domingo, 6 de junho de 2021

De volta à origem da Covid no Instituto de Virologia de Wuhan, Marcelo Leite, FSP

 Em 8 de maio, tratou-se aqui da hipótese de escape acidental do vírus da Covid do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW). A ideia era readmitir essa possibilidade sem alimentar teorias conspiratórias e antichinesas, mas parte dos leitores entendeu o posto.

Seis dias depois, a revista Science publicou carta de 18 pesquisadores recomendando investigação profunda da origem. Mais duas semanas e o presidente americano, Joe Biden, ordenou que serviços de inteligência testassem a teoria do escape laboratorial.

Um mês atrás parecera convincente o artigo de Nicholas Wade que embasava a coluna, em sua defesa de não se descartar precocemente o cenário acidental. De lá para cá, entretanto, o tema foi sequestrado pela polarização ideológica e descarrilou, por assim dizer.

Admitir que a origem laboratorial é possível não significa afirmar que seja provável, nem que tenha deixado de vigorar como mais aceita a tese do transbordamento zoonótico (quando um vírus salta de alguma espécie animal, ainda não identificada após 18 meses de pandemia, para a humana). Que fique bem claro.

O Instituto de Virologia de Wuhan, na China, é vigiado por seguranças durante visita de missão da OMS - Thomas Peter - 3.fev/Reuters

E é o que transparece em 1h17min de esclarecimentos no podcast TWiV (This Week in Virology, ou “esta semana na virologia”), de Vincent Racaniello. Ele convidou para o programa do dia 27 três especialistas que integraram a visita investigativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) à cidade de Wuhan e ao IVW: Peter Daszak, Thea Kølsen Fischer e Marion Koopmans.

Acompanhar o programa pode ser desafiante, pelo jargão técnico em inglês, mas esclarecedor. Foi ótimo ouvir Daszak, em especial, pois o pesquisador esteve no centro da controvérsia, como suspeito de ter interesse em acobertar um acidente por colaborar com Shi Zengli, especialista em modificação de coronavírus no IVW.

A equipe ficou um mês na cidade chinesa, incluindo duas semanas em quarentena. Os termos de referência da missão da OMS envolviam fazer entrevistas e analisar dados ou relatórios recebidos da parte chinesa, e eles afirmam ter obtido tudo que pediram naquela primeira fase da investigação.

O trio se mostrou agastado com a carta na Science, embora não discorde da proposta de seguir investigando a origem do Sars-CoV-2. Afinal, argumentam, não fizeram e não fazem outra coisa –trabalham no momento para deslanchar a segunda fase do inquérito. E reclamam que a ideia de acidente voltou à tona apoiada só em argumentos, não evidências novas.

A afirmação de que funcionários do IVW ficaram doentes semanas antes do surto de Covid em Wuhan, por exemplo, não encontra apoio em registros hospitalares, mas num capcioso memorando do então secretário de Estado (chanceler) americano Mike Pompeo, divulgado cinco dias antes de Trump deixar o poder. Biden só lhe faz eco.

Daszak diz ter solicitado ao governo dos EUA evidências das infecções, para incluir na investigação. Nunca as obteve. Admite que o acesso a registros chineses tampouco foi perfeito, mas também deu por coerentes e aceitáveis as justificativas para o que não esteve disponível.

O programa de Racaniello reservou as críticas mais ácidas ao trabalho jornalístico de Wade, que teria destacado um suposto indício biomolecular de construção artificial (o famigerado “sítio de clivagem com furina”), quando a suspeita já teria sido descartada meses antes de seu artigo.

Daszak, Fischer e Koopmans concordam que se investigue mais a fundo a origem da Covid, mas defendem que a prioridade recaia sobre a hipótese mais provável. A politização atual, acusam, só dificulta a colaboração da China com a fase 2 da investigação da OMS. Sem ouvir o outro lado não se chegará à verdade sobre o corona.


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