O que existe lá fora no mundo em que vivemos? O que é real nesses tempos loucos? Perguntas como essas mantêm filósofos ocupados aposto que antes mesmo da palavra "filosofia" existir. O cérebro pode se preocupar com isso —ou não.
O Real, assim mesmo, com letra maiúscula, é por definição impérvio à nossa filosofia (por isso vã). Vejamos:
O estado de saúde ou doença dos outros não depende do seu conhecimento. Se os eventos do governo são regidos, planejados, calculados ou desastrados, não é porque você os considera assim.
A insegurança, a incerteza e a instabilidade alheias não se materializam apenas quando você olha.
Se tanta irrelevância humana frente ao Real já é problemática em tempos comuns, então em tempos de encapsulamento, quando se espera de cada um de nós justamente não sentir na pele o que os outros sofrem, em nome do bem comum, ela é especialmente perigosa.
Porque assim fica especialmente fácil vivermos cada um em sua realidade construída, placidamente ignorantes do Real. Afinal de contas, é isso que o cérebro faz melhor: montar a cada momento uma hipótese de trabalho interna sobre o que acontece lá fora, conforme as respostas às nossas ações.
Se nós não olhamos, não vemos nada. Se não agimos, não há resposta. Se não nos importamos, não há com o que se importar.
Quantos humanos nos últimos dois meses você, leitor, já viu arfar, de lábios arroxeados, lutando em angústia a cada inspiração contra o afogamento iminente em terra firme? Provavelmente, nem um só. O vírus é invisível; a doença é etérea, um medo no ar. Para a maioria de nós, os casos ainda só chegam aos sentidos como estatísticas nos jornais.
Da abstração do governo, então, nem se fala. O governo, ou falta dele, não se vê. Há atores nos jornais, decerto, enchendo páginas de fotos, vídeos e relatos —não importa se você se sinta vingado e vitorioso, arrependido, frustrado, impotente ou raivoso.
Mas "governo" é uma ideia na cabeça de cada um. E como cada um pensa o que quer, ninguém se entende.
Esta é a diferença entre ilusão e percepção. A ilusão é o que a gente quiser. Ou pior: é a realidade que o cérebro conjura de olhos fechados, sem ter trabalho de pensar, problemática porque é um guia tão útil quanto cego em tiroteio, completamente alheio ao Real.
A percepção é uma versão do Real razoavelmente útil, porque razoavelmente fiel.
Como transformar ilusão em percepção?
Basta agir.
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