O problema é que um dia o animal tem de voltar para a estrebaria
Os estertores da ditadura militar produziram uma figura de pé de página na história do Brasil: o general Newton Cruz. Enquanto chefe do SNI sob o presidente Figueiredo, só as trevas o conheciam. Mas, em 1983, quando Figueiredo o promoveu a comandante militar do Planalto, seu estilo saiu à luz do dia.
Newton Cruz foi pioneiro em mandar repórteres calar a boca, partiu para estrangular um deles numa coletiva e, de rebenque e capacete, comandava a cavalo as operações antiprotesto em Brasília, chicoteando os carros e jogando o pobre animal contra as pessoas na calçada.
É um perigo quando autoridades se prestam a tais fanfarronices. O povo tende a identificá-los com sua montaria, vendo neles um único quadrúpede. Newton Cruz nunca se livrou dessa imagem, nem mesmo quando foi acusado de envolvimento em episódios turvos da ditadura, um deles a bomba no Riocentro, em 1981. Passou à posteridade aos relinchos.
Jair Bolsonaro saiu a cavalo pela Esplanada dos Ministérios neste domingo, saudando seus cada vez mais reduzidos apoiadores. Fez isso em mangas de camisa e com as fraldas para fora, como sói —afinal, é apenas um ex-tenente que foi promovido a capitão ao ser mandado embora do Exército. Nunca um suboficial lhe prestou continência. O homem a cavalo imagina-se uma potência, por ver os outros de cima para baixo. Bolsonaro, desmontado, ao rés do chão e acuado pela Justiça, já não está com essa potência toda.
E começa a tornar possível o que até há pouco parecia impensável: unir contra si as forças democráticas do Brasil, de várias cores políticas. Na ditadura foi assim —custou, mas chegou-se a um ponto em que ela já não interessava a ninguém, nem aos militares. A Bolsonaro só restará uma minoria falangista. Até o centrão, que ele pensou ter comprado, lhe dará uma banana.
O problema de governar a cavalo é que um dia ele tem de voltar para a estrebaria.
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