quinta-feira, 11 de junho de 2020

Daniel Martins de Barros Quase acostumados, OESP

Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo

11 de junho de 2020 | 03h00

Dizem que, para domar elefantes antigamente, deixavam filhotes com uma pata amarrada desde o nascimento. Eles iam crescendo e aprendendo que era inútil tentar ir além da tensão na corrente – depois que ela esticava, não adiantava tentar forçar adiante. Esticou, freou. E com isso eles se tornavam atrações de circo fáceis de manejar – aqueles bichos enormes eram facilmente mantidos presos num pequeno toco, por nem sequer imaginar que poderiam arrastar domador, corrente, tudo, se apenas tentassem. Mas eles não tentavam.

Não sei o quanto de verdade tem nessa história, mas é fato que podemos ensinar alguém a desistir. Chama desamparo aprendido, e foi descoberto numa experiência bastante cruel. Nos anos 1960, quando os comitês de ética eram provavelmente mais lenientes, o psicólogo Martin Seligman colocou cães em gaiolas especiais com chão eletrificado, dando choques nos coitados dos bichos de vez em quando. Embora não soubessem quando vinha o susto, numa delas podiam interromper os choques com uma alavanca, ao contrário do que acontecia na outra. Depois de um tempo os cães iam para outra gaiola dividida em duas metades por uma barreira baixa, na qual só um dos lados tinha o chão eletrificado. Quando os cães eram colocados ali, apenas os que vinham da gaiola com alavanca pensavam em pular para o lado que não dava choque. Os outros ficavam lá, tomando choque, sem ter a mesma ideia. Afinal, eles haviam aprendido a não ter esperança. Daí desamparo aprendido.

Tenho pensado nessas histórias conforme vejo muita gente dizendo que já se acostumou com a vida na quarentena. Será que estamos no caminho dos cães de Seligman? Ou do cachorro de Zenão?

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Há três meses, quando a coluna estreou no caderno Quarentena, eu dizia que era preciso aceitar a realidade dos fatos. Antes de o termo novo normal ganhar fama referindo-se ao cenário que nos aguarda quando tudo isso passar, defendi sua aplicação não no futuro, mas no presente. A realidade que estamos vivendo agora é o normal por enquanto. Nos rebelarmos contra ela não a torna mais breve, apenas menos tolerável. E lembrava então do filósofo Zenão, que descrevia o comportamento de um cão sábio. Amarrado a uma carroça, ele sabiamente não se revoltava contra a direção para onde era puxado, mas aceitava o destino e fazia sua vontade coincidir com as forças que o arrastavam.

Qual a diferença entre os dois cães? Por que nos sentimos compungidos pela história dos cães de Seligman e inspirados pelo cachorro de Zenão?

Creio que seja devido ao motivo por trás da resignação. O cachorro amarrado seria tolo de lutar contra seu destino. Como só lhe resta aceitá-lo, parece digno fazê-lo com altivez. Já o cachorro que desiste de pular por desamparo lá fica, tomando choques desnecessariamente, inspirando piedade.

Agora que estamos quase nos acostumando com a quarentena me pergunto por quê. Se estivermos lidando de forma estoica com uma realidade dura, ótimo. Mas devemos nos manter vigilantes para que não desistamos de lutar com problemas que podemos superar. Eles não são destinos inexoráveis. Mas só saberemos disso quando tentarmos nos livrar deles. 

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