Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Ainda é possível evitar que falte energia elétrica a partir de novembro e diminuir o risco de um racionamento desastroso em 2022, mesmo que 2021 seja tão seco quanto o historicamente árido 2020. É o que indicam as estimativas mais reputadas.
Ainda assim, o país precisa entrar em estado de emergência e adotar providências além daquelas já em operação ou na prancheta de quem administra o setor elétrico.
Essas providências dependem também de negociações complicadas sobre o uso de água e eletricidade e de campanhas gritantes de economia desses recursos. Em suma, dependem de explicitar um problema politicamente custoso. Depende de haver governo, também.
Hum.
Qual o problema “técnico”?
Cerca de dois terços da eletricidade brasileira vêm de usinas hidrelétricas. Quanto mais cheia a represa da hidrelétrica, maior o potencial de gerar energia. As usinas da bacia do rio Paraná estão com lagos esvaziados, grosso modo por causa da pior seca em quase um século. Seus lagos podem guardar 76% da água (e, pois, da energia) de uma das quatro partes do Sistema Integrado Nacional (SIN) de energia, o Sudeste/Centro-Oeste e 53% do sistema nacional inteiro.
Se chover como em 2020, as represas do Sudeste/Centro-Oeste vão chegar ao fim do período seco da região, em novembro, com 7,9% de água, prevê o Operador Nacional do Sistema (o diretor-geral de trânsito da eletricidade, que decide qual será a fonte de energia elétrica e seu fluxo).
A média mínima do nível dos lagos entre 2000 e 2020, já um período de anos muito secos, foi de 15%. É preciso preservar água para 2022.
Se os lagos ficarem muito secos, várias dessas hidrelétricas não vão gerar energia alguma já em novembro. Se não chover muito de novembro a abril de 2022, é bom nem pensar.
Logo, é preciso estocar água nessas usinas. Para começar, é preciso fechar os canos das hidrelétricas e usar outra fonte de energia, das termelétricas, por exemplo.
É simples assim? Não. Por normas, as hidrelétricas têm de deixar passar um mínimo de água, sem o que pode haver problemas de escassez de abastecimento de famílias ou empresas, mortandade de peixes e outros problemas ambientais e dificuldade de navegação —no caso de agora, o impacto maior será na hidrovia Tietê-Paraná.
É fácil perceber que esse pode ser um problema político. Mas tem de ser feito.
Será necessário ligar todas as usinas termoelétricas, que são uns geradores gigantes movidos a gás e restos de cana, a maioria (73%), e também óleo combustível, carvão e material nuclear. Custa muito mais (por isso que a maioria fica na “reserva”) —a eletricidade vai ficar bem mais cara neste e no ano que vem, pelo menos.
De resto, é preciso que todas funcionem, não pifem, que não falte gás etc. Ainda assim, usando toda a capacidade das térmicas a partir de setembro, os reservatórios chegariam àquele mínimo crítico.
Desde o relatório de 28 de maio, o ONS faz o alerta de que alguns grandes reservatórios do Sudeste vão a perto de zero, como ocorreu com Sobradinho (Bahia) na seca de 2015.
É preciso também importar eletricidade dos vizinhos do Mercosul, o que já está sendo feito. É preciso permitir mais transmissão de energia entre uma parte e outra do sistema nacional de energia (do Norte, por exemplo). Provavelmente vai ser preciso que grandes consumidores remanejem seus horários de consumo, o que voluntariamente não têm feito.
Fazendo tudo certo, ficamos no osso, sem gordura para queimar.
Essa é apenas um resumo introdutório do problema. Vamos longe nessa conversa.
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