021". A notícia só vinha com a leitura do texto. A vacinação atrasada jogou o Brasil para o fim da fila. O título do impresso, em nova edição do texto, foi direto: "Vacinação atrasada limitou a atividade, avaliam economistas".
Não bastasse a forma, há a sutileza, aquele tipo de coisa que aponta supostas inclinações, mesmo que não tenha sido a intenção. Carlos, professor em São Paulo, dividiu questionamentos feitos por seus alunos durante uma aula sobre o gênero jornalístico. "Doria pagará R$ 1.000 ao ano a alunos do ensino médio para mantê-los na escola" era o texto analisado. O governador vai pagar do próprio bolso? Essa seria a melhor formulação para uma notícia que trata de um pré-candidato? Em noticiário negativo, sobre casos e mortes por Covid-19 em escolas, dez dias depois, o sujeito da oração virou "gestão Doria".
O sutil incomoda mais que o literal. Recentemente este ombudsman discutiu em crítica interna com a Redação o seguinte enunciado: "Bolsonaristas invertem narrativa e tentam dar verniz democrático a ato com raiz golpista no dia 7". Uma análise do jornal mostrava mudança de tom nas convocações para o feriado, em comparação com manifestações anteriores, o que sugeria uma ação coordenada.
Meu ponto era que não parecia haver inversão alguma, apenas uma modulação de discurso por parte do presidente Jair Bolsonaro e de aliados para evitar a responsabilização direta por seus arreganhos, como os editorialistas desta Folha gostam de escrever.
Entre os exemplos sobre a mudança de comportamento listados na reportagem, havia as orientações de um movimento aos seus integrantes para evitar que "a conduta pessoal" fizesse o grupo ser acusado de antidemocrático. O antigo apelo pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal passava a ser expresso então por "destituição dos ministros".
A diferença entre fechar a corte e destituir seus integrantes é que, no segundo caso, há previsão legal. Ponderei que, com ou sem possibilidade jurídica, qualquer uma das manobras seria um golpe. Golpe é golpe, não importa se a tiros ou com leite condensado.
Alguns dias e outros tantos arreganhos mais tarde, uma análise sobre o mesmo assunto ofertou o título que imaginava mais preciso: "Bolsonaro finge moderação e insufla atos golpistas no 7 de Setembro".
No primeiro parágrafo do texto, uma espécie de resumo do que ocorre, um ato em favor da liberdade de expressão e da democracia que prega contra as instituições e sonha com um golpe de Estado.
O jornal, a imprensa, tem um teste duro pela frente, com profissionais sob risco potencial, em cobertura que se desenha como o desafio de uma geração. Que continuemos apenas lidando com sutilezas.
OUTROS TEMPOS?
"Helicóptero com bandeira do Brasil sobrevoa escola de Cuiabá após professora ser afastada por criticar Bolsonaro." Só li o título e me lembrei de um recreio nos anos 1970, quando o jogo de futebol no pátio foi interrompido pelo sobrevoo em baixa altitude de um helicóptero com portas abertas e soldados armados. Minha escola ficava a dois quarteirões da Igreja Matriz de São Bernardo, refúgio dos líderes grevistas do ABC que impunham um desafio inédito à ditadura militar.
Os dias atuais trazem lembranças —ruins, para quem precisa de títulos literais.
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