quinta-feira, 1 de abril de 2021

Entenda como funcionam as promoções nas Forças Armadas do Brasil, Igor Gielow, FSP

 A discussão acerca da troca dos comandantes militares após o presidente Jair Bolsonaro demitir o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, trouxe ao noticiário um elemento hermético: o sistema de promoções das Forças Armadas.

Tomando o Exército como modelo, já que as regras se aplicam à Marinha e à Aeronáutica, com apenas a diferença no nome de cada grau hierárquico: o topo da carreira da Força terrestre é general-de-exército, enquanto na naval é almirante-de-esquadra e na aérea, tenente-brigadeiro.

Cadetes na formatura da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ)
Cadetes na formatura da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ) - Eduardo Anizelli - 18.ago.2018/Folhapress

Só isso já causa confusão aos leigos —a denominação tenente, por exemplo, se espraia por diversos níveis, indicando pontos absolutamente diferentes da carreira.

Para ficar no Exército, maior Força com 220 mil dos 380 mil militares da ativa, todo ano são formados cerca de 400 cadetes na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).

Eles saem de lá aspirantes a oficiais. Apenas quatro de cada turma chegam ao posto máximo de general-de-exército, com quatro estrelas nos ombros.

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O caminho leva décadas e depende de vários fatores. As promoções ao longo da carreira são determinadas por antiguidade, mérito e escolha específica —e bravura, em tempos de guerra.

O grosso da tropa, contudo, está nos escalões inferiores, que vão de soldado até suboficial e somam quase 85% do efetivo da Força. Ali os critérios de promoção são mais automáticos.

Um oficial bem-sucedido como o ex-ministro Azevedo, por exemplo, entrou em 1973 na Aman, formando-se em 1976. Só chegou a general-de-brigada (duas estrelas, não há generais de uma estrela no Brasil), início do generalato, em 2007.

Uma vez no quadro de oficiais-generais, o militar pode ficar no máximo 12 anos. Se for sempre promovido, como o caso de Azevedo, em média passa quatro anos em cada nível. O ex-ministro ascendeu a general-de-divisão (três estrelas) em 2011 e, em 2014, ganhou a quarta estrela de general-de-exército.

Deixou a Força para a reserva em 2018, quando iniciou sua carreira na política, assessorando Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal e, depois, integrando o governo do capitão reformado (aposentado) Bolsonaro.

Todo ano, em duas ou três ocasiões, há reuniões do Alto-Comando do Exército para determinar quem será promovido nos três níveis do generalato. Aqui, diferentemente da carreira de oficiais que se estende do aspirante ao coronel, há sempre considerações política envolvidas, além dos méritos.

Como em toda corporação, há grupos de oficiais com mais afinidade, usualmente aqueles que trabalharam juntos em relação de subordinação.

O atual chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, sempre secundou Azevedo ao longo de seus principais postos, por exemplo, acompanhando-o em diversas unidades.

O ramo do Exército escolhido, arma no jargão, importa em especial nos oficiais combatentes: cadetes formados na Infantaria, Cavalaria e Artilharia tendem a se aglutinar.

Quando ocorrem as promoções, toda a escala se mexe. Se abre uma vaga de quatro estrelas, por antiguidade, a disputa por ela será dada entre os generais de três estrelas usualmente de uma turma abaixo —pode haver variações.

Será então escolhido sempre o militar da turma mais antiga. Se ele for mais moderno, ou seja, com menos tempo de caserna e idade que os colegas, isso geralmente empurra os outros para a reserva —já que eles teoricamente já estão no limite usual de quatro anos para cada posto do generalato.

Claro que pode haver variações na regra, porque há filigranas. Na Marinha, só há um quatro estrelas fuzileiro naval por vez, então eles manobram para ficar mais tempo como duas e três estrelas, aumentando o número daqueles que poderão disputar a vaga no topo.

Voltando ao exemplo hipotético do Exército, assumindo que dois colegas do escolhido para ganhar a quarta estrela tenham ido para casa, isso abre três vagas no nível de três estrelas para concorrentes com duas nos ombros, e assim por diante.

Por isso há a discussão acerca da escolha do comandante. Já ocorreu mais de uma vez de o escolhido ser mais moderno do que os preteridos, como no caso de Eduardo Villas Bôas em 2015.

No nível de Alto-Comando, se isso acontece, há uma tendência de que os preteridos acabem antecipando sua saída, que de todo modo ocorreria em um ou dois anos. Mas não é uma norma rígida.

Por isso houve reações à preferência do Planalto ao general Marco Antônio Freire Gomes para a vaga do chefe do Exército, general Edson Leal Pujol. Há cinco militares mais antigos que ele no Alto-Comando, ainda que dois tivessem sua ida marcada para a reserva nesta quarta (31).

A escolha ao fim de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira para o comando deixou apenas dois mais antigos acima, um deles (José Luiz Freitas) com a ida à reserva marcada para agosto.

Como se vê, é um sistema intrincado e com diversos atalhos, mas a base dele é dar previsibilidade para uma carreira que, se chegar ao topo, ultrapassa quatro décadas. Isso explica por que os militares torcem o nariz quando a ordem das coisas é quebrada.

Isso também gera ruído quando o escolhido para o Ministério da Defesa é um general mais moderno do que os seus subordinados, caso de Walter Braga Netto agora.

General de quatro estrelas, Braga Netto deixou a ativa quando foi para a Casa Civil Bolsonaro, em 2020.

Não é obrigatório, dado que militares do serviço ativo podem servir em cargos civis por dois anos, mas atendeu a uma pressão do Comando do Exército —que também funcionou com Ramos, mas foi infrutífera no caso do general Eduardo Pazuello, ex-Saúde.

Na previsão do Ministério da Defesa para 2021 há 148 oficiais-generais no Exército (15 de quatro estrelas, 48 de três, 85 com duas), 86 na Marinha (8 com quatro estrelas, 26 com duas, 52 de três) e 86 na Aeronáutica (8 de quatro estrelas, 24 com três, 54 de duas).

Os números flutuam um pouco. Hoje há 16 generais da ativa no Alto-Comando do Exército, 1 deles lotado no ministério, além do comandante da Força —que passa à reserva assim que assume o cargo.

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