Ainda pendente de análise no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), a decisão do ministro Edson Fachin de retirar da 13ª Vara Federal de Curitiba as ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz parte de um conjunto de casos da Lava Jato transferidos do Paraná para outras localidades do país nos últimos anos.
Situações envolvendo, entre outros investigados, os ex-ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo ou caciques do MDB também deixaram de ser processadas na vara responsável pela operação após o tribunal concluir, em deliberações colegiadas, que ela não tinha competência para conduzi-las.
Até o fim de 2018, o titular da 13ª Vara era o então juiz Sergio Moro, depois ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
O julgamento no Supremo está marcado para a próxima quarta-feira (14). Integrantes da corte e criminalistas avaliam que, por se tratar de tema sem grande controvérsia, a margem para interpretações é estreita e a possibilidade de repercutir sobre outras apurações, limitada.
A análise do tribunal, porém, mexe no jogo eleitoral.
Duas condenações impostas ao ex-presidente, já confirmadas em instâncias superiores, foram derrubadas com o despacho de Fachin, devolvendo ao petista os direitos políticos. Isso eleva o grau de incerteza sobre o debate a ser travado pelos 11 ministros.
Para os críticos da Lava Jato e aliados de Lula, a decisão de Fachin foi tomada tardiamente, tendo como principal consequência a prisão do petista em 2018. Lava-jatistas, por sua vez, destacaram o risco de as acusações prescreverem, uma vez que as ações penais terão de recomeçar do zero em Brasília.
Nos últimos cinco anos, em mais de uma dúzia de casos, seja no plenário, seja na Segunda Turma, o colegiado encarregado da Lava Jato, o Supremo aplicou o raciocínio usado por Fachin em relação aos processos de Lula: a 13ª Vara não pode conduzir investigações sem conexão direta com os desvios na Petrobras.
"Aplico aqui o entendimento majoritário que veio se formando e agora já se consolidou no colegiado [Segunda Turma]. E o faço por respeito à maioria, sem embargo de que restei vencido em numerosos julgamentos", afirmou Fachin na decisão.
Ele citou precedentes na peça de 46 páginas. Entre eles está o caso sobre irregularidades no Ministério do Planejamento envolvendo a presidente nacional do PT e deputada federal, Gleisi Hoffmann (PR), e o ex-ministro Paulo Bernardo. A parte relativa às pessoas sem prerrogativa de foro foi remetida para São Paulo.
O Supremo enviou para São Paulo e Brasília acusações contra o ex-ministro Guido Mantega, titular da Fazenda nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), citado nas delações do marqueteiro João Santana, do empresário Marcelo Odebrecht e de executivos da holding J&F e dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Assim também procedeu para fixar na capital do país a tramitação de ações penais contra os envolvidos nos chamados quadrilhão do PT e do MDB, ou processos relacionados a desvios na Transpetro, subsidiária da Petrobras.
"O excesso de atribuição de Curitiba vem, aos poucos, sendo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal", afirmou o criminalista Pierpaolo Bottini. "Ainda que a conta-gotas, é o reconhecimento das regras de competência previstas no Código do Processo Penal."
O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), instância revisora das decisões da Justiça Federal no Paraná, também já incorpora a questão em sua jurisprudência e retirou um caso da 13ª Vara após analisar um habeas corpus.
O caso envolve Fábio Luís Lula da Silva, filho mais velho do ex-presidente. Conhecido como Lulinha, ele foi investigado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sob a suspeita de receber valores ilegais de empresas de telefonia.
O tribunal determinou o envio para a Justiça Federal de São Paulo, sede da Gamecorp, empresa em que Lulinha foi sócio, por intermédio da qual teriam sido feitas as transferências ilegais.
Advogado de Fábio Luís no caso, Fábio Toffic Simantob disse que a competência da Lava Jato de Curitiba atrelada à Petrobras é tema pacificado.
"Você pode, sim, discutir se há ou não Petrobras envolvida no caso concreto", afirmou o criminalista, para quem a análise sobre o caso Lula caberia à Segunda Turma. "Qual seria a questão relevante a demandar o plenário? O envio ao pleno deve ser motivado por questão jurídica relevante. E não é esse o caso."
Ao recorrer da decisão de Fachin, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo argumentou que a Lava Jato apontou crimes praticados no âmbito do esquema criminoso que pilhou a Petrobras.
Segundo a acusação, contratos da estatal com a construtora OAS estão na origem de valores ilícitos direcionados a Lula.
A denúncia, frisou a representante do Ministério Público Federal, relata elos entre os contratos da OAS firmados com a Petrobras e a vantagem ilícita obtida por Lula. "Há de ser preservada a competência do juízo de origem", afirmou Lindôra.
Caso sua tese não prevaleça, ela pediu ao Supremo que preserve os atos processuais preparativos das ações penais e decisões, incluindo as condenações contra Lula.
A defesa do ex-presidente disse que aguarda a manutenção da decisão de Fachin que retirou os processos da 13ª Vara Federal de Curitiba.
"[A 13ª Vara] sempre foi apontada pela defesa como incompetente para julgar os casos", afirmaram Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, em nota enviada pela assessoria do petista.
"[A decisão] está amplamente fundamentada em critérios estabelecidos pelo plenário do STF e que foram reafirmados em cerca de duas dezenas de diferentes casos julgados na Segunda Turma.”
Os advogados disseram ainda que pediram ao STF que o recurso da PGR seja julgado pela Segunda Turma, e não pelo plenário. Afirmam que a matéria envolve processos conexos que já tiveram o julgamento iniciado no colegiado e por ser tratar de aplicação ao caso concreto de critério já definido.
Procurados pela reportagem, Moro e a Procuradoria da República no Paraná não quiseram se manifestar sobre o assunto.
O JULGAMENTO DA DECISÃO DE FACHIN QUE ANULOU CONDENAÇÕES DE LULA
O que será julgado? O Supremo Tribunal Federal marcou para quarta-feira (14) o julgamento da decisão do ministro Edson Fachin de transferir da 13ª Vara Federal de Curitiba quatro ações penais contra o ex-presidente Lula na Operação Lava Jato. São os casos conhecidos como triplex de Guarujá, sítio de Atibaia, doações ao Instituto Lula e sede da entidade.
Por que Fachin tomou essa decisão? O relator da Lava Jato foi provocado pela defesa do petista com argumentos de que a 13ª Vara não tem atribuição para processar o petista porque as acusações a ele impostas pelo Ministério Público Federal não têm relação com os desvios na Petrobras. Em linguagem técnica, não tem competência jurisdicional.
Quais as consequências dessa decisão? O despacho de Fachin anulou todos os atos e decisões tomadas nos quatro processos, fixando a Justiça Federal em Brasília como local para a tramitação deles a partir do zero. Com isso, duas condenações contra Lula, já confirmadas em instâncias superiores, foram derrubadas, devolvendo ao ex-presidente seus direitos políticos.
Esse é um caso isolado na Lava Jato? Não. Há precedentes no Supremo sobre a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Uma série de casos da Lava Jato foi transferida por determinação do tribunal para outras regiões nos últimos anos.
O que pode ocorrer no plenário? Apesar de ministros da corte e criminalistas considerarem que não há grandes controvérsias em torno do assunto, é elevado o grau de incerteza sobre o resultado do julgamento em razão do interesse político que ele desperta.
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