domingo, 24 de novembro de 2019

Os partidos e a política, Opinião OESP

A sensação é de que há muita ‘política’ e pouquíssima política ao mesmo tempo”, escreve Marco Aurélio Nogueira no artigo Partidos, movimentos, democracia: riscos e desafios do século XXI, recentemente publicado na edição brasileira do Journal of Democracy. O professor da Unesp faz referência a um quadro contraditório. Os partidos são ainda estruturas importantes – “permanecem como personagens centrais do jogo político e parlamentar” –, mas “perderam protagonismo como agentes de mobilização, educação política e formatação da cidadania. (...) Deixaram de atuar como fatores de hegemonia – de formação de consensos e da fixação de diretrizes ético-políticas –, processo que se transferiu sempre mais para o mercado (o marketing, a publicidade), a indústria cultural e os diferentes ambientes virtuais”.
A situação de crise vai muito além das fronteiras das legendas. “A derrocada dos partidos (...) passou a reforçar a ideia de que a democracia representativa ingressou em crise de igual proporção, com a ampliação da fuga dos eleitores, o aumento do desinteresse político da população e a desvalorização das eleições como método para a escolha dos governantes”, aponta Nogueira.
A relação entre partidos e democracia vem de longa data. Nas democracias representativas de massa surgidas na Europa a partir do final do século 19, as agremiações partidárias eram vistas como elementos fundamentais para o funcionamento democrático. Tal perspectiva está presente, por exemplo, na Constituição de 1988, que lista a filiação partidária entre as condições de elegibilidade. Com essa medida, mais do que impor um trâmite burocrático, a Carta Magna coloca os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado, reconhecendo a esfera partidária como etapa obrigatória para o debate, o aprimoramento e a difusão das ideias e propostas políticas. “Ainda que pouco eficientes no diálogo com a sociedade e a opinião pública, os principais partidos funcionam e conseguem transferir alguma estabilidade ao sistema político”, reconhece o professor da Unesp.
No entanto, e aqui está um dos desafios atuais, tal realidade institucional não é percebida pela população. “Em uma época na qual a política não é devidamente valorizada no âmbito estatal e na opinião pública, os partidos são rejeitados por serem vistos como excessivamente poderosos no controle do processo decisório, o que afastaria os cidadãos das decisões políticas e bloquearia a participação cívica, com o efeito colateral de entregar a política aos interesses unilaterais dos políticos e à corrupção”, diz o artigo.
Diante desse distanciamento entre partidos políticos e sociedade, os movimentos ganham força. “Desejosos de participação e refreados pelas idiossincrasias dos sistemas políticos, muitos cidadãos buscam novos espaços de agregação e atuação. Os movimentos tornam-se, assim, uma espécie de desaguadouro do ativismo que floresce na hipermodernidade, expressando uma vontade coletiva de limitar as oligarquias partidárias, reformar a política e inventar novas formas de atuar politicamente. No horizonte de todos esses movimentos, anuncia-se a perspectiva de não repetir a organização tradicional dos partidos políticos.”
Por isso, o ativismo dos movimentos se dá em paralelo, ou mesmo em oposição, ao mundo da política institucional. É como se a força renovadora dessas novas agremiações, incluída a capacidade de dar voz aos cidadãos, dependesse de um distanciamento da política institucional. No entanto, ao se posicionar assim, tal ativismo limita sua própria capacidade de realização desses desejos de mudança. Referindo-se à situação do Brasil em 2019, Nogueira reconhece haver “muita contestação e resistência aos atos, palavras e decisões governamentais, mas não há propriamente oposição”.
O poder de transformação ainda passa pela política. Ou seja, o tão almejado empoderamento do cidadão passa necessariamente pela política, que é também política partidária. Quando se rejeita esse caminho, a participação política torna-se uma utopia, frustrando expectativas e reforçando ainda mais o círculo vicioso do alijamento do cidadão do poder político. 

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