José Sócrates
A Operação Marquês foi a Lava Jato portuguesa. Talvez seja esta a melhor forma de descrevê-la, de modo a que todos os brasileiros entendam. Numa e noutra tivemos as mesmas conduções coercitivas, os mesmos vazamentos, a mesma prisão injusta, as mesmas acusações ignominiosas e estapafúrdias, a mesma cumplicidade do jornalismo, a mesma instrumentalização política do combate à corrupção.
Nos dois casos, tivemos também a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado de uma delas, o Ministério Público. Cá e lá, o mesmo personagem, o juiz-herói construído pela indústria midiática. Aí, um medíocre ativista político; aqui, um figurante um pouco mais cômico. De um lado e do outro do Atlântico, a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político. O “lawfare” é uma guerra de extermínio.
Quase sete anos depois de eu ter sido preso, a Justiça portuguesa confirmou neste sábado (9) que a acusação, no que diz respeito à mais grave acusação de corrupção, não tem indícios, não tem provas, não tem fundamento —como vocês dizem aí, a denúncia não tem mérito para ir a julgamento. O mesmo é valido para os crimes de fraude fiscal. Pronto, é isto, e já é bastante. No final, nenhuma das alegações de corrupção é verdadeira.
Como foi possível isso acontecer? Como foi possível acusarem durante sete anos um político de um crime ignominioso sem terem o mínimo de respaldo nos fatos? A resposta é dura, mas tem de ser dita. O que aconteceu foi que o sistema judicial português foi manipulado para perseguir um adversário político. O que aconteceu foi que o sistema judicial, com a desculpa do combate à corrupção, foi usado para fins estranhos à Justiça, mas familiares à política —retirar alguém do espaço publico e impedir a sua candidatura a presidente da República.
No final, restam umas acusações baseadas em indícios de branqueamento de capitais [lavagem de dinheiro] e de falsificação de documentos das quais me irei agora defender em julgamento porque, como todas as outras, são igualmente falsas e injustas.
Não creio que o Brasil estivesse habituado a isso, e certamente a política portuguesa não estava. Num caso como no outro, tratou-se de usar o aparato judicial estatal para impedir uma candidatura a presidente, beneficiar a direita política e atingir a esquerda. Missão cumprida. No Brasil, a Lava Jato afastou o PT do poder; em Portugal, o Processo Marquês impediu o Partido Socialista de ganhar as eleições em 2015 e permitiu que o novo presidente se candidatasse sem ter adversário apoiado pelo Partido Socialista.
Entendamo-nos bem. Nada disto foi um erro judicial, mas uma vigarice judicial. Tudo isto foi intencional, planejado e devidamente arquitetado. Aí e aqui o mesmo método. Primeiro, a escolha da jurisdição —a escolha viciada do juiz, o juiz que permitiu os abusos e que assegurou o jogo de cartas marcadas. Segundo, a lei de exceção, as detenções arbitrárias, os vazamentos, os direitos constitucionais violados.
Na Operação Marquês foi a minha detenção no aeroporto, com as emissoras de TV ao vivo. A alegação foi de perigo de fuga, apesar de eu estar a entrar no país, e não a sair. Foi a prisão preventiva por 11 meses sem que fosse apresentada qualquer denúncia formal. Foi o impedimento de acesso aos autos durante mais de um ano, depois da prisão. Foi a mentira que começou logo no início, logo na primeira condução coercitiva —temos provas, diziam eles. Três meses depois diziam que as provas estavam consolidadas; seis meses depois diziam que as provas estavam “mais consolidadas ainda”. Todos os dias essa mentira na televisão. Todos os dias, durante quase sete anos.
Quase sete anos depois, um juiz independente decide que a acusação, no que diz respeito à acusação concreta de corrupção, não é válida, não tem mérito, não tem fundamento. Não é que não haja provas, é que não há sequer indícios. Sete anos depois. Nada mal para uma Justiça europeia.
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