O caldo entornou.
Não tem mais volta, não tem mais paciência, não tem mais tolerância possível com o circo macabro que se instalou no poder. Silêncio é omissão, e omissão é endosso à barbárie. Não podemos assistir ao genocídio acomodados em nossa melhor poltrona, com pipoca e cerveja gelada.
Recebo, quase todo dia, mensagens desaforadas dos bedéis de texto. Eles vêm me dizer para limitar minha escrita à gastronomia, às receitas de forno e fogão. Deixar a política para os cronistas políticos.
Por extensão, um comediante não deveria fazer papéis dramáticos. Uma bailarina não deveria cantar. Um confeiteiro não deveria fazer frango assado. Um militar não deveria se candidatar a cargos públicos.
Os aspirantes a ombudsman podem ficar sossegados. Vou falar de comida hoje. Em todos os parágrafos desta coluna.
Só não esperem que eu comente a batatinha murcha que a hamburgueria entrega na quarentena. Está pesada demais a concorrência dos influenciadores parasitas.
Eu sou jornalista. Nossa categoria não tem um juramento de Hipócrates, mas há um senso de missão compartilhado fortemente nas redações. O jornalista sério –há picaretas também– trabalha pelo interesse público, pelo bem da comunidade. Talvez por isso nos tachem de comunistas, de mortadelas.
Num momento desgraçado como este, não falar de política é omissão criminosa. Fale de ciência ou de futebol, como falam os mestres Marcelo Leite e Juca Kfouri. Mas não faça ouvidos moucos para a realidade que berra. Todos são livres para misturar DNA com STF, impedimento com impeachment, filhós com Queiroz.
Obviamente, ninguém precisa ser jornalista para falar o que bem entender. É de uma cretinice tirânica tentar calar a boca do Raí, irmão do Sócrates, que esteve ao lado de Osmar Santos na Sé, em 16 de abril de 1984. Naquela época, não existia internet, entrega de pizza nem voto direto para presidente. O irmão do Raí ajudou a mudar isso, no que diz respeito ao voto.
Cozinheiros também têm o evidente direito de se posicionar na política. Poucos o fazem, com medo de perder clientes deste ou daquele segmento. São bundões, cegos e meio burros. Quase tudo já foi perdido.
Está difícil juntar cacos de ânimo para acordar a cada manhã, que dirá bancar o lutador valentão. É necessário, porém. Não é questão de esquerda ou direita –é a luz contra as trevas. Esse discurso, sei, tem sido repetido à exaustão. Mas não podemos desistir até que ele rompa a barreira da estupidez, como a faca cega que corta o bife empedernido.
Ele não é o tiozão do churrasco.
Ele não é o palhaço que come pão com leite condensado no café da manhã.
Ele é um boçal mal-intencionado, obscurantista, misógino, racista, homofóbico, lambe-botas de torturador, incapaz, intempestivo, desonesto, mentiroso. Precisamos pará-lo. E fazer um churrasco para comemorar. Depois da pandemia, é claro.
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